Nova norma de Cimento Portland entra em vigor
Elaborada e aprovada em tempo recorde, a ABNT NBR 16697 unifica outras normas relacionadas ao material e segue exemplos internacionais
Foi publicada em 3 de julho de 2018 a nova norma técnica que unifica outras oito relacionadas ao Cimento Portland – a maioria com data entre 1991 e 1994. Os avanços tecnológicos, os compromissos ambientais assumidos pelos fabricantes e as exigências do mercado indicaram que elas deveriam ser revisadas e condensadas em uma só. Nasceu, então, a ABNT NBR 16697 (Cimento Portland – Requisitos). Na entrevista a seguir, o gerente de laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland), Arnaldo Battagin, que coordenou a comissão de estudos que criou a nova norma, explica as principais mudanças. Confira:
A nova norma de Cimento Portland foi publicada dia 3 de julho de 2018, em tempo recorde entre a instalação da comissão por parte do ABNT/CB-018 (Comitê Brasileiro de Cimento, Concreto e Agregados) e sua entrada em vigor. A que se deve essa agilidade?
Foi um resultado que a mim próprio surpreendeu. Mas isso tem uma explicação. Na reunião de instalação da comissão de estudo, em 21 de fevereiro de 2018, foi discutido o calendário de reuniões. Na oportunidade, houve sugestões de reuniões por vídeo-conferência. Porém, dado o perfil de representantes de todo o Brasil, as reuniões se tornariam pouco produtivas, com perda de tempo com as conexões. Experiências anteriores, em outras comissões de estudo, mostraram isso. Então, surgiu a ideia de reuniões presenciais de dois dias inteiros, para economia de recursos, já que as empresas em geral estão com dificuldades geradas pela crise econômica por que passa o país. Foram pré-agendadas reuniões mensais de março a junho. Uma reunião de dois dias é equivalente a quatro reuniões, considerando a média do que é praticado por comissões de estudos da ABNT. Isso corresponde a quatro meses de trabalho. O fato de que os anseios de modernização da norma eram comuns a produtores, consumidores e neutros, haja vista que a norma não era revisada havia mais de 20 anos – somado à contribuição dos membros da comissão, que trouxeram para a discussão um denso material do que é praticado no exterior -, contribuiu para essa “agilidade”.
Qual o número da nova norma e qual sua especificação?
A nova norma de especificação de Cimento Portland tem a numeração ABNT NBR 16697 (Cimento Portland – Requisitos).
Ela, de fato, unificou as oito normas técnicas referentes ao Cimento Portland?
Sim, todos os requisitos para os tipos de cimentos citados estão contemplados na nova norma. A sugestão de se ter uma norma unificada veio de exemplos internacionais que já adotam essa prática, como é o caso da Argentina, do México e dos países da União Europeia, entre outros. Isso beneficia principalmente os consumidores, pela facilidade de consulta e diferenciação dos vários tipos de cimento.
N.R: as oito normas citadas na pergunta são: Cimento Portland Comum – CP I e CP I-S (ABNT NBR 5732); Cimento Portland Composto – CP II (ABNT NBR 11578); Cimento Portland de Alto Forno – CP III (ABNT NBR 5735); Cimento Portland Pozolânico – CP IV (ABNT NBR 5736); Cimento Portland de Alta Resistência Inicial – CP V-ARI (ABNT NBR 5733); Cimento Portland Resistente a Sulfatos – RS (ABNT NBR 5737); Cimento Portland de Baixo Calor de Hidratação – BC (ABNT NBR 13116); Cimento Portland Branco – CPB (ABNT NBR 12989).
Houve algum ponto polêmico na elaboração da nova norma? Caso sim, qual?
O ponto que envolveu acaloradas discussões foi com respeito ao aumento do teor de material carbonático (fíler) no cimento tipo CP II-F. Havia um grupo mais liberal que sugeria que o limite máximo fosse até 35%, inspirando-se na norma europeia e lembrando a repercussão positiva em termos de menores emissões de CO2 por tonelada de cimento produzido. Outro grupo era mais conservador e tinha a opinião de um teor máximo de 20 a 25%. Por fim, ponderou-se a necessidade de uma mudança gradativa, visando a aceitação do mercado consumidor e compromisso com o desempenho do cimento, como foi adotado pela norma Argentina. Assim, optou-se pelo teor máximo de 25% de fíler no CP II-F, com aprovação por unanimidade pelos membros da comissão de estudos, representados por produtores de cimento, consumidores, vários professores universitários e representantes de institutos de pesquisa e de laboratórios privados.
Quais as principais inovações da norma?
A ABNT NBR 16697 apresenta três conjuntos de inovações. A começar pela unificação das oito normas de especificação em documento único. Depois, pelo aumento do teor máximo de fíler calcário em 5% para todos os tipos de cimento, exceto o CP II-F, cujo teor máximo permitido passou de 10% para 25%, e no teor máximo de escória granulada de alto-forno no CP III, que passou de 70% para 75%, mantendo-se, contudo, o teor mínimo de clínquer em 25%, como previa a norma anterior. Consequentemente, foram necessários ajustes nas tolerâncias de algumas propriedades químicas em função do incremento do teor de adições. Todas essas alterações visam um alinhamento com padrões normativos internacionais e atendem os direcionamentos da Agência Internacional de Energia (IEA) e da Iniciativa pela Sustentabilidade do Cimento (CSI), que incentivam a adoção de alternativas ou tecnologias mais avançadas para diminuir emissões de CO2. Atende assim às premissas recomendadas pelo Cement Technology Roadmap Brazil 2050, a ser lançado em setembro próximo. O terceiro conjunto de inovações ou atualizações diz respeito à inclusão na norma de práticas já adotadas pelo setor de cimento nos últimos anos. São elas:
- Estoque em pallets de até 24 sacos, no lugar de estoque máximo em pilhas de 10 sacos, regulamentando assim a prática atual, com o sistema de transporte e estocagem em pallets.
