Normas contra incêndio: saiba onde é preciso evoluir
Sumidade sobre o assunto, professor-doutor Valdir Pignatta e Silva aponta os avanços do país e também o que é necessário ser feito para melhorar.
Sumidade sobre o assunto, professor-doutor Valdir Pignatta e Silva aponta os avanços do país e também o que é necessário ser feito para melhorar
Por: Altair Santos
No Brasil, as normas ABNT NBR 15200 – Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio – e ABNT NBR 14432-2001 – Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações – estão entre as mais atuais e avançadas do mundo. Por outro lado, o país já está atrasado na revisão da ABNT NBR 9077 – saídas de emergência em edifícios -, assim como na busca de um aprimoramento dos códigos de obras nas cidades brasileiras. A constatação vem do professor-doutor Valdir Pignatta e Silva, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli – USP), considerado a sumidade nacional a respeito de estruturas em situação de incêndio.
Autor de sete livros, o especialista defende que haja nas universidades de engenharia civil uma disciplina obrigatória sobre segurança contra incêndio em edificações. É dele também a constatação de que falta qualificação nos organismos públicos credenciados para liberar projetos de edifícios, sobretudo no conhecimento das normas técnicas. Mesmo assim, defende Pignatta, o Brasil está muito a frente de outros países sul-americanos quanto à legislação sobre estruturas anti-incêndio. Esse é um dos temas que ele aborda na entrevista a seguir:
O Brasil tem normas atualíssimas sobre situações de incêndio em edificações. Destaque para a ABNT NBR 15200 – Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio, revisada em 2012, e a ABNT NBR 14432-2001 – Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações. No entanto, nem sempre elas são cumpridas. Por qual motivo?
Informo que existe também a norma ABNT NBR 14323 – Dimensionamento de estruturas de aço e de estruturas mistas aço-concreto de edifícios em situação de incêndio -, que após revisada está em processo de ser publicada em 2013, e a sobre projeto de estrutura de madeira, que é a ABNT NBR 7190/2012, que tem capítulo sobre estruturas de madeiras em situações de incêndios. Então, o que precisa é o engenheiro calcular as estruturas seguindo a norma. Sempre lembrando que as exigências aumentam à medida que o edifício aumenta de altura, por que é uma composição de perigo e consequência. Quanto mais alto o edifício, as consequências são maiores. Mas o que interessa para o projeto de engenharia é que existe um padrão, em função do aquecimento das estruturas. As estruturas perdem capacidade de resistência com o aquecimento, seja qual for o material. Então, o engenheiro deve calcular a estrutura para suportar esse aquecimento. Se ele fez um projeto conforme as normas, conforme as exigências, conforme os padrões internacionais, este projeto está bem feito. O que não significa que ele vai ou não cair. O engenheiro jamais vai dizer que uma estrutura vai cair ou não. O que importa é que estes padrões internacionais e exigências sejam seguidos. Isso vale para ação da gravidade, ação do vento e vale também para ação do fogo. Se o projeto não seguir estas exigências, há uma maior probabilidade de ruína. Nós, engenheiros de estrutura, somos probabilísticos. Dizemos que existe uma maior probabilidade de ruína ou uma menor probabilidade de ruína conforme forem seguidas as exigências e as normas técnicas.
A regulamentação da profissão de bombeiro civil tem ajudado no cumprimento dessas normas?
No final de 2010 foi criada a profissão de bombeiro civil e bombeiro civil mestre. O bombeiro civil é o bombeiro que cuida do combate ao fogo e de instruir brigada de incêndio. É uma atividade mais técnica. Já o bombeiro civil mestre seria uma atividade conforme a letra da lei, de uma pessoa formada em engenharia ou arquitetura que tenha prática ou feito cursos sobre seguranças contra incêndios. Isso é muito pouco conhecido no Brasil. Eu diria que isso não existe na prática. Por quê? Por que as exigências de segurança contra incêndio são amplas e para cumpri-las deveria haver um gerenciador, algum profissional de engenharia, de arquitetura, que tenha conhecimento destes aspectos para contratar especialistas e realizar o trabalho adequadamente. Só que existe um problema no Brasil: não há nenhuma universidade brasileira com disciplina obrigatória sobre segurança contra incêndio, quer para engenharia civil, quer para arquitetura. Então o profissional se forma, vai para a prática e é obrigado a seguir a legislação que ele não aprendeu com a devida profundidade na escola. Resultado: há poucos especialistas nesta área no país. E não há esse tipo de gestor formado por cursos, formado nas escolas brasileiras de engenharia e arquitetura.
O fato de cada estado, e às vezes cada município, ter uma legislação ou não ter legislação nenhuma sobre vistoria técnica de edificações, dificulta o cumprimento das normas sobre incêndio?
Vou falar por São Paulo, mas isso talvez sirva para outras capitais ou outras cidades. No caso de São Paulo, há um código de obras, mas ele não trata muito sobre incêndio. Fala sobre locais de reuniões públicas. Mas se eu fizer um projeto em uma outra cidade, onde não haja código de obras ou nenhum outro tipo de recomendação, serão seguidas as instruções técnicas do Corpo de Bombeiros. No que tange as estruturas, essas instruções têm as exigências de tempo de restrição ao fogo, mas não dizem como cumprir as exigências a partir de normas nacionais da ABNT. Então, dependendo do aspecto, isso pode confundir o meio técnico.
