Pesquisa global busca cimento de baixo carbono
Poli-USP faz parte de estudo que tenta reduzir emissão de CO₂, mas normalização no Brasil precisa permitir adição em teores mais elevados
Poli-USP faz parte de estudo que tenta reduzir emissão de CO₂, mas normalização no Brasil precisa permitir adição em teores mais elevados
Por: Altair Santos
Em abril de 2013, os professores da Poli-USP, Vanderley John e Rafael Pileggi, apresentaram os resultados de uma pesquisa que resultou em produção de cimento com menor emissão de CO₂. Os estudos também mostraram que é possível, através do controle, da seleção e da combinação das matérias-primas usadas para produzir o cimento, aumentar a produtividade sem precisar consumir mais energia, equipamentos e mão de obra.
Atualmente a norma para a fabricação do cimento tipo CP III – Cimento Portland de alto-forno permite a adição de até 70% de escória granulada de alto-forno mais 5% de fíler calcário ou outro material carbonático, com 25% de clínquer mais gesso. Já no cimento tipo CP IV – Cimento Portland pozolânico a adição permitida é de até 50% de material pozolânico mais 5% de fíler calcário, com 45% de clínquer mais gesso. Para os cimentos tipo CP II – Cimento Portland composto, a adição de fíler permitida é de até 10%.
Os testes hoje integram uma cadeia global de pesquisadores, que persegue a produção em escala industrial do Low Carbon Cement (LCC) ou cimento de baixo carbono. O Brasil, que tem a indústria cimenteira mais ecoeficiente do mundo, está entre os líderes da pesquisa. É o que explica o professor doutor Rafael Pileggi, do departamento de engenharia de construção civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Confira a entrevista:
Em 2013, o departamento em que o senhor atua na Escola Politécnica (Poli) da USP (Universidade de São Paulo) apresentou o resultado de uma pesquisa que reduz a emissão de CO₂ na fabricação de cimento. Os estudos tiveram mais avanços de lá para cá?
A linha de nossa pesquisa é produzir cimento Portland com menor teor de clinquer, substituindo parte deste material, que é o que mais emite CO₂ na fabricação de cimento, por materiais cimentícios suplementares – também conhecidos como fillers. Temos utilizado fillers calcários e outros fillers que não passam por processamento industrial. Seguimos trabalhando nesta pesquisa, só que ela ainda está restrita ao campo universitário, pois o cimento, para ir ao mercado, depende de normalização e as normas brasileiras de cimento definem teores bastante baixos de fillers. Do ponto de vista da pesquisa, obtivemos mais avanços. Mas do ponto de vista de normalização, o resultado da pesquisa ainda não pode ser colocado no mercado.
Aumentar o volume de fillers na fórmula do cimento Portland não afeta a qualidade do material?
Não, porque não é qualquer filler. Tem que ser um filler com características e partículas de tamanhos adequados. Quando o filler – nome de fantasia para o pó fino que é colocado junto ao cimento -, não é controlado o tamanho destas partículas podem prejudicar a propriedade. Mas colocadas em quantidades e tamanhos certos, eles melhoram muito a propriedade e melhoram o efeito de empacotamento de partículas. O sistema fica melhor empacotado. Então, é possível fazer cimento muito mais forte se ele tiver menos do cimento reativo e uma fração de granometria bem adequada para o produto final. Para se ter uma ideia, conseguimos fazer concreto com 1/4 do teor de cimento e com a mesma resistência. Ganhamos um concurso na Suécia, há dois anos, por produzir concreto ecoeficiente com 190 quilos de cimento e que atingiu quase 90 megapascal de resistência. Um concreto deste, para atingir esta resistência, normalmente é feito com 800 quilos de cimento. Em outro ensaio, fizemos concreto com 120 quilos de cimento e obtivemos 50 megapascal, que no mercado brasileiro é conseguido com 400 quilos. Concreto de 40 megapascal, fizemos com 80 quilos de cimento. Então, do ponto de vista da resistência mecânica, se for usado o filler certo, na quantidade certa, junto com aditivos superfortificantes adequados, é possível ganhar em propriedades. Esta é a essência da pesquisa, que está evoluindo. Em contrapartida, tem uma questão de normalização que define o teor máximo de filler. No Brasil, não pode passar de 10% (Cimento Portland composto) e estamos falando, no futuro, de cimentos que tenham 30% de clinquer e 70% de filler. A curto prazo não existe legislação que permita isso, por que ainda é preciso que se estude bastante os aspectos ligados a durabilidade. Como esta é uma pesquisa crescente no mundo inteiro, e no Brasil lideramos com o filler calcário, fazemos parte de uma rede internacional europeia que trabalha com filler e outros tipos de adições. Este grupo internacional estuda os aspectos ligados à durabilidade e com certeza ninguém vai mudar do dia para a noite. Mas o objetivo é fazer cair relativamente o teor de clinquer. Com isso, se consegue aumentar a produção total de cimento sem aumentar o número de fornos. O ideal é que a indústria cimenteira dobre a produção com os fornos que têm hoje. É nesta estratégia que nós estamos trabalhando.
