Retrabalho é patologia do processo de construção
Negligência ao planejamento e mão de obra não treinada alimentam um dos maiores vilões para o orçamento de uma obra.
Negligência ao planejamento e mão de obra não treinada alimentam um dos maiores vilões para o orçamento de uma obra
Por: Altair Santos
O retrabalho dentro de um processo construtivo, na maioria das vezes, é gerado pela falta de planejamento das operações ou pelo não alinhamento das várias etapas do projeto. Isso, invariavelmente, gera repetição de procedimentos, e o que é pior: em algumas fases que já eram consideradas concluídas. Para a construção civil, a ausência de planejamento nos processos, e a consequente geração de retrabalho, não deixa de ser um tipo de patologia dentro da obra. É o que explica o engenheiro civil Ricardo André Fiorotti Peixoto, que tem uma série de estudos sobre o assunto, e também é professor da Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. Confira a entrevista:
O retrabalho dentro de uma obra pode ser considerado um tipo de patologia?
Se pudermos classificar o retrabalho como uma patologia, ele pode ser considerado uma patologia do processo de construção e não da edificação em si.
Quais os principais motivos que acarretam o retrabalho?
O grande problema do retrabalho na construção civil relaciona-se diretamente com a negligência – e aí, nós engenheiros, também temos culpa – em relação ao planejamento do processo operacional, do processo de construção. Nos preocupamos com memoriais descritivos, orçamento, planejamento físico-financeiro e esquecemos de planejar as operações de construção. Essa negligência impacta na turma que está tocando a obra e, por vezes, gera retrabalho.
Em termos de custo e perda de tempo, o que o retrabalho significa para uma obra?
Se fazer bem, e bem feito, custa dez unidades de moeda, executar um retrabalho custa 100 unidades da mesma moeda. Executar um retrabalho não significa simplesmente refazer o trabalho. Isso implica em paralisar várias frentes de serviço que estão em andamento, a partir daquela etapa. Por exemplo, se surge um problema de piso, eu tenho que parar a turma da pintura, da eletricidade e do revestimento. Na construção civil, diferentemente da indústria em série, é necessário que tenhamos uma tarefa pronta para que a próxima possa acontecer. Por isso que o custo do retrabalho é tão alto.
Onde existem as maiores ocorrências de retrabalho e onde o efeito de uma obra mal executada é mais severo?
Em fundações, é uma etapa crítica. Durante a execução da cravação de estacas, caso uma destas estacas se rompa ou entre num processo de ruptura, isso vai exigir modificar a geometria de um bloco de fundação. É sério, pois vai impactar em todo o cronograma da obra. Principalmente, por que as superestruturas hoje são dimensionadas para funcionar de forma aporticada. Todos os elementos respondem em conjunto por todos os esforços.
Já nas construções de baixo custo, as etapas de retrabalho afetam diretamente o lucro das construtoras e os prazos de entrega, mas pulverizadamente. Então representam um impacto grande, mas de forma sequencial. Quando a construção é de alto luxo, algumas vezes ocorrem problemas com assoalhos de madeira importada ou com pisos de revestimento de pedras importadas. Isso também é um problema grave, pois vai gerar grande perda de tempo, grande quantidade de dinheiro alocada e a paralisação de outras etapas da obra.
Gestão de projetos e gestão de obras que não têm sintonia fina normalmente levam ao retrabalho no canteiro de obras?
Com certeza. Com a globalização dos processos, as empresas ficaram muito mais próximas. Eu posso construir uma edificação em Belo Horizonte e contratar um serviço do Rio Grande do Norte, por exemplo. A gestão deste tipo de operação é extremamente complexa e por mais que tenhamos muitos softwares de controle de operação, ainda assim é muito difícil produzir projetos em unidades tão distantes. O grande problema da gestão hoje reside nisso. Há casos em que a obra está aqui no Brasil e os projetos foram comprados da China. Isso obriga a uma grande estrutura de vídeo-conferências para discutir as etapas da obra. Trata-se de gestão de projetos, que se não for bem executada é uma pontecializadora de riscos relacionados ao retrabalho.
Quando ocorre o retrabalho, a quem se atribui mais culpa: ao projeto ou à execução da obra?
Esta é uma pergunta muito difícil de responder, porque na maioria das vezes quem está na frente de obra segue as informações que estão no projeto. Por outro lado, os projetos podem ser insuficientes. Acho que a responsabilidade pode ser dividida entre as duas etapas.
O turn over em grau elevado num canteiro de obras propicia o retrabalho?
Evidentemente que sim.
Hoje ainda há um elevado grau de retrabalho nas obras ou o avanço das técnicas de engenharia já minimizou bastante esse risco?
Se fizermos um comparativo dos últimos dez anos, mas com a ressalva de conservar as escalas tecnológicas, hoje nossas construções têm um índice de retrabalho menor. Os processos evoluíram, como o de qualificação de mão de obra, dos sistemas construtivos e do próprio Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H). Além disso, tem as exigências relacionadas aos organismos financiadores. Tudo isso, trouxe melhoria para os processos. Mas o retrabalho continua sendo um grande problema na construção civil.
Recursos tecnológicos, como o BIM, ajudam a combater o retrabalho?
Claro que sim. Inclusive estamos orientando uma dissertação de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) onde a aluna buscou casos de projetos que foram executados em diversos escritórios de construção e aplicou o BIM nestes projetos. Os resultados preliminares da pesquisa são bastante animadores. Eles mostram que o BIM é uma ferramenta importante para corrigir rumos e reduzir o retrabalho.
Quando percebe-se que o retrabalho é inevitável, quais procedimentos devem ser tomados?
Infelizmente, dificilmente se percebe isso. O retrabalho surge de uma operação mal conduzida e que só depois dela iniciada é que se percebem os equívocos.
Entrevistado
Ricardo André Fiorotti Peixoto, professor-adjunto do curso de graduação e pós-graduação em engenharia civil da Universidade Federal de Ouro Preto
Currículo
– Ricardo André Fiorotti Peixoto é graduado em engenharia civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1996)
– Mestre em engenharia civil pela Universidade Federal de Viçosa (1999)
– Doutor em engenharia agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (2004)
– Atualmente, é professor-adjunto do curso de graduação e pós-graduação em engenharia civil do departamento de engenharia civil da Universidade Federal de Ouro Preto
– Tem experiência na área de engenharia civil, com ênfase em materiais e componentes de construção, processos construtivos e construção civil
– Lidera o grupo de pesquisa em resíduos sólidos – RECICLOS -, atuando nos seguintes temas: tecnologia de materiais, processos construtivos, construção civil, materiais de construção, manejo, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos industriais
Contato: ricardofiorotti@yahoo.com.br
Créditos fotos: Divulgação autorizada
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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