Os desafios da ocupação urbana
Sociólogo analisa o movimento da população e cria indicador para avaliar as novas formas de ocupação das cidades
Sociólogo analisa o movimento da população e cria indicador para avaliar as novas formas de ocupação das cidades
Um dos maiores desafios da gestão pública é resolver problemas relacionados ao desenvolvimento urbano, sobretudo das grandes cidades e suas regiões metropolitanas. A constatação é de que a falta de planejamento tem tornado o crescimento de muitas cidades insustentável.
Pensando nisso, o sociólogo Ricardo Ojima, através de sua tese de doutoramento em demografia, apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, desenvolveu um indicador de dispersão urbana. A ferramenta pode ser utilizada, inclusive, para orientar os gestores públicos a organizar o desenvolvimento de seus municípios ou regiões metropolitanas.
Existem inúmeros desafios que são resquícios dos processos anteriores e que podem ser agravados caso não haja um planejamento do que se espera para a ocupação urbana no futuro ressalta o sociólogo. Apesar de não acreditar em soluções em curto prazo, Ricardo Ojima defende a necessidade de ações imediatas como uma fiscalização mais efetiva e a mudança de uma gestão municipal para uma gestão metropolitana mais abrangente. Saiba mais sobre os desafios da ocupação urbana na entrevista abaixo.
Quais as características da ocupação urbana no Brasil?
A ocupação urbana brasileira foi marcada por um processo acelerado de transformações. A transição urbana, ou seja, a passagem de uma população predominantemente rural para uma urbana, não só no Brasil como nos demais países latino-americanos ocorreu em um ritmo muito rápido. A partir de 1960 a população rural brasileira se manteve estável (na casa dos 38 milhões). Enquanto isso, a população urbana que era de 31 milhões em 1960, passou a ser de 80 milhões em 1980, momento em que a população passa a decrescer. Neste ritmo acelerado, planejar o crescimento da cidade apresentava desafios de ordem mais imediata, considerando a demanda por moradia e espaço urbano. Neste momento, um processo de verticalização iniciou-se, principalmente nos centros urbanos, elevando o custo da terra e, de certa forma, levando a população mais carente a se alocar nas periferias urbanas destes centros.
Atualmente, o ritmo de crescimento das cidades está estabilizado. Alguns centros urbanos que tradicionalmente cresciam a elevadas taxas, hoje apresentam crescimento próximo a zero ou até negativos em alguns casos (como é o caso do centro de São Paulo). Com isso, surge uma oportunidade de que as formas de planejar a cidade sejam mais viáveis e eficazes. Ainda não poderia considerar que seja uma ocupação planejada, mas medidas de controle podem ser mais facilmente aplicadas. Com isso, poderíamos dimensionar adequadamente a localização de serviços públicos (educação, saúde, etc), planejar melhor o sistema viário e de transporte, entre outros.
Quais os problemas mais graves acarretados por uma ocupação urbana desordenada?
Quando a ocupação urbana se torna desordenada, problemas viários, sanitários, ambientais, de segurança, de acesso a serviços se tornam mais complexos de serem resolvidos. Tanto para atender a população mais carente, como também apresentam impactos negativos para toda a sociedade já que esses problemas repercutem.
Tem-se verificado um movimento de dispersão urbana? O que isso significa?
Considera-se como dispersão urbana o processo de desconcentração da população dentro do espaço urbano. Ou seja, se em um momento da urbanização brasileira a verticalização das áreas centrais favorecia a concentração da população nos centros urbanos, hoje, uma parcela importante da população tem se dirigido para regiões mais distantes dos centros em busca de fatores como qualidade de vida, menores custos da terra, melhor acesso viário, entre outros. Além disso, a especificidade do processo de dispersão recente é a movimentação da população de média e alta renda em um padrão de habitação mais disperso, ou seja, em lotes individuais com áreas maiores.
Um exemplo de dispersão urbana são os condomínios fechados localizados em áreas mais distantes dos centros urbanos, correto? O que esses condomínios representam em sua opinião?
Os condomínios e loteamentos fechados poderiam ser considerados como um dos ícones desse processo de expansão urbana contemporâneo no Brasil. Embora seja especialmente direcionado para um público de média e alta renda, hoje já existe possibilidade de acesso por uma parte mais ampla da população. Trata-se de um novo padrão de consumo do espaço urbano, que se opõe ao período de verticalização da década de 70, onde residir em um prédio no centro da cidade representava status social. Hoje, residir em um loteamento fechado é mais valorizado. Eles representam, portanto, uma mudança importante no padrão de ocupação presente e futuro. Com ele, os custos sociais de implantação de serviços públicos tende a ser mais elevado, já que o atendimento destes serviços está mais disperso no espaço. Além disso, incentiva o uso de automóveis particulares, já que é pouco atrativo economicamente para empresas concessionárias de transporte público assumir linhas de transporte em regiões de baixa densidade populacional (ou seja, em que o volume regular de passageiros é baixo). Em termos dos fatores ambientais, incentiva-se o aumento das emissões de gases de efeitos estufa, tanto pelo uso intensivo de automóveis, como pelo padrão de consumo mais elevado que a população que vive nesses contextos apresenta.
Essa dispersão não contribui para evitar o inchaço populacional das grandes cidades? Quais os prós e contras da dispersão e da aglomeração?
