Quais os impactos do conflito entre Israel e Hammas para o cimento?
Para Paulo Camillo Penna, diante das instabilidades, é preciso reduzir o uso de coque na produção
A disputa territorial entre palestinos e judeus se arrasta por décadas. Em outubro de 2023, o grupo Hamas realizou um ataque surpresa a Israel, deixando centenas de mortos. O governo israelense, por sua vez, declarou guerra e prometeu retaliações. Como este conflito deve afetar o setor de cimento e construção civil no Brasil?
Para Paulo Camillo Penna, presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), no conflito entre Rússia e Ucrânia, houve um desarranjo generalizado que impactou no preço do petróleo. “Houve uma escalada da guerra, até porque envolve a OTAN e outros países como Estados Unidos e Europa, fornecimento de gás (a Rússia tem um gasoduto importante em termos de fornecimento) e um desarranjo em termos de transporte marítimo. O coque já era objeto de reajuste já há algum tempo, desde 2020 ele subia com outros insumos da cadeia do cimento, mas ele foi impactado porque ele guarda uma correlação com o petróleo e com o carvão. O preço do carvão se descolou do preço do petróleo e houve um reajuste significativo do preço do coque, mas apenas durante o início da guerra, quando ele chegou a subir 40%. Isso fez com que houvesse uma mudança na operação da energia na composição do preço. A energia é o maior custo da indústria do cimento – seja ela elétrica ou térmica. A composição anterior já era alta: cerca de 50% do custo do cimento era energia (no ápice do crescimento coque chegou a 70%). A composição era 35% coque e 15% da energia elétrica. Houve um aumento significativo tanto no custo da energia elétrica quanto do coque antes da guerra. E, durante o período do conflito, também houve um reajuste importante (40%). Entre janeiro de 2020 e março de 2022, houve uma alta de 740%, influenciado pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Houve também um desarranjo no frete marítimo, devido a dificuldades logísticas e aumento do gasóleo (combustível marítimo). Posteriormente, houve uma redução importante no preço, mas ainda com valores acima do início dos reajustes, que foi em janeiro de 2020”, explica.
No entanto, o cenário neste conflito entre Israel e o Hammas é um pouco diferente. “No dia 07 de outubro, houve um aumento no preço do petróleo que chegou a US$ 90 o barril. Depois houve um recuo para US$ 85 e hoje estamos em US$ 87. Em termos de preço do coque, ainda não fomos afetados – e espero que isso não aconteça. 90% do coque utilizado no Brasil é importado do Golfo do México, então a preocupação reside na escalada desta guerra. Isto é, o agravamento dela pode afetar o mercado internacional de petróleo de forma significativa. Se isto ocorrer, poderia haver um reflexo para o coque. No entanto, hoje ainda não houve impacto, já que barril do petróleo está variando entre US$ 85 e US$ 87, valores menores, inclusive, do que antes do conflito”, afirma Penna.
Como diminuir a dependência do coque
Diante destes momentos instáveis que o mundo tem passado, como os conflitos e a pandemia, uma das saídas é buscar alternativas ao uso do coque. “Essa instabilidade fez com que acelerássemos de uma forma significativa os esforços da redução do uso do coque”, pontua Penna.
A indústria brasileira tem seguido um grande programa de redução de emissões de CO2, que foi lançado em 2019. “Um dos pilares para a diminuição dessas emissões é o uso de combustíveis alternativos. Esta diversificação também traz uma proteção para a indústria. Dentre as opções estão os pneus e biomassas feitas a partir de casca de babaçu (Norte e Nordeste), caroço de açaí, licuri, casca de arroz provenientes das plantações (Sul) e cavacos de madeira de reflorestamento (Centro Oeste e Sudeste). Além de substituírem o coque como uma fonte de energia alternativa, estas opções também livram o ambiente de passivos e até mesmo de ameaças sanitárias. Também tem o CDR (combustível derivado de resíduos) e CDRU (combustível derivado de resíduos urbanos). Com o uso dessas opções, também se reduz a necessidade dos aterros sanitários, que produzem o gás metano, que é mais poluente que o CO2. Tudo isso também gera riquezas em linha com a economia circular a partir de resíduos. Este processo traz riquezas para as populações, bem-estar ao reduzir o risco de doenças e aumento de renda. Com esta estratégia, os aspectos sociais, ambientais e econômicos se reúnem, o que gera vários benefícios”, pondera Penna.
Impactos no crescimento do setor
Apesar do cenário de incertezas, Penna acredita que hoje este conflito não deve impactar em novas construções. “A desaceleração dos últimos anos não foi motivada por nenhum desses conflitos. O que tivemos foi uma desaceleração econômica gerada pela pandemia, desajustes de natureza política, a economia que não cresceu e um alto nível de endividamento da população brasileira. A demanda por cimento está intimamente ligada à massa salarial e renda. Estes aspectos, por sua vez, estão conectados a empregos e indicadores macroeconômicos. A taxa de juros, que chegou a um nível alto, desestimulou e estabeleceu uma competição grande entre os ativos imobiliários e os ativos financeiros. Ou seja, aqueles que estão investindo em ativos financeiros estão despidos de preocupação com relação aos resultados. Isto é, o nível de risco que se apresentou fez com que boa parte dos investimentos que poderiam ser feitos na construção civil fossem canalizados para investimentos financeiros. Além disso, houve a redução da renda das famílias. Nós já estamos praticamente com o mesmo número de empregos existentes de antes da pandemia, mas a massa salarial, o volume de renda, ainda é inferior. Nós tivemos um aumento dos postos de trabalho, mas não tivemos o aumento da renda. E isso afeta diretamente o setor de construção. Depois disso, em 2022 e 2023, estamos em queda. Nossa expectativa é que tenhamos uma melhora, mas ainda assim o ano fechará negativo, em -1% em relação a 2022. Nós vamos acumular uma queda de vendas importante”, conclui Penna.
Entrevistado
Paulo Camillo Penna é presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC).
Contato
Assessoria de imprensa – daniela.nogueira@fsb.com.br
Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP
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