- Eliminação da menção do peso da sacaria (sacos de 50 kg) na norma, a exemplo das normas internacionais. Esclarece-se que isso não desobriga essa inscrição nos sacos, que devem conter a informação da massa líquida do produto. Atualmente existem sacos de 50 kg, 40 kg e 25 kg, sendo este último o padrão a vigorar futuramente conforme acordado recentemente com o Ministério Público do Trabalho.
- Redução de 2% para 1% da massa líquida declarada do saco em atendimento à Portaria Nº 248, de 17 de julho de 2008 do MDIC/INMETRO.
- Eliminação do ensaio rotineiro de CO2, controlando a adição calcária pelo ensaio químico de Perda ao Fogo (PF) como em âmbito mundial se pratica. A determinação de CO2 passa a ser ensaio facultativo.
- Inclusão do prazo de validade e composição qualitativa do produto, atendendo assim o Código de Defesa do Consumidor, CDC, Lei 8078.
“O resultado obtido neste trabalho consiste em importante avanço para a sociedade brasileira, especialmente por premiar a sustentabilidade, mantendo a qualidade do produto.”
O que a norma vai representar para o setor que atua com Cimento Portland, tanto do ponto de vista de qualidade do material quanto de mercado?
Quanto à qualidade, o consumidor não deve verificar mudanças significativas, pois não houve alterações nos requisitos de desempenho, representados pelos valores de resistência à compressão nas diferentes idades de controle, nem tampouco com relação aos tempos de pega, finura e expansibilidade. Saliente-se que o cimento é um dos produtos com maiores índices de conformidade no Programa Setorial da Qualidade do PBQP-H. Trata–se de compromisso do produtor de cimento, com a vantagem de repercussão positiva na diminuição das taxas especificas de emissão de CO2 por tonelada de cimento, que traz melhorias com foco na sustentabilidade do setor.
A norma traz alguma influência na forma como a ABCP vai se relacionar com as cimenteiras?
Sim, já estamos adaptando o regulamento para concessão do selo da qualidade, bem como revendo algumas publicações que focam não apenas o produtor de cimento, mas também o consumidor. Sempre lembrando que há um compromisso precípuo do fabricante de cimento em manter o alto padrão de qualidade. Além disso, a nova norma protege o consumidor, na medida em que amplia a possibilidade de entendimentos entre as partes, viabilizando a solicitação de características específicas, conforme o tipo de aplicação do cimento, tais como: área específica, cloretos solúveis em água, inibição da expansão devida à reação álcali-agregado, teor de C3A do clínquer, índice de consistência da argamassa normal, tempo máximo de início de pega e calor de hidratação para diferentes idades.
Comparativamente com as normas técnicas estrangeiras, esta norma coloca o Cimento Portland produzido no Brasil em qual patamar no mercado internacional?
Estamos caminhando para um patamar equivalente ao das normas europeias e à similaridade com a norma Argentina, para mencionar um mercado mais próximo. Essas normas valorizam o desempenho e a durabilidade em detrimento da composição prescritiva apenas. Tanto é que há tendência cada vez menor de requisitos químicos. O próximo passo é a adoção de método de ensaio de resistência mecânica à compressão por corpos de prova prismáticos padrão ISO, similares aos adotados em muitos países, prevendo-se alterações nas classes de resistência do cimento, bem como o desenvolvimento de uma areia normal padrão ISO. O método dos corpos prismáticos facilitará as relações internacionais e tem vantagens sobre os cilindros, pelo fato do adensamento ser mecânico, com menor influência do operador. Ele não necessita capeamento com enxofre, o que protege a saúde do trabalhador e o meio ambiente, além de evitar lesões por efeitos repetitivos. Esses são aspectos normativos, por isso é necessário enfatizar que os cimentos brasileiros já apresentam alto patamar de qualidade comparáveis aos das nações mais desenvolvidas e, no aspecto ambiental, somos benchmark em termos de emissões na produção do cimento.
O que mais de relevância o senhor destacaria?
Saliento que, como coordenador da comissão de estudo e pesquisador na área de Cimento Portland e materiais de construção civil, estou satisfeito com o resultado obtido neste trabalho, pois consiste em importante avanço para a sociedade brasileira, especialmente por premiar a sustentabilidade, mantendo a qualidade do produto. Iniciativas como esta, com base em conhecimento e experiência, aproveitando o que de mais moderno se tem na esfera internacional, para somar com a nossa tradição e respeitando nossos limites, coloca o país em posição de igualdade com as maiores economias neste campo de atuação.
Entrevistado
Geólogo Arnaldo Forti Battagin, gerente dos laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) e representante da ABCP nas comissões de estudos de normalização da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
Contato: arnaldo.battagin@abcp.org.br
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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