NBR 15575 vai precisar de constantes revisões
Norma é, no entender da professora Mércia Barros, passo inicial para que a construção civil brasileira atinja padrões internacionais de qualidade.
Por: Altair Santos
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) abriu no dia 20 de dezembro de 2011 uma nova consulta pública para seis emendas de projetos da NBR 15575/2008 – Norma de Desempenho. São elas: gerais (NBR 15575-1); sistemas estruturais (NBR 15575-2); sistemas de pisos internos (NBR 15575-3); sistemas de vedações verticais internas e externas (NBR 15575-4); sistemas de coberturas (NBR 15575-5) e sistemas hidrossanitários (NBR 15575-6). Com isso, o prazo de exigibilidade das normas foi adiado de março de 2012 para março de 2013.
No entender da professora-doutora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Mércia Maria Bottura de Barros, o adiamento não significa que a norma não esteja sendo praticada. Para ela, as construtoras preocupadas com a qualidade de seus produtos já trabalham dentro das exigibilidades da NBR 15575. É o que ela explica na entrevista a seguir:
Por que a Norma de Desempenho – NBR 15575/2008 – tem encontrado tanta resistência?
Não é tanta resistência assim. Na verdade, o mercado não estava preparado para passar de normas prescritivas para norma de desempenho. Então, é preciso um certo tempo de adaptação para isso. Acredito que o mercado tenha sido bastante receptivo, principalmente da parte das boas empresas. A norma de desempenho serviu para balizar as empresas, o que antes não era possível. Uma entrega um produto de excelente qualidade, outra não entrega e o cliente não consegue perceber isso. Acredito que a receptividade tenha sido boa, principalmente das empresas que estão querendo trabalhar seriamente pelo cliente. Não vejo tanta rejeição assim.
A ABNT abriu no dia 20 de dezembro de 2011 nova consulta pública nacional para seis emendas de projetos da NBR 15575. Que emendas são essas?
O que acontece é o seguinte: no ano passado, uma vez que a norma tinha sido colocada em vigência, mas não exigia obrigatoriedade, o meio técnico percebeu que havia algumas dúvidas em relação a alguns ensaios que estavam prescritos. Não se sabia se aqueles requisitos poderiam ser cumpridos da maneira que a norma estava colocando. Basicamente foram questões de desempenho acústico, principalmente. A parte de escorregamento de piso e uma ou outra coisa que era menos problemática, menos complicada. Isso, ao longo de 2011, veio sendo resolvido. Mas as reuniões acabam sendo muito demoradas, pois há muitos debates e se caminha muito lentamente. Então, estas revisões todas, que eram para ter sido finalizadas no ano passado, acabaram adiadas. Por isso, teve uma extensão do prazo para que a norma entre em vigência. Diria que a demora se deve porque é um processo muito democrático.
A CBIC tem recomendado aos profissionais do setor da construção que a votação seja “a favor sem restrições” das emendas. Isso é bom ou ruim?
Praticamente já houve o consenso de tudo aquilo que está lá, ou seja, a aceitação por parte da indústria é muito boa, porque significa que ela está acatando aquilo que está sendo discutido na comissão.
Sob o ponto de vista do consumidor, o que significa esse extenso debate em torno da NBR 15575? Ele mais perde ou mais ganha com isso?
Eu acho que a tendência sempre é do consumidor ganhar, na medida em que a gente tenha um mercado balizado por desempenho e não por norma prescritiva. O mercado mesmo vai poder se inteirar do que é exigido e vai poder ter isso como respaldo no dia em que ele fizer uma aquisição ou surgir algum problema. Então, a tendência daqui para frente é que o consumidor sempre ganhe.
Corre-se o risco de a norma entrar em vigor, mas apenas pró-forma. Ou seja, ela passa a existir, mas não muda nada no cenário da construção?
Não acredito, porque existem empresas que estão apostando bastante na qualidade, no desempenho e elas vão trabalhar por isso. Elas vão se diferenciar no mercado e todas aquelas empresas que quiserem sobreviver vão precisar também aceitar isso. Apesar das normas brasileiras, a maioria delas, não terem força de lei, quando cai no Poder Judiciário ele sempre tem a norma como parâmetro. Então, uma vez que a norma existe, se a empresa trabalhar fora da norma ela está fadada a ter muitos problemas lá na frente. Vai ser importante o meio técnico assumir a norma e lapidá-la. Aliás, ela é uma norma dinâmica e vai estar sempre sendo lapidada. Mas acredito muito que o mercado vai assumir a norma de desempenho sim.
Caso ela tivesse entrado em vigor com seu texto original, o que já teria mudado na construção civil?
Se ela tivesse entrado em vigor com seu texto original, o que teria mudado é o que está mudando. Já há várias empresas atentas as questões de segurança, as questões de manutenção, as questões acústicas e térmicas, enfim, já estão trabalhando dentro da norma e usando materiais de qualidade e sensíveis as diferenças climáticas do país. Mas estamos engatinhando no processo. É importante salientar que a norma foi muito balizada pelas boas construções do passado. Então, pelo menos estamos retomando uma condição de acústica e uma condição de segurança bastante próximas daquilo que o tradicional nos oferecia. Hoje, com as empresas cada vez mais querendo racionalizar, e diminuir custo, se não houver um parâmetro de desempenho esta diminuição de custo pode levar a problemas bastante sérios, comprometendo a durabilidade e a vida útil de componentes. Não é possível colocar uma esquadria e daqui a um ano ela apresentar corrosão e deformação. Então isso vai mudar. Até porque, a norma vai também reforçar a lei de defesa do consumidor.
