Retrofit: um conceito que une engenharia e arquitetura para dar nova vida para edificações antigas
Projetos buscam adaptar construções a novas necessidades, como acessibilidade, eficiência energética e novos usos
Com o aumento da demanda por espaços modernos e sustentáveis, o retrofit surge como uma solução promissora para a construção civil no Brasil. Além de preservar o patrimônio arquitetônico e cultural, essa técnica de revitalização e modernização de construções promove a sustentabilidade ao evitar a demolição de prédios antigos e, consequentemente, a geração de resíduos.
Ricardo Amaral, arquiteto e fundador do escritório Ricardo Amaral Arquitetos Associados, explica que a técnica surgiu na Europa como uma resposta à necessidade de preservar edificações antigas que não atendiam mais às demandas contemporâneas.
Essa prática visa recuperar, requalificar e modernizar construções, preservando seu valor arquitetônico e histórico. “O retrofit apareceu como uma solução para edifícios sem condições de utilização, preservando o patrimônio histórico e cultural, dando uma nova vida às edificações”. Ele destaca o exemplo do bairro Soho, em Nova York, onde antigas fábricas foram transformadas em lofts e espaços para artistas, um marco na história do retrofit.
No Brasil, a prática tem ganhado relevância com projetos que buscam adaptar construções a novas necessidades, como acessibilidade, eficiência energética e novos usos. Rafael Medeiros, engenheiro e diretor da Piemonte Engenharia, reforça o papel do retrofit na sustentabilidade, uma vez que, ao invés de demolir, o processo reaproveita a estrutura existente, gerando menos resíduos e otimizando recursos.
Função do concreto no retrofit
Uma das principais preocupações ao realizar um retrofit é a estrutura da edificação. Medeiros afirma que o concreto é amplamente utilizado nesses projetos, seja para reforçar estruturas já existentes ou como parte de sistemas mistos, que combinam concreto e aço para criar edificações mais leves e eficientes. “O concreto é essencial quando falamos de edificações mais antigas, onde muitas vezes não há projetos ou cálculos estruturais disponíveis. Nesses casos, o concreto é usado para garantir a segurança e viabilidade da ampliação ou substituição de partes da estrutura”, destaca.
O uso do concreto também pode ser observado em casos como o Palácio Avenida, em Curitiba, onde a fachada foi mantida e a estrutura interna passou por um retrofit que utilizou o concreto armado para dar nova funcionalidade ao edifício. “Esse tipo de abordagem permite preservar a estética e a história do prédio, enquanto moderniza suas funções”, observa Amaral.
O engenheiro Carlos Eduardo Maciel, que executou a obra de retrofit em uma casa antiga para servir de sede para a Construtora Paranista, aponta que foram criados quatro pilares de concreto, desde a fundação até a cobertura, para gerar apoios para a nova carga de laje do pavimento superior e cobertura. “A nova estrutura deu espaço à rigidez da edificação, sem alterar as características externas da casa original, permanecendo as esquadrias, portas, escadas que foram restauradas e reinstaladas nas mesmas aberturas”, relata.
Desafios das obras de retrofit
Apesar de ser uma solução viável e sustentável, o retrofit não é isento de desafios. Os especialistas ressaltam a imprevisibilidade desse tipo de obra, já que muitos edifícios antigos não possuem um histórico completo de suas estruturas e instalações. “As surpresas são grandes, mesmo com um bom planejamento”, afirma Medeiros. Ele recomenda uma análise técnica minuciosa das instalações existentes para evitar sobrecustos e retrabalhos.
Amaral também pontua a importância do diagnóstico inicial. “É fundamental entender o que pode e deve ser preservado, e como a nova função do edifício se compatibiliza com suas características originais”, assinala. Ele cita como exemplo o projeto da Fábrica de Ideias, em Curitiba, uma construção industrial de concreto em vários níveis que suportou a antiga cervejaria Atlântica e no final se tornou um complexo cervejeiro da Ambev, no bairro Rebouças, em Curitiba, um antigo distrito industrial da cidade.
A meta era realizar o retrofit dos edifícios para que se tornassem um centro de tecnologia, economia criativa, inovação, cultura e lazer para o Estado do Paraná e para a cidade. O maior desafio foi adequar os prédios às novas normas de segurança e acessibilidade, um processo complexo que exige monitoramento constante.
“Mantivemos metade da estrutura do edifício, que marcou a época fabril do Estado e da cidade de Curitiba e implantamos uma edificação moderna e contemporânea, realizando um contraponto entre as duas épocas”, relata Amaral.
Maciel aponta que, na execução de obras de retrofit, é preciso cuidado com dois aspectos principais. “O primeiro deles é não perder a característica original da edificação, que muitas vezes tem valor arquitetônico da época em que foram concebidas. Outro cuidado é para que os custos da obra não excedam um valor pré-estabelecido, como sendo o limite máximo, sob risco de encarecer a ponto de inviabilizar a operação”, orienta.
Casos de sucesso
Alguns projetos de retrofit têm se destacado por sua relevância arquitetônica e cultural. Um exemplo é o Floripa Shopping, em Florianópolis, onde um edifício garagem de quatro pavimentos foi construído sobre a estrutura de concreto armado já existente. Medeiros conta que a obra, além de ampliar a capacidade do shopping, evitou a geração de cerca de 3.000 m³ de resíduos ao reutilizar parte da estrutura original.
Outro projeto é o retrofit da Casa Solar da Glória, conhecida antigamente como Casa Veiga, em Curitiba. A construção havia sido uma residência térrea com um porão do ervateiro Bernardo Augusto da Veiga, situada ao lado da Capela da Glória, construída em 1896 em estilo eclético.
Sua nova função seria a de ser um centro cultural e ao mesmo tempo um apoio para a capela da Glória. Nesse retrofit, toda a fachada original foi preservada e restaurada, enquanto a parte interna foi reformulada para abrigar um centro cultural. “Criamos uma nova estrutura para dar suporte ao grande vão interno, sem comprometer as características históricas do prédio e instalamos um novo piso de madeira para suportar estas novas funções sem perder as características e sua essência”, explica Amaral.
Colaboração entre arquitetos e engenheiros
O sucesso de um projeto de retrofit depende da colaboração entre diversas áreas. Amaral explica que, em projetos complexos como o da Fábrica de Ideias, mais de 20 especialistas trabalharam juntos para garantir a viabilidade técnica e a preservação dos elementos históricos da edificação. “O retrofit é um processo colaborativo, no qual engenheiros e arquitetos precisam trabalhar lado a lado para compatibilizar as novas funções e tecnologias às características originais dos edifícios”, afirma Amaral.
Medeiros reforça essa ideia, destacando a importância de uma equipe técnica qualificada. “O retrofit exige um profundo conhecimento das estruturas existentes e uma boa dose de criatividade para transformar o antigo em um projeto moderno e funcional, sem perder sua essência”, assinala.
Entrevistados
Ricardo Amaral é arquiteto graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e é arquiteto sênior e fundador do Ricardo Amaral Arquitetos Associados.
Rafael Luiz de Medeiros é engenheiro civil graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pós-graduado em Gerenciamento de Obras pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV-RJ. Diretor de Engenharia da Piemonte Engenharia.
Carlos Eduardo Maciel é engenheiro civil graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e diretor da Construtora Paranista.
Contatos:
lilian@maverick360.com.br
rafael.medeiros@piemonte.com.br
maciel@construtoraparanista.com.br
Jornalista responsável
Ana Carvalho
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