Norma amplifica responsabilidade na engenharia
Profissionais da construção civil nunca estiveram tão atentos à responsabilidade legal das obras.
Profissionais da construção civil nunca estiveram tão atentos à responsabilidade legal das obras.
Cresce no setor construtivo a importância de conscientizar os profissionais sobre a responsabilidade na construção civil. Em 2009, publicações e palestras sobre o tema foram alguns dos mais procurados por engenheiros, arquitetos, projetistas e construtores em geral, além de fabricantes de materiais.
O objetivo dos interessados era conhecer as restrições, as limitações e as responsabilidades importantes a serem respeitadas e seguidas, quando da atividade de construir, para minimizar os riscos de desagradáveis ações judiciais.
Autor do livro Responsabilidade dos Engenheiros e Arquitetos, Rone Antônio de Azevedo é um dos palestrantes mais requisitados no Brasil para falar do assunto. Engenheiro civil e especialista em avaliações e perícia da engenharia, entre outras formações, Rone trata, em sua obra, de forma didática das principais dúvidas do setor.
Nela, ele examina as atividades de avaliação de imóveis, a perícia de edificações, a inspeção predial, as principais ações no Direito de construir, a crescente importância da Engenharia Legal e sua relação com o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, além das normas técnicas correlatas e resoluções do sistema Confea/Crea.
Na entrevista concedida, Rone Antônio Azevedo pincela trechos relevantes de seu livro e mostra o quão importante é que os profissionais do setor estejam atentos às normas de construção civil, sobretudo a partir de maio deste ano, quando entra em vigor a norma técnica NBR 15575/08 Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos – Desempenho, da ABNT. Confira:
Qual a diferença entre as responsabilidades de meio e de resultado para o exercício profissional dos engenheiros e arquitetos?
A diferença está na forma de atuação dos engenheiros e arquitetos. Enquanto profissionais liberais, eles possuem responsabilidade de meio. Quando exercem a atividade técnico-econômica da construção há responsabilidade de resultado.
A responsabilidade de meio obriga aos engenheiros e arquitetos a empregarem seus conhecimentos para alcançarem o resultado final, conforme a boa técnica e a ética profissional. Mas não são obrigados a assegurar o zero defeito ou total ausência de falhas. Eles lidam com a incerteza das teorias, dos modelos de cálculo, das técnicas de construção, do comportamento dos materiais, das ações humanas e da natureza. Os profissionais minimizam os riscos seguindo as orientações das normas técnicas e adotando boas práticas de projeto, execução e manutenção.
Exemplificando, nenhum projetista de barragens, por mais competente que seja, pode garantir com 100% de confiabilidade a segurança contra rompimento por enchentes. Geralmente, para grandes obras, trabalha-se com a probabilidade de ocorrer uma grande cheia a cada dez mil anos período de retorno decamilenar.
Outro exemplo: a estrutura mista aço-concreto das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, foi calculada para resistir à colisão de aeronaves do porte do modelo Boeing 707. No entanto, as torres desabaram em 11 de setembro de 2001 quando houve o impacto da aeronave Boeing 767, cerca de 20% maior do que o Boeing 707. Richard M. Kielar, porta-voz da Tishman Realty & Construction Co., gerente de construção do projeto original afirmou que “nenhuma estrutura poderia ter suportado esse tipo de ataque”. Esse trágico acontecimento revela que sempre haverá incerteza nos projetos, por melhor elaborados que sejam.
Na responsabilidade de resultado, engenheiros e arquitetos desenvolvem atividade técnico-econômica de construção ou incorporação com resultados e garantias legais. Estão obrigados a executarem e entregarem obras sem vícios construtivos e defeitos, sendo o último prejudicial à solidez e segurança da edificação. O Código de Defesa do Consumidor veda ao construtor ou incorporador colocar no mercado apartamentos e casas nessas condições, por exemplo.
A responsabilidade de meio é subjetiva, devendo ser provada a negligência, imprudência ou imperícia do engenheiro ou arquiteto. A responsabilidade de resultado é objetiva, ou seja, independe de prova, sendo suficiente a relação direta entre o dano e as potenciais causas. O ônus da prova é invertido no último caso, suportado pela sociedade ou firma estabelecida pelos engenheiros e arquitetos para a atividade de construção.