Embora pareça ser um fenômeno que evitaria o inchaço urbano nas grandes cidades, podemos observar que o processo de crescimento populacional já está estagnado. Por duas razões: os fluxos migratórios rural-urbano já são muito pequenos e a taxa de crescimento da população em geral já está baixa, com estimativas de que passe a ser decrescente antes do meio deste século. O grande problema da dispersão urbana é que com ele há um processo de uso do espaço mais intensivo. Assim, a cidade passa a ocupar um espaço muito maior, embora em termos populacionais ele não apresente crescimento proporcional. Com isso, incentiva-se a demanda por deslocamentos cotidianos mais intensos e em uma sociedade baseada no transporte automotivo, isso implica em mais automóveis circulando nas ruas, agravando congestionamentos e emissões de gases de efeito estufa, por exemplo.
Em que consiste o indicador de dispersão urbana que você desenvolveu?
O indicador consiste em uma análise de fatores que me permitiram comparar as aglomerações urbanas brasileiras em termos do seu padrão de ocupação, considerando elementos que me permitiam identificar se a aglomeração era mais ou menos dispersa. Foram considerados fatores como densidade da população urbana, a fragmentação das áreas urbanas, o formato que a área urbana apresenta no espaço e os volumes de movimentos populacionais entre um município e outro dentro da mesma aglomeração.
Quais os principais erros que ainda são cometidos na ocupação urbana e que deveriam ser eliminados?
Ainda existe dificuldade do poder público fiscalizar o padrão de ocupação urbana. Em parte, pelas ocupações irregulares (que nem sempre são originadas pela população de baixa renda, uma vez que existem diversos empreendimentos imobiliários de médio padrão que se instalam sem as devidas licenças) e, por outro lado, por muitas vezes os lobbies das corporações imobiliárias conseguirem desarticularem planos diretores, leis de zoneamento urbano, de acordo com os interesses econômicos.
O que precisaria ser feito, por exemplo, para viabilizar o programa Minha Casa Minha Vida, dentro dos conceitos de uma ocupação urbana ordenada?
Em parte dos casos, um programa habitacional poderia considerar a construção de conjuntos habitacionais verticalizados (não necessariamente com muitos andares), mas que possa otimizar o uso do espaço urbano. Assim, parte das famílias poderia ser alocada em regiões não muito afastadas dos centros e locais de trabalho e, portanto, reduzindo os seus custos de deslocamento. Em algumas cidades, isso não se faz necessário, mas há casos em que os antigos centros urbanos possuem vazios urbanos que poderiam ser utilizados. Assim, é importante destacar que não existe uma fórmula única para solucionar os problemas urbanos, cada caso deve ser considerado e, de acordo com suas especificidades, avaliar as melhores alternativas, levando em conta, inclusive os interesses da população a ser atendida.
Além das ações políticas, o que a sociedade e as empresas podem fazer para contribuir para uma ocupação urbana mais organizada e sustentável?
Creio que o principal articulador dessas soluções deva ser, mesmo, os governos locais e regionais. É preciso que se tenha consciência dos prós e contras que cada modelo de urbanização trás consigo.
Você defende que as soluções devam ter uma dimensão supramunicipal, ou seja, que haja uma gestão metropolitana. Por quê?
Isso se deve ao fato de que a urbanização contemporânea extravasa os limites municipais. Em grande parte das aglomerações urbanas brasileiras, as pessoas frequentam mais de uma cidade para suas atividades diárias, seja por trabalho, estudo, lazer ou compras. Em parte, os municípios de uma mesma aglomeração urbana acabam competindo entre eles, oferecendo loteamentos e planejando a oferta de espaço sem pensar no conjunto dos demais municípios. Com isso, podem ser criadas demandas sociais para um município, derivadas do que outro município planejou. Por exemplo, aumentar a demanda no sistema de saúde de um município, devido aos novos loteamentos que outro município vizinho aprovou nos limites de sua área administrativa, mas no qual o serviço de saúde mais próximo, fica naquele município vizinho.
Quais soluções estão sendo discutidas e implementadas para reverter isso? Na sua opinião, quais deveriam ser os próximos passos para solucionar o problema da ocupação urbana no país em curto, médio e longo prazos?
Em curto prazo, creio ser difícil solucionar os problemas devido ao fato de que muitos deles não são exclusivamente novos e motivados por esse novo padrão de ocupação. Em verdade, existem inúmeros desafios que são resquícios dos processos anteriores e que podem ser agravados caso não haja um planejamento do que se espera para a ocupação urbana no futuro. Os investimentos cada vez mais terão custos elevados e, em um país com dificuldades orçamentárias, otimizar os recursos é essencial.
Entrevistado:
Ricardo Ojima – ojima@nepo.unicamp.br
Ricardo Ojima concluiu o mestrado em Sociologia em 2003 e o Doutorado em Demografia em 2007, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2009 encerrou pesquisa de pós-doutoramento junto ao Núcleo de Estudos de População (NEPO/Unicamp) sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Atua na área de População, Planejamento Urbano e Regional e Mudança Ambiental. Atualmente é Gestor de Ensino e Pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP-MG) e pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos de População (NEPO/Unicamp). É sub-coordenador do Grupo de Trabalho População, Espaço e Ambiente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP).
Bibliografia: Dimensões da urbanização dispersa e proposta metodológica para estudos comparativos. Ricardo Ojima – Revista Brasileira de Estudos de População Dez. 2007 Vol.: 24 n.2
Vogg Branded Content Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330
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