O Corpo de Bombeiros de São Paulo criou o Projeto Técnico Simplificado, desburocratizando a regularização das edificações. A burocracia atrapalha o cumprimento da normatização?
Trabalho há 25 anos na parte de estrutura em situação de incêndio e conheço também outros aspectos na parte de segurança contra incêndio. No caso do Projeto Técnico Simplificado, ele vale para pequenas edificações, ou seja, onde as exigências sejam mínimas. Neste caso, a desburocratização ajuda. Mas em se tratando de edifícios altos, o projeto acaba indo para o Corpo de Bombeiros e leva um certo tempo para análise. Por quê? Volto para a minha máxima: faltam especialistas brasileiros na área de segurança em construção.
O Grupo de Pesquisa em Segurança contra Incêndio, do Núcleo de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo da USP, tem conseguido desenvolver e difundir o conhecimento científico sobre o tema?
Este grupo tem 18 anos de existência. Hoje ele chama-se grupo de fomento de segurança contra incêndio. Tem um site para quem quiser buscar mais informações (http://www.gsi-incendio.com.br). A ideia é difundir mais a área e promover cursos pela defesa da vida em casos de incêndio.
O senhor avalia que é preciso rever leis e normatizações sobre incêndio em edificações?
Quanto às regulamentações do Corpo de Bombeiros, elas são estadualizadas e, não há duvida, existe a necessidade de uma releitura. Por exemplo, eu não sei se há um artigo que trate de artefatos pirotécnicos acesos em ambientes fechados. Por outro lado, existem as normas brasileiras, como a ABNT NBR 9077 – saídas de emergência em edifícios, que é datada de 2001, mas o fato é que ela é dos anos 1990. Ela só foi reimpressa nos anos 2000. Há mais de uma década especialistas da área lutam por uma revisão desta norma e acredito que agora isso vá ocorrer, por pressão da sociedade e do meio técnico.
Edificações com estruturas em concreto seguem se sobrepondo às de aço quando se fala em resistência ao fogo?
Esta é uma pergunta recorrente. É importante frisar que a estrutura deve ser dimensionada para a situação de incêndio, seja concreto, aço, alvenaria estrutural, enfim qualquer uma delas. Se elas forem dimensionadas adequadamente, todas resistem de forma igual. Ocorre que, no caso do concreto, o calculista, ao projetar a estrutura, já a faz pensando na resistência ao fogo. No caso da estrutura de aço, como a peça não é feita in loco, isso é mais difícil. Mas hoje há materiais de revestimento antifogo e a espessura destes materiais também são calculadas por especialistas. Se forem bem calculadas, elas resistem. Só que eu diria que no Brasil não há ainda uma norma que dimensione edifícios de alvenaria estrutural em situação de incêndio. Neste caso, o Corpo de Bombeiros recomenda que devem ser seguidas as normas europeias, mas é bastante difícil seguir uma norma internacional, pois não se sabe se os blocos usados lá são os mesmos usados aqui.
A NBR 15575 – norma de desempenho – faz alguma referência à segurança contra incêndio?
Salvo engano, o que ela diz é seguinte: caso existam normas dos materiais utilizados, que sigam estas normas. No caso do concreto, do aço, os materiais mais convencionais, devem seguir as normas da ABNT. Para novos materiais, ela lista uma série de ensaios que devem ser feitos para comprovar o comportamento destes materiais. Também salvo engano, pois há poucos laboratórios no Brasil capacitados para esse tipo de ensaio. Parece-me que apenas o IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológico) está aparelhado para isso. Isso é um problema.
Comparativamente a outros países, o Brasil tem normas competentes sobre estruturas anti-incêndio e resistência ao fogo?
Em maio estarei em Portugal, palestrando sobre normas e exigências de estruturas na América Latina. Falando em termos de continente sul-americano, o Brasil está muito à frente dos demais países. Lendo a legislação, só Colômbia e Argentina têm algo semelhante. Os demais países estão muito pobres em termos de legislação de segurança contra incêndio. No caso dos países chamados desenvolvidos, todos têm uma normatização bastante avançada. As mais avançadas são os códigos europeus chamados eurocodes. As normas brasileiras se inspiraram nestes eurocodes.
Incidentes com incêndio, apesar de indesejáveis, acabam resultando em melhorias das normas de segurança e de construção?
Como começaram as regulamentações de segurança no Brasil? Foram a partir dos terríveis incêndios nos edifícios Andraus, em 1972, e Joelma, em 1974. Nos Estados Unidos, tragédias ocorridas no final do século 19 e início do século 20 também incentivaram a criação de leis e normas. Infelizmente, é assim que ocorre no mundo todo.
Entrevistado
Valdir Pignatta e Silva, professor-doutor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)
Currículo
– Valdir Pignatta e Silva é professor-doutor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e autor de 7 livros e de mais de 150 artigos publicados
– Ocupa o cargo de vice-presidente da ALBRASCI (Associação Luso-Brasileira para Segurança contra Incêndio)
– Atua na área de Engenharia de Estruturas, com ênfase em “engenharia de estruturas em situação de incêndio”
– É membro da IAFSS, IBRACON e ABECE
Contato: valpigss@usp.br
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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