Para cada tipo de solo, um tipo de radier
Para projetar e dimensionar esse tipo de laje, é preciso fazer o equilíbrio entre cálculo estrutural e análise do terreno onde ele será construído
Para projetar e dimensionar esse tipo de laje, é preciso fazer o equilíbrio entre cálculo estrutural e análise do terreno onde ele será construído
Por: Altair Santos
O engenheiro civil Fábio Albino de Souza é um dos principais estudiosos de radier no Brasil. Recentemente, no 55º Congresso Brasileiro do Concreto, promovido pelo Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto) ele promoveu curso sobre essa tecnologia que, no país, ainda é pouco explorada. Sua preocupação é mostrar que um radier resistente depende de que o projeto saiba fazer o equilíbrio certo entre cálculo estrutural e estudo do solo. O terreno é que irá definir se o radier será estaqueado ou não, que tipo de concreto será usado para fabricar a laje e até se ele poderá ter armação ou não. É sobre esses critérios técnicos que Fábio Albino de Souza concedeu a entrevista a seguir:
Qual seria a melhor definição para radier?
Durante anos pesquisei a origem do termo radier e tenho fundamentado que a origem é romena, onde no passado foi muito utilizada nas fundações dos aquedutos. Uma definição mais atual, própria para nossos dias, é a fornecida pela ACI 360R-10 (2010) que define radier como uma laje sobre solo cuja principal finalidade é suportar as cargas aplicadas através da tensão admissível de suporte do solo (capacidade do solo).
No Brasil, o radier ainda é usado, em sua maioria, para a construção de casas e sobrados ou ele já é aplicado em obras de maior porte?
É muito importante comentar que até o momento o Brasil não possui uma normativa específica para radier. Essa restrição dificulta muito a utilização desse sistema de fundação. De uma maneira geral, no nosso país a maioria dos radiers são para casas de baixo custo, seja térrea ou sobrado, o que no meu ponto de vista é um preconceito com o sistema. Em outros países, a primeira opção a se avaliar é o radier; no Brasil, é a última opção. Isso, independentemente do porte da construção. Felizmente hoje já temos edifícios com 12 andares feitos no Brasil com radier, mas necessitamos divulgar mais essas realizações.
Até que ponto o tipo de solo influencia no tipo de radier que se deve usar?
Gosto de dizer que o projeto e o dimensionamento de um radier é metade cálculo estrutural e metade uma análise de solo. Não adianta conhecer 100% de análise estrutural e 0% de solo e também não adianta conhecer 100% de análise de solo e 0% de análise estrutural. Deve-se ter as duas coisas em 100%, ou seja, você tem que saber muito bem de análise estrutural e muito bem de solos. O tipo de solo influência diretamente na escolha do tipo de radier. Por exemplo: vamos imaginar que tenho solo expansivo e necessito construir uma residência comportada com essas características. Provavelmente o tipo de radier mais adequado vai ser um radier nervurado, com mais rigidez, pois posteriormente, nas verificações de levantamentos devido ao comportamento do solo, se for utilizado um radier de espessura uniforme, estaríamos contra a segurança ou gastando mais que o necessário. Somente a fim de complemento desse tema, muitos casos de insucessos no Brasil com relação a radier foram cometidos por ignorar os tipos de solo e tentar implantar um método de outro país nas condições brasileiras. Um dos meus grandes objetivos é adaptar essa transferência de tecnologia que outros países oferecem para as nossas condições, no intuito de reescrever um novo capítulo de radier no nosso país.
Um radier pode ser estaqueado? Caso sim, em que tipos de construção ele é usado?
Temos muitas situações onde a opção do radier estaqueado é adequada. Vou citar duas: 1) Estive recentemente na Cidade do México, e somente para referendar é um dos piores solos do mundo, se não for o pior. Lá vi muitas construções com radier estaqueado, inclusive com estacas de pedra nas construções mais antigas. Como o solo é muito ruim, e tem baixíssima capacidade de suporte, faz-se uma laje de transferência com estacas. Como o próprio nome diz, a laje transfere a carga para as estacas. Dá para levar em consideração essa capacidade de suporte da laje no solo ou não. Inclusive pode ser considerado isso ao longo da vida útil da estrutura, uma vez que na Cidade do México inicialmente o solo estaria contribuindo muito pouco. Porém, depois de um tempo, o solo descolaria do radier e não estaria contribuindo, fazendo só funcionar as estacas. Mas tudo isso deve ser tratado com muito cuidado e muito critério, pois o comportamento estrutural do radier vai mudar.
2) Existem casos de edifícios altos onde as cargas nas fundações são elevadas, e com isso o diâmetro das estacas é grande. Consequentemente, o tamanho dos blocos também. Assim avalia-se a área total dos blocos pela área de projeção do edifício. Se esse valor for maior que 50%, não é recomendado fazer blocos isolados e sim um radier estaqueado. Esse é o caso do edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa.
Existe radier com armação e sem armação? Qual a diferença e para quais obras é possível usar o sem armação?