A pesquisa também mostrou que é possível reduzir a emissão e aumentar a produtividade, melhorando o controle, a seleção e a combinação das matérias-primas. De que forma?
Existe um conceito neste tipo de material que é o conceito de empacotamento de partículas. A partícula do cimento, hoje, tem duas funções quando reage com a água e endurece. Uma é ocupar espaço e a outra é colar na partícula vizinha. Na pesquisa, para esta função de ocupar o espaço usamos outras partículas. O cimento passou a ter somente a função de colar as partículas. Quando se faz isso, obtém-se a mesma performance com um teor de cimento menor e o cimento passa ser usado naquilo em que ele é nobre: ser reativo e aderir na partícula vizinha. Ocupar espaço, esta função de enchimento, quem passa a fazer são estas outras partículas de matérias-primas como calcário, sílica e argilas. Estamos trabalhando fortemente com calcário, que é a matéria-prima mais abundante. Então, no mundo do futuro, como vai ser a fábrica de cimento? Haverá os mesmos formos, mas diferentes moinhos. Um moinho moendo clinquer, um moinho moendo um filler A e outro moinho moendo um filler B. Lá na frente haverá a combinação nas proporções adequadas para fabricar cimento com determinada tipologia. Esta não é uma estratégia não testada. A indústria de concreto refratário já passou por isso. Tanto que existem materiais de concreto refratário feitos com menos de 2% de cimento e eles são muito resistentes. O que eles têm de diferente é a questão de durabilidade. Como eles vão para um forno, ela reage pelo forno, nós não temos o forno aqui, mas o início é igual para os dois. Então realmente o que se discute hoje é durabilidade.
Mas já não existem outras estratégias para se reduzir o impacto ambiental da produção de cimento e da emissão de CO₂?
Sim, mas o problema é que são extremamente caras. Uma delas seria pegar o CO₂ que sai da chaminé de cimento e enterrar. Se for feito isso em escala global isso dobraria o custo do cimento. Outra é aproveitar escórias de alto forno. O problema é que esses materiais não existem em quantidade suficiente. Enquanto o Brasil produz 70 milhões de toneladas de cimento por ano, a escória não passa de 10 milhões de toneladas. Isso obriga que se desenvolva uma tecnologia que permita diluir o clinquer, que possibilite substituí-lo por outro material na granometria adequada. Nós conseguimos produzir um cimento com características parecidas, sem mexer no parque industrial estabelecido, sobretudo nos fornos. A fábrica vai poder fazer cimento com menor produção de clinquer por quilo de cimento, resultando em um impacto ambiental menor e em um custo final compatível aos custos de hoje.
O cimento produzido na pesquisa foi testado apenas na produção de concreto?
No concreto, na argamassa e no fibrocimento. Em todos os casos obtivemos a mesma propriedade de um produto convencional, mas com a metade do teor de clinquer.
Como a indústria cimenteira recebe a pesquisa?
Recebeu muito positivamente porque a indústria tem uma necessidade urgente em dar uma resposta à sociedade na questão da emissão de CO₂. A indústria cimenteira responde hoje por 6% da emissão de CO₂. Em qualquer cenário de crescimento, ela pode evoluir em 15 anos para 20% de CO₂, ou seja, a indústria cimenteira sabe que precisa reduzir o impacto da emissão de CO₂. Todas as indústrias estão fazendo isso. É uma tendência.
A pesquisa realizada na Poli chegou a ser levada para fora do país?
Existem grupos lá fora que trabalham de maneira equivalente no assunto e participamos agora de uma rede de pesquisa junto com a comunidade europeia. Este cimento com menor teor de clinquer já recebeu a denominação de cimento de baixo carbono, em inglês LCC (Low Carbon Cement). As pesquisas em Low Carbon Cement são pesquisas mundiais, com grupos internacionais, juntados em uma rede para troca de experiências. Nós fazemos parte desta rede.
Como o senhor vê a ecoeficiência da indústria cimenteira no Brasil, comparada com outros países?
O Brasil produz o cimento mais ecoeficiente do mundo. O conceito da norma do cimento CP III brasileiro é um cimento de baixo impacto ambiental, por que é 25% clinquer, 5% de gesso e 70% de escória. Esta ideia é que está ganhando derivações: fazer um produto com matéria-prima que tenha em abundância no mundo inteiro. Essa matéria-prima são os fillers calcários ou argilas calcinadas. Com eles, poderíamos ter todo o cimento do mundo com 30% de clinquer. Mas sobre este aspecto, o Brasil é pioneiro e é reconhecido no mundo como um cimento de baixo impacto.
Entrevistado
Engenheiro civil e professor doutor do departamento de engenharia de construção civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Rafael Giuliano Pileggi.
Contato: rafael.pileggi@poli.usp.br
Crédito Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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