Não se iluda, reforma também precisa de alvará
Construir na legalidade evita transtornos com a prefeitura e desvalorização do imóvel. Além disso, garante segurança a quem irá habitar a obra.
Construir na legalidade evita transtornos com a prefeitura e desvalorização do imóvel. Além disso, garante segurança a quem irá habitar a obra
Por: Altair Santos
Construir dentro da legalidade não se limita às grandes obras. Caso haja desejo do proprietário de ampliar a residência, erguendo mais um cômodo, um banheiro ou até uma edícula nos fundos do terreno, o primeiro passo é buscar a consultoria de um engenheiro civil, a fim de que ele avalie se o projeto permite a obtenção do alvará de construção. Por quê? Caso contrário, a obra será considerada ilegal e poderá sofrer algum tipo de sanção da prefeitura e ou do CREA. Além disso, a reforma sem alvará, mesmo com o intuito de valorizar o imóvel, pode ter um efeito contrário e acabar desvalorizando a residência. Quem explica didaticamente a importância de uma obra legal é o engenheiro civil Roger Teixeira, especialista em avaliações e perícias. Confira na entrevista a seguir:
Pequenas reformas, como construir mais um banheiro na casa ou mais um quarto, requer alvará de construção?
Sim. Qualquer alteração no projeto e na concepção original da edificação requer a aprovação e autorização perante a prefeitura (alvará de construção). Ela tem por objetivo regularizar as obras, saber o que está sendo construído e se há um profissional habilitado responsável. A prefeitura também necessita conhecer o que será construído, para que possa fiscalizar efetivamente, evitando problemas relacionados à autoconstrução, como a impermeabilização excessiva do solo (causa enchentes) e o descarte de esgoto em águas pluviais (causa poluição dos rios) que podem demonstrar ineficiência da administração e receber críticas da população, e que muitas vezes é ela mesmo que ajuda a criar o problema.
O que pode acarretar para o proprietário do imóvel se ele não fizer uma obra legalizada?
Ao realizar uma obra sem alvará o proprietário estará sujeito a ter sua obra embargada, ou seja, impedida de continuar até apresentar um engenheiro civil ou arquiteto. A dificuldade em legalizar a obra é que muitas vezes ela já estava em execução e desrespeitou parâmetros que a prefeitura exige, como a ocupação máxima do solo. Neste caso, há a necessidade de demolir parte do que foi feito para que se viabilize a regularização.
Cada município tem uma legislação com relação a pequenas reformas ou há um padrão para todo o país?
Não há uma lei federal que especifique como as prefeituras devem fiscalizar essa questão. Há algumas prefeituras, como a de Curitiba, que facilitam a obtenção de alvará para reformas simples (através do alvará de reforma simplificado) que é rápido de se obter. Porém, mesmo intervenções que não se exijam alvará podem ser fiscalizadas e notificadas pelo CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) ou CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) caso a fiscalização entenda que há necessidade de profissional habilitado para aquela intervenção. Sugiro que sempre seja consultado um engenheiro antes de qualquer alteração.
Em que casos uma intervenção num imóvel pode ser feito sem que se exija alvará? Tecnicamente qualquer alteração que modifique a concepção original deve ter autorização da prefeitura e acompanhamento técnico de profissional habilitado. Entende-se que reparos de menor magnitude ou influência, como repintura do imóvel ou substituição de um piso não necessitem de autorização perante a prefeitura, porém deve-se consultar um engenheiro ou arquiteto para assegurar que a alteração não afetará de alguma forma os parâmetros projetados, mesmo os estéticos, que entende-se ter direito autoral das especificações de projeto (mais comum aos arquitetos). Em qualquer caso, porém, deve-se tomar cuidado com os entulhos gerados, pois esta é uma reclamação pertinente de vizinhos que pode ser fiscalizado e multado pela prefeitura.
Se ocorre a construção ilegal para ampliar um imóvel, ele se valoriza ou desvaloriza?
