O vendedor e o viajante
O lado bom de ser vendedor, além do aprendizado, é o número de histórias que a gente coleciona pelo fato de ser agraciado freqüentemente com a oportunidade de conviver com pessoas diferentes
O lado bom de ser vendedor, além do aprendizado, é o número de histórias que a gente coleciona pelo fato de ser agraciado freqüentemente com a oportunidade de conviver com pessoas diferentes
Quando você é novo e alguém lhe dá uma oportunidade de mudar de vida, pense duas vezes e, depois de aceitar, nunca reclame. O aprendizado é o que vale. A minha primeira promoção para a área de vendas foi há vinte anos.
A área de abrangência não era das melhores e, como se sabe, os piores clientes sempre sobram para os novatos. Hoje estou convencido de que não existem piores clientes, porém existem clientes difíceis que nos ensinam coisas que nunca vamos aprender com clientes bonzinhos que simplesmente sorriem e dizem sim para tudo.
Depois de chegar em casa radiante, comunicar minha promoção, dizer que passaria a viajar mais e, é claro, ganhar mais, minha esposa torceu o nariz. No fundo, imagino que ela se lembrou do Quequé, aquele personagem do seriado Rabo de Saia, interpretado pelo Ney Latorraca há muito tempo, o qual tinha uma mulher em cada cidade, Eleuzina (Dina Sfat), Santinha (Lucinha Lins) e Nicinha (Tássia Camargo). Por mais que ele se esforçasse para manter as aparências de marido fiel, nenhuma das três acreditava.
Meu caso era diferente, graças a Deus. Com o tempo minha esposa foi aceitando o fato e, na medida em que os ganhos aumentavam e a vida melhorava, o seu sorriso se transformava. Nada como um bom saldo bancário para consolidar e aquecer o relacionamento. E se tiver amor, então, nem se fala, o universo inteiro conspira a nosso favor, como dizia William B. Yeats, o grande poeta irlandês.
O lado bom de ser vendedor, além do aprendizado, é o número de histórias que a gente coleciona pelo fato de ser agraciado freqüentemente com a oportunidade de conviver com pessoas de diferentes níveis, culturas, cores, credos e tamanhos, o que, naturalmente, tende a elevar a nosso discernimento e a nossa percepção com relação ao mundo.
De fato, quando a gente pensa que domina o assunto e está apto para garantir o show, confiante no diploma, nível de cultura, experiência, treinamento etc, uma visão diferente dos fatos aparece e nos coloca em xeque para que, novamente, com uma boa dose de humildade, possamos reavaliar o entendimento e concluir que, apesar de tudo, ainda temos muito que aprender.
Minha primeira viagem como representante de vendas – na verdade eu era vendedor mesmo, porém com um título mais sofisticado foi para o norte de Santa Catarina. Eu trabalhava numa gigante multinacional do petróleo, e isto por si só já me tornava imponente e cheio de razão. Minha área era composta por vários municípios do Paraná e Santa Catarina e um pedacinho de São Paulo, onde ninguém queria ir, porém um trecho como aquele, na época com mais de cem quilômetros de estrada de chão e repleto de desafios, torna qualquer ser humano mais humilde e determinado a subir na vida.
São Bento do Sul, em Santa Catarina, é uma dessas cidades tranqüilas e organizadas. Eu havia me programado para visitar inicialmente os dois postos de combustíveis que representavam a empresa onde eu trabalhava, porém decidi visitar primeiro uma concessionária de veículos. Fazia parte da minha carteira e de alguma forma eu deveria cumprir a agenda, portanto, acabei entrando no local por impulso.
Eu nunca havia sido apresentado ao comprador, mas sabia de antemão o nome dele, graças ao trabalho organizado do meu antecessor que mapeou a área toda e isso ajudou muito. E lá estava eu, pronto para proporcionar o meu primeiro show em vendas. Ao entrar na sala de espera, sem mentira alguma, havia mais ou menos uns vinte representantes aguardando o sujeito.