Confira, ao final da entrevista, mais informações sobre as responsabilidades que envolvem a construção civil.
A norma técnica NBR 15575/08, da ABNT, que trata do desempenho das edificações habitacionais de 5 pavimentos, entrará em vigor em maio de 2010. Ela altera algo na responsabilidade civil na construção civil?
A norma técnica NBR 15575/2008 estabelece critérios de desempenho e qualidade para os diferentes sistemas construtivos para edificações habitacionais com até cinco pavimentos. É a primeira norma brasileira de desempenho, com ênfase à sustentabilidade, manutenção periódica e rastreabilidade dos componentes das edificações. Sua adoção será compulsória a partir de 12 de maio de 2010.
De acordo com essa norma, os projetos devem ser elaborados prevendo explicitamente a vida útil mínima para cada sistema da construção. A durabilidade mínima para a estrutura e revestimentos externos será de 40 anos; para instalações hidrossanitárias e revestimentos internos, a duração deve ser igual ou superior a 20 anos. Esses valores da durabilidade dos componentes das edificações são apenas referência para o projeto e não valem como prazos de garantia.
O Anexo D da NBR 15575/2008 informa os prazos de garantia, fixados entre 1 a 5 anos conforme cada sistema, iniciando-se sua contagem a partir da data de expedição do habite-se. Por exemplo, as instalações hidrossanitárias e de gás devem ser estanques, sem vazamentos, durante o prazo de 5 anos após a entrega da edificação; a pintura possui garantia de 2 anos contra alteração de cor ou deterioração de acabamento.
Esses prazos não existiam na legislação em vigor e orientarão a realização de inspeções prediais, perícias e demandas judiciais. Vale lembrar que até a entrada em vigor da NBR 15575/2008, existia a garantia obrigatória de cinco anos para defeitos e vícios ocultos, assegurada pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil.
No prazo de garantia, a responsabilidade da construtora é objetiva, basta comprovar a existência do fato. Findo o prazo de garantia, a responsabilidade será subjetiva, necessitando comprovação por perícia. No caso de defeitos que afetam a solidez e segurança das edificações conforme Súmula 194 do STJ prescreve em 20 anos o tempo para ação visando a obter indenização do construtor.
O construtor deverá disponibilizar o manual do proprietário com instruções claras e precisas para o correto uso e manutenções periódicas. O usuário, por sua vez, deverá fazer a manutenção nos prazos de previstos no manual. As manutenções devem ser realizadas por profissionais habilitados, registradas para efeito de comprovação, conforme a norma NBR 5674/1999 Manutenção de Edificações. A realização das perícias e demandas judiciais levará em consideração esses critérios. Caso o comprador não efetue as manutenções nos prazos estipulados, haverá perda da garantia.
Vale ressaltar que a NBR 15575/2008 não será aplicável aos seguintes casos: obras em andamento quando entrar em vigor; edificações concluídas até 12/05/2010; projetos protocolados até 12/11/2010 (seis meses após a entrada em vigor da norma); obras de reforma e retrofit.
A NBR 15575/2008 trará benefícios socioeconômicos e ambientais, aumentando a durabilidade das edificações. A cadeia produtiva da Construção Civil será aperfeiçoada, desde a elaboração do projeto, rastreabilidade de componentes, e inspeção predial. Considerando o grande número de prédios de porte a serem construídos nos próximos anos, especialmente para a baixa renda. A norma poderá ser aplicada a edificações com mais de 5 pavimentos.
Na Engenharia Legal quais precauções devem ser tomadas antes do início da construção?
São necessários vários cuidados antes do início da construção. Além do planejamento e da análise de viabilidade técnica-econômica dos empreendimentos, é preciso avaliar as condições do terreno e da incorporação imobiliária.
Devem ser contratados estudos geotécnicos e ambientais para avaliação dos impactos decorrentes do empreendimento. Várias construtoras adotam a vistoria cautelar dos imóveis na vizinhança do empreendimento para solução de problemas e redução de eventuais demandas judiciais referentes a danos físicos surgidos após o início da construção.
