Vida útil fundamenta novos pilares da construção civil

A partir da norma de desempenho, materiais e estruturas precisam especificar projetos de ACV, comprovando durabilidade e sustentabilidade

A partir da norma de desempenho, materiais e estruturas precisam especificar projetos de ACV, comprovando durabilidade e sustentabilidade

Por: Altair Santos

A norma de desempenho surge também como um divisor de águas na construção civil quando cita a questão do ciclo de vida de materiais e estruturas em edificações. Apesar de não dar um tratamento normativo ao tema, mas meramente informativo, a abordagem feita na ABNT NBR 15575 já serve para fundamentar novos pilares para o setor. “Antes de 19 de julho de 2013, quando a norma de desempenho entrou em vigor, alguns segmentos ignoravam o ciclo de vida. Hoje, o que existe é resistência, seja por parte de projetistas, construtores ou fornecedores de materiais. Mas todos já tomaram consciência de que é preciso declarar ACV (Avaliação de Ciclo de Vida) mesmo que na norma de desempenho ela tenha ficado como uma questão informativa e não normativa” explica o professor-doutor da Escola Politécnica da USP, Vanderley M. John.

Professor Vanderley M. John e Vera Hachich: mercado ainda resiste aos novos pilares, mas aceitá-los é inevitável

Ao lado da também especialista Vera Fernandes Hachich – ambos integram a coordenação do Comitê Temático de Materiais do CBCS (Conselho Brasileiro da Construção Sustentável) – Vanderley M. John avalia ser inexorável que o ciclo de vida de materiais e estruturas se destaque cada vez mais no mercado da construção civil. “Tudo que se constrói perde desempenho ao longo do tempo. Isso é inevitável. O produto é feito para prestar um serviço, e quanto mais tempo ele cumprir sua função, melhor. Isso vale para nossos carros, e agora vale para nossos edifícios”, diz o professor da USP, complementado por Vera Hachich. “O problema é que alguns setores estão confundindo ciclo de vida com período de garantia e, por segurança jurídica, por causa da norma de desempenho, criando manuais com prazos curtos demais e tentando fazer recair a responsabilidade sobre a manutenção”, afirma.

No entender de Vera Hachich, a Análise do Ciclo de Vida tem muito a evoluir no Brasil. Para ela, as boas soluções de projeto serão as maiores responsáveis por esse avanço. “Nesta questão, não há o que substitua boas soluções de projeto. Só que muitas vezes elas são tomadas com base no custo inicial, sem levar em consideração a manutenção. Um exemplo: se a estrutura é projetada para ter ciclo de vida de 50 anos, mas recebe um sistema hidrossanitário com ACV de 20 anos, como projetar isso? Será necessário repensar o cálculo, o custo inicial, o custo de manutenção, enfim, o custo total. Os impactos da manutenção sobre os subsistemas da edificação terão de ser adequados dentro das soluções de projeto”, comenta. “Vai ser preciso quantificar o impacto de um produto do berço ao túmulo”, complementa Vanderley John.

Apesar de a norma de desempenho não aprofundar o tema ACV, o professor-doutor da USP cita que um conjunto de normas ISO está chegando ao Brasil, trazendo metodologias para tratar do tema. Desenvolvidas nos Estados Unidos e na Europa, as normas ISO de Avaliação de Ciclo de Vida já foram incorporadas à política de construção nos EUA e em alguns países da União Europeia, obrigando os fabricantes a declarar a ACV de referência dos materiais. “Isso também obriga os projetistas a definir o ciclo de vida da edificação de acordo com os materiais empregados”, cita Vanderley John, lembrando que o CBCS acaba de criar um canal de conhecimento para atender essa demanda. “A indústria está tão assustada com essa história de ACV quanto projetistas e construtores. Então, o CBCS, através de seus grupos de trabalho, quer ajudar o mercado a entender isso”, diz

Selos de qualidade
Os debates sobre ciclo de vida, que tendem a se aprofundar no Brasil de agora em diante, devem também impactar na forma como são emitidos selos de qualidade. No Congresso Brasileiro de Construção Sustentável, que ocorreu dia 17 de setembro, em São Paulo, Vanderley John lembrou que a emissão de selos no país é pouco mensurável. “No mundo, devem ter uns duzentos selos ligados à construção civil e no Brasil são uns dez. O problema é que os critérios públicos são questionáveis. A ONU emitiu recentemente um manual para a publicação de selos, que deve ter umas quatrocentas páginas, mas pouquíssimos seguem. A Avaliação do Ciclo de Vida é fundamental para dar credibilidade a um selo. Nós do CBCS estamos trabalhando na elaboração de uma ferramenta que permita medir blocos de concreto. Não se trata de um selo, mas algo confiável que avalie o ACV do produto”, revela.

A ideia do CBCS é montar um banco de dados sobre Avaliação do Ciclo de Vida dos materiais e dos sistemas usados na construção civil brasileira. Um primeiro instrumento criado pelo conselho é o chamado “Seis Passos da Construção Sustentável”. Nele há indicações sobre como fazer compras legalizadas, como adquirir produtos de empresas legalizadas, como contratar mão de obra especializada e formal, como avaliar a conformidade dos produtos, como adquirir projetos adequados e como não se deixar levar por propagandas enganosas. “Tudo passa pelo combate à informalidade no setor”, finaliza Vanderley John.

Saiba mais sobre a ferramenta dos Seis Passos.

Entrevistados
– Vanderley M. John, engenheiro civil e professor-doutor da Escola Politécnica da USP
– Vera Fernandes Hachich, engenheira civil, ex-pesquisadora do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e atualmente gerente-técnica da Tesis – Tecnologia de Sistemas de Engenharia
Contatos
www.cbcs.org.br
secretaria@cbcs.org.br

Crédito foto: Suelen Magalhães/CBCS

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330


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