Primeiramente, é plausível explicar que muitas normativas no mundo proíbem o uso de radier sem armadura, embora seja possível fazer. Basicamente, o cálculo de um radier não armado é limitado ao módulo de ruptura do concreto, que é o quanto o concreto resiste de tração na flexão. De uma maneira grosseira, podemos dizer que essa parcela é 10% da resistência à compressão, ou seja, o concreto não é um material que resiste bem à tração. Como mencionado, é possível fazer um radier não armado com essa técnica, mas digo sempre: será que as condições de projeto são as condições reais no campo? Esse é o grande xis da questão e posso afirmar categoricamente que esse tipo de radier não aceita um mínimo recalque. Qualquer mínimo recalque, todo aquele cálculo vai por água abaixo e o radier vai fissurar. Outro ponto importante para radier sem armadura é que você deve ter uma excelente equipe de execução, bem como um engenheiro tecnologista do concreto pronto para combater as fissuras de retração plástica e não deixar esse radier fissurar após a concretagem. Sobre o radier armado com aço CA 50 ou CA 60, é uma laje sobre base elástica comum, sem muitos segredos. É o nosso concreto armado de cada dia. Hoje não recomendo o uso de radier sem armadura nenhuma. Talvez o uso de fibras possa ajudar, mas vale lembrar que as fibras não são armaduras. É uma outra técnica com conceitos e critérios diferentes onde o tipo de fibra, tamanho da fibra, relação de aspecto da fibra, entre outros fatores, podem influenciar.
Com relação ao concreto, quais os mais usados para se fabricar radier?
Com relação aos concretos, além das propriedades básicas, como resistência à compressão e módulo de elasticidade, acho muito importante estudar a retração plástica. O problema é que temos um abacaxi para descascar, que é a correlação de tudo isso. Corriqueiramente, se aumento a resistência do concreto consequentemente estarei aumentando a retração plástica por utilizar mais cimento. Embora haja pesquisas avançadas que conseguem aperfeiçoar isso, o processo torna-se mais oneroso. Portanto, aumentar indiscriminadamente a resistência à compressão do concreto não é uma boa alternativa, mesmo porque algumas pesquisas mencionam que se dobrar a resistência à compressão vai-se diminuir a espessura do radier em 15% em determinados casos. Outro ponto que temos que garantir é o módulo de elasticidade do concreto, aspecto que causa muitas discussões e que depende de inúmeros fatores assim como a retração plástica. Já fiz o dimensionamento de alguns radiers utilizando concreto leve estrutural e tive bons resultados. No entanto, o controle para sua fabricação também é rígido. Um outro tipo de concreto que talvez possa contribuir sobremaneira é o concreto de retração compensada. Nos Estados Unidos é largamente utilizado, inclusive com revisão de norma recente. Só para nossos leitores não ficarem sem parâmetros, comecem o dimensionamento dos radiers armados com resistência à compressão do concreto de 25 MPa e radiers de concreto protendido com 30 MPa.
O concreto protendido é o mais recomendado?
Sou suspeito para falar sobre o radier protendido, pois é a técnica que mais gosto de dimensionar. Não seria questão de recomendação, e sim de economia, que está em torno de 30%. Isso depende de alguns fatores que fazem até algumas construtoras optarem pelo radier armado, mesmo sabendo que estão gastando mais. Acontece, em muitos casos, da construtora não se adaptar com o radier protendido e isso acabar refletindo até no organograma da obra. Então, nesses casos, o protendido não é utilizado. Mas que é econômico e seguro não tenho dúvidas.
Para se construir um radier exige-se mão de obra qualificada?
Depende. Se for um radier armado, acho que é muito trivial e as construtoras estão preparadas para fazer. Se for um radier com fibras, depende. O tipo de fibra muda a logística do concreto, pois o controle tecnológico no momento do lançamento é diferente. No caso do radier protendido também, mas neste caso, normalmente, é uma empresa terceirizada que faz a protensão ou a construtora recebe um treinamento para fazer a protensão e tem todos os equipamentos.
Quais são as principais inovações usadas na construção de radier?
O uso de radier já é uma inovação no Brasil, por substituir fundações mais tradicionais. Falando de uma maneira global, digamos radier x radier, acho que o uso da protensão no radier está possibilitando cada vez mais a utilização racional do sistema, bem como a possibilidade de termos placas cada vez maiores sem juntas. Isso também vale para as técnicas de concreto de retração compensada, e em certos casos de radier pré-moldado.
Entrevistado
Engenheiro civil Fábio Albino de Souza, mestre em engenharia de estruturas, professor em uma série de instituições de ensino em São Paulo e com experiência no cálculo de radiers em solos expansivos e solos compressíveis. Atualmente, é Specialist SOG (Slab-on-Ground) da ADAPT Corp. No Brasil e dedica-se à conclusão do livro Radier: Simples, armado e protendido.
Contato: fabio@ebpx.com.br
Créditos Fotos: Divulgação/ Fábio Albino de Souza
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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