Toda construção pressupõe a realização de diversos serviços técnicos especializados, executados por profissionais qualificados. É imprescindível contratar engenheiros e arquitetos com experiência em projetos e execução de obras.
O seguro de Responsabilidade Civil é outra alternativa bastante utilizada no exterior, disponível para profissionais e construtoras no Brasil, cobrindo vários tipos de danos. Os agentes financiadores do empreendimento normalmente exigem que as construtoras contratem seguros contra danos físicos.
Planejar ações para proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, respeitando a legislação e as normas aplicáveis, especialmente a Norma Regulamentadora NR-18 do Ministério do Trabalho e Emprego. O número de acidentes na Construção Civil é bastante preocupante e requer mais empenho do setor, maior compromisso dos profissionais, atuação dos sindicatos e fiscalização do governo.
Cada vez será mais necessário o acompanhamento pós-venda, tanto para verificar as manutenções obrigatórias quanto para melhorar a qualidade dos imóveis. O atendimento e aplicação das normas NBR 15575/2008 e NBR 5674/1999 resultará na oferta de serviços de manutenção aos usuários finais, nicho mercadológico com benefícios para todos.
É preciso cuidar para que os serviços e produtos estejam dentro dos parâmetros de qualidade, segurança e economia. Dessa forma, engenheiros e arquitetos estarão resguardados de futura responsabilização. O profissional tem por obrigação esclarecer o consumidor sobre as características intrínsecas do serviço, os riscos e os custos da relação contratual.
A responsabilidade civil sobre a construção acaba com o fim do prazo de garantia da obra?
De forma alguma, apesar de alguns entendimentos nessa direção. A Súmula n.º 194 do Superior Tribunal de Justiça (SJT) orienta que o comprador terá 20 anos de prazo para propor ação indenizatória contra a construtora por defeitos que afetam a solidez e segurança da edificação, considerando sua constatação no período de garantia de 5 anos. Entretanto, encerrado o prazo de garantia, a culpa do construtor deverá ser provada através de perícia técnica, responsabilidade subjetiva.
O art. N.º 618 do Código Civil determina que o prazo de garantia para defeitos que afetem a solidez e segurança da edificação é de cinco anos a partir da entrega da edificação. Devem ser reclamados, no máximo, seis meses após a data de seu aparecimento, sob pena de decadência. Até 5 anos a partir da entrega da construção, presume-se a culpa da construtora, caracterizada por responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor.
O art. n.º 205 do Código Civil estabelece o prazo de garantia genérico de 10 anos para falhas construtivas não previstas nos demais artigos. Alguns doutrinadores entendem ser esse o maior prazo de garantia aplicável às construções, contado a partir da data da sua entrega expedição do habite-se. A Súmula n.º 194 do STJ não seria aplicável para essas falhas.
A estatística de problemas na construção civil se relaciona mais a projetos ou à execução das obras?
Há grande diversidade de ocorrência, complexidade das causas e indisponibilidade de pesquisas sobre problemas na Construção Civil no Brasil. A abordagem requer muita investigação e organização de banco de dados por associações de profissionais, construtoras e centros de pesquisa. No entanto, alguns estudiosos podem ser mencionados, a título de referência.
Jean Blevot realizou estudo emblemático muito detalhado das causas de quase 3 mil sinistros das estruturas de concreto armado, ocorridos entre 1948 e 1974, nos arquivos empresa seguradora francesa Bureau Securitas e Socotex. Ele constatou que as deficiências de projeto foram responsáveis, direta e indiretamente, por 77,9% dos sinistros, sendo 12,0% por erros de cálculo e 55,9% por falha na previsão do comportamento real dos materiais; defeitos de execução respondem por 16,5% dos acidentes; outras falhas representam 5,6%.
Lamentavelmente, no Brasil, ainda há a cultura de resolver as lacunas do projeto no canteiro de obras. Projetos mal detalhados, memoriais descritivos com especificações genéricas atrasam a evolução da obra, permitindo maior incidência de problemas na execução. Nos países desenvolvidos, o raciocínio é inverso.