Qual o temor das construtoras em relação à norma?
Isso sempre tem. É próprio do ser humano ter sempre medo do novo. Eu estou numa situação, eu estou estabelecido, porque vou mexer com aquilo que já está funcionando? Então vem a novidade, eu tenho que me mexer, eu tenho que pensar diferente, eu me preocupo. Mas passado este primeiro impacto, acho que todas as construtoras estão percebendo que elas vão ter muito a ganhar, pois vão poder competir no mercado com um parâmetro muito bem definido. Às vezes, elas competem com empresas completamente desestruturadas e, como o cliente não tem parâmetros, tanto faz. Acredito que a construção civil formal só vai ganhar com este processo.
A norma tem alguma influencia direta no programa Minha Casa, Minha Vida?
Todo o programa Minha Casa, Minha Vida, mesmo com a norma não estando em vigor, tem pautado os projetos para atender a NBR 15575. Então, o impacto daqui para frente será muito pequeno, pois a maior parte das empresas que está trabalhando com este programa já está levando em conta as condições mínimas estabelecidas pela norma de desempenho. Eu, particularmente, oriento um grupo de trabalho que analisa projetos do programa Minha Casa, Minha Vida. À luz da norma de desempenho, percebe-se que o impacto é pontual, porque a maioria dos elementos, dos componentes já atende aquilo que a norma está pedindo. Ela especifica condições mínimas para as pessoas viverem em comunidade, que é o caso dos edifícios de múltiplos pavimentos e dos conjuntos habitacionais, que precisam respeitar questões térmicas, acústicas e de segurança. Porque o restante, em termos de sistemas prediais, a gente tem normas bastante rígidas que já estavam super bem atendidas. Agora, a norma tem outro papel importante: ela está proporcionando a entrada de sistemas diferentes dos tradicionais. Por exemplo, o programa SINAT (Sistema Nacional de Avaliação Técnica) se apoia nas diretrizes da norma de desempenho para poder avaliar os novos sistemas. Isso permite a entrada das paredes maciças de concreto, das paredes pré-moldadas, o que agiliza as construções. Tudo porque, os novos sistemas se submetem à norma de desempenho.
O novo grupo de trabalho nomeado para coordenar a norma tem no comando um representante das construtoras. O que isso significa?
Trata-se de um engajamento forte das construtoras, porque no fim são elas que respondem pelo produto. Então, o fato de ter alguém da construção na coordenação é bastante importante. Mostra que eles estão preocupados e estão engajados. Mas eles não fazem a norma sozinho, pois nas comissões têm o pessoal de indústria de material, de indústria de componentes, tem todo o pessoal da engenharia consultiva, tem os neutros de institutos de pesquisa, universidades, enfim, todos participam. O fato do processo ser liderado pelas empresas construtoras, de ter o coordenador que é ligado a uma empresa construtora, é benéfico. Deste ponto de vista, por trazer o engajamento das construtoras, ele não prejudica absolutamente em nada. O trabalho é feito pela comunidade técnica, não pelas construtoras.
Com os debates para minimizar a norma, o Brasil perde uma grande oportunidade de dar um salto de qualidade nas construções habitacionais?
Diria que a norma está adequada ao que o país pode suportar neste momento. Mas ela abre o caminho para que se possa galgar degraus. Talvez não tão altos, mas constantemente. Não adianta colocar num patamar que ninguém consiga alcançar. É preciso colocar patamares intermediários, mas com uma estrada que cresça sempre. A ideia seria não parar nestas exigências, mas daqui a dois anos, três anos, ocorrer uma revisão. Conforme o mercado for assimilando, o processo galga um novo patamar. É o ideal? Pode ser que não, mas é o melhor para este momento do país.
Na cadeia produtiva da construção civil, quais setores são mais atingidos diretamente pela NBR 15575?
São as indústrias de materiais e componentes, principalmente as indústrias de componentes, e fundamentalmente as construtoras. Desempenho não é algo que se mede no material ou no componente. Não existe desempenho de janela, não existe desempenho de material polimérico, não existe desempenho de argamassa. Existe desempenho de vedo vertical, existe desempenho de vedo horizontal. Então, quando eu falo que a janela participa, ela participa enquanto elemento da vedação vertical. Mas ela sozinha não resolve. Ela está integrada numa vedação, que pode ser de painel, que pode ser de gesso acartonado, pode ser de alvenaria de bloco, mas a avaliação não é do material. É do subsistema ao qual esse material estará integrado. Por isso, as construtoras estão no centro do debate, porque são elas que precisam fazer com que o elemento funcione bem dentro do edifício.
Entrevistada
Mércia Maria Bottura de Barros, professora-doutora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Currículo
– Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de São Carlos (1985), mestrado (1991) e doutorado (1996) em Engenharia de Construção Civil e Urbana, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
– Atualmente é professora- doutora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
– Tem experiência na área de Engenharia de Construção Civil. Participa do Grupo de Ensino e Pesquisa em Tecnologia e Gestão da Produção de Edifícios
– Os trabalhos realizados são focados nas linhas “Inovação e racionalização nos processos construtivos e Gestão da produção na construção civil, voltados aos temas: projetos de modernização produtiva (códigos de práticas e capacitação e certificação profissional), racionalização e Inovações em vedações verticais e horizontais e revestimentos
– Atua também na área de reabilitação de edifícios com foco para as tecnologias e custos. É pesquisadora da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE)
– É assessora ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
Contato: mercia.barros@poli.usp.br
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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