Com muito jeito e um pouco de receio apresentei-me no balcão do setor de autopeças. Sob os olhares atentos da concorrência, solicitei a presença do famoso comprador direto para a atendente que mal me cumprimentou e, a julgar pela cara de poucos amigos, não estava nos melhores dias.
– Bom dia! Meu nome é Jerônimo, da Texaco. Por gentileza, eu desejo conversar com o senhor Simeão sobre óleos lubrificantes. Naquela época, trabalhar numa empresa de porte fazia qualquer profissional encher a boca e mostrar trinta e dois dentes para pronunciar o nome da corporação. Isso mesmo, Texaco!
No mínimo eu esperava que ela me apresentasse uma justificativa ou coisa que o valha diante de tanta platéia interessada em conseguir um espaço no precioso tempo do comprador. A coisa mais difícil nessa área é conseguir espaço na agenda dos compradores. Essa classe está sempre em reunião e sabe como ninguém valorizar cada segundo do seu tempo, alguns por excesso de trabalho, outros por pura vaidade mesmo.
Sem a menor cerimônia, a infeliz olhou para trás e disparou com 120 decibéis de intensidade: – Simeããããão, mais um viajante! Do fundo da sala, Simeão retrucou ainda mais forte: – manda esperar, se quiser ser atendido!
Juro por tudo que é mais sagrado que se eu fosse um avestruz naquele momento, minha cabeça seria enterrada no chão. Fiquei vermelho, ligeiramente constrangido e agüentei firme. Quando olhei ao redor percebi a platéia eufórica, rindo à toa da desgraça alheia, porém uma alma boa no meio daquela multidão me puxou para o lado e tentou me tranqüilizar dizendo que aquilo acontecia com todos os vendedores. De qualquer forma, era algo humilhante.
A gente estuda tanto, corre atrás de diploma, lê uma infinidade de livros, participa de seminários, palestras, treinamentos e incorpora o sobrenome da empresa, porém, quando menos espera, se vê comparado a um simples viajante, um andarilho qualquer. Depois de uma hora e meia de espera consegui, finalmente, ser atendido. E por tudo aquilo que eu aprendi na vida e durante o treinamento na empresa, eu saí de lá com o meu primeiro pedido de vendas.
Creio que poucas profissões ensinam tanto quanto aquela que exige o entendimento do ser humano na íntegra, diferente do sentido pejorativo atribuído no passado onde o título de vendedor era rotulado ao extremo e associado à opção de quem não sabia fazer outra coisa. Duas décadas depois daquele feliz episódio, algumas lições ainda permanecem vivas na minha mente:
1. Quando você se torna um profissional de vendas, o título é mera formalidade, não importa se é vendedor, representante de vendas ou viajante. Qualquer um dos títulos exige paixão, dedicação e desempenho; no final, o resultado é o que conta, pois quem vive de vendas vive de resultados;
2. De alguma forma, somos todos vendedores e temos de utilizar esse dom com freqüência, quer para vender uma idéia, um produto ou um serviço, quer para conquistar uma pessoa ou ainda para convencer um filho;
3. Assumir que você é vendedor de verdade é o primeiro passo para o sucesso na profissão; existem vendedores e viajantes, como se diz no interior, cuja renda é infinitamente superior à renda de muitos profissionais que preferem cargos de nomes esdrúxulos em vez de correr atrás dos seus desejos e realizações.
De acordo com o Dr. Roberto Shinyashiki, escritor e palestrante, a venda mais difícil do mundo é vender a si mesmo e a segunda venda mais difícil do mundo é vender alguém para ele mesmo. Se na época eu tivesse consciência de que as habilidades para profissão de vendedor eram tão importantes na vida, sinceramente, teria me dedicado muito mais. Pense nisso e seja feliz!
* Jerônimo Mendes – Administrador, Escritor e Palestrante. Autor de Oh, Mundo Cãoporativo! (Qualitymark) e Benditas Muletas (Vozes). Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local.
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