Muitas vezes, o engenheiro ou arquiteto assumem a responsabilidade técnica pela execução de várias obras simultaneamente. Naturalmente sobrecarregados, eles não tem tempo para interagir com os projetistas e fornecedores, propondo melhorias com ganho de qualidade.
As empresas com maior estrutura gerencial implementaram programas de Qualidade Total para redução das não conformidades, baseados na implementação das normas ABNT de Sistemas de Gestão da Qualidade, e de Gestão Ambiental, séries ISO NBR 9000 e ISO NBR 14000. Esses sistemas serão cada vez mais importantes para rastreabilidade, melhoria contínua e correção de falhas na Construção Civil.
É preciso investir em projetos bem elaborados com detalhamento suficiente para execução, memoriais descritivos com especificações precisas, procedimentos de execução, manuais bem elaborados para os usuários.
O conhecimento especializado dos engenheiros e arquitetos precisa ser valorizado como diferencial de qualidade e produtividade. A atuação dos profissionais é essencial durante em todas as etapas da construção, desde o planejamento até a manutenção.
Saiba mais sobre as responsabilidades que envolvem a construção civil:
Responsabilidade por obrigação de meio: cumprir uma obrigação de meio é empregar todas as técnicas, recursos e esforços que estiverem ao alcance do profissional, no sentido de alcançar o resultado contratado. Só há que se falar em descumprimento de uma obrigação de meio se o resultado não for alcançado no prazo e no modo contratados. Isso decorre do fato de o contratado não ter empregado todas as técnicas, recursos ou esforços ao seu alcance. Assim, se o exato resultado contratado for alcançado, não há que se falar em inexecução da obrigação de meio.
Responsabilidade por obrigação de resultado: significa entregar ao contratante o resultado esperado e não menos que isso, independentemente das técnicas, métodos e esforços empregados na tentativa de alcançar o resultado esperado.
Responsabilidade técnica: advém dos profissionais que executam atividades específicas dentro das categorias tecnológicas, sendo responsáveis por todo trabalho técnico que realizam. Tanto o arquiteto, que elabora o projeto, quanto o engenheiro civil, que executa, são igualmente responsáveis técnicos.
Responsabilidade contratual: decorre do contrato firmado entre as partes para a execução de uma determinada obra.
Responsabilidade pela solidez e segurança: o profissional responde pela solidez e segurança da obra por um prazo de cinco anos, nos termos do Código Civil. Neste caso, a data do término da obra deve ser documentada oficialmente. Se uma perícia constatar que o profissional é responsável por problemas de solidez e segurança, ele responderá civilmente independentemente do prazo transcorrido, de acordo com a jurisprudência existente.
Responsabilidade pelos materiais: se o material não estiver de acordo com as especificações, o profissional deve rejeitá-lo, sob pena de responder por danos futuros.
Responsabilidade por danos causados a terceiros: cabe ao profissional tomar as providências necessárias para a preservação da saúde, segurança e sossego de terceiros, em caso de vibração de estaqueamentos, fundações e quedas de materiais. Neste caso, os prejuízos são de responsabilidade solidária do profissional do proprietário da obra ou construtora.
Responsabilidade penal ou criminal: decorre de desabamentos, desmoronamentos, incêndio por sobrecarga elétrica, intoxicação e contaminação, havendo ou não lesão corporal ou dano material, desde que caracterize risco à vida e á propriedade.
Responsabilidade administrativa: imposta por organismos públicos, através de código de obras, de águas e esgoto, de normas técnicas, regulamentações profissionais e planos diretores. Cabe ao profissional seguir as leis, sob pena de suspensão do exercício profissional.
Responsabilidade objetiva: resulta das relações de consumo ditadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Responsabilidade ética: resulta de faltas que contrariem a conduta moral na atividade profissional, pelo sistema CREA/CONFEA.
Entrevistado:
Rone Antônio de Azevedo, engenheiro civil e especialista em avaliações e perícia da engenharia: suporte@aspeago.com
Site: www.aspeago.com
Vogg Branded Content Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330
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