Além do imóvel apresentar qualidade e solidez questionável, agrava-se, no mercado imobiliário, por não possuir condições de ser averbado no Registro de Imóveis, ou seja, a Matrícula (o “RG” do imóvel) constará diferente do construído. Desta forma, ao buscar a venda através de financiamento bancário, por exemplo, realiza-se vistoria pelo engenheiro de avaliações que irá desaconselhar o financiamento ao banco, pois o que consta no “RG” do imóvel é diferente do real, evidenciando que a construção foi realizada sem acompanhamento técnico e não é considerada uma boa garantia em caso de retomada, por exemplo. Muitas vezes as pessoas acreditam poder construir “por conta” e que depois conseguem “regularizar”. Isto não é verdade, pois na maioria das vezes a construção não obedeceu aos parâmetros e dimensões especificados pela prefeitura, tornando reprovável qualquer pedido de aprovação. Infelizmente é um dos maiores arrependimentos de quem construiu ilegalmente, pois descobre-se na hora de negociar um imóvel que ele não é passível de financiamento, tendo de desfazer a transação.
O índice de obras sem alvará ainda é grande nas cidades. Como se fiscaliza isso?
As equipes de fiscalização da Prefeitura, do CREA e, recentemente, do CAU ainda são insuficientes para a quantidade de imóveis, moradores, “puxadinhos”, “obras de fim de semana”, etc. Salienta-se, porém, que quando a prefeitura (através do telefone de denúncia) e o CREA (através do site www.creapr.org.br, aba “Denúncia”) recebem a denúncia de uma obra irregular é sempre enviado um fiscal ao local, sendo notificado quando necessário. No caso do CREA, é possível acompanhar anonimamente como está o andamento da fiscalização no imóvel denunciado.
Imagina-se que para as prefeituras a perda com recolhimento de impostos seja grande, por causa de obras sem alvará. Por outro lado, não deveria haver uma desburocratização para incentivar a legalização das reformas?
A prefeitura perde arrecadação com as taxas relacionados ao alvará e CVCO (“habite-se”). Porém, mesmo quando a obra é irregular ela não deixa de aumentar o IPTU, pois de tempos em tempos estima-se a área construída. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, oferece um serviço de alvará simplificado para casas térreas de até 70 m², tornando o custo de legalização e engenharia muito abaixo do mercado. Não há motivo para construir ilegalmente. Não considero burocrático tirar uma licença, pois devem sim existir procedimentos, estudos, fiscalização, aplicação de normas técnicas e responsabilidade do profissional, a fim de melhorar as condições de uso e segurança das edificações. Normalmente, o que sentimos no escritório é a negativa em aguardar três meses para iniciar uma obra regularizada, pois a equipe de pedreiros e mestre de obras já está a postos no canteiro. É um vício brasileiro “tocar a obra o quanto antes”, gerando erros e correções durante a execução, estourando qualquer orçamento.
O CREA tem sido atuante, no sentido até de orientar sobre a necessidade de se construir legalmente, inclusive contratando engenheiros para projetar a reforma?
O CREA é um órgão atuante junto aos profissionais, porém acredito que há pouco contato com a população em geral, a fim de orientá-la a buscar os profissionais antes de serem notificados ou multados. Não é exatamente esta a atribuição do órgão, porém uma maior participação junto à população poderia aumentar a quantidade de obras legalizadas e gerar menos autuações. Recebemos ligações de pessoas que nem sabiam da necessidade de contratar um engenheiro para sua obra, por simplicidade ou desconhecimento. Apenas após notificados pelo CREA descobrem que sua obra era ilegal.
No ano passado, as obras de reforma foram as que mais puxaram as vendas de material de construção, incluindo o cimento. Diante da magnitude deste mercado, já não era hora de haver uma campanha para coibir a autoconstrução?
Sim. Quem compra 100 barras de aço está construindo algo de natureza estrutural e não se sabe com que acompanhamento técnico. As lojas de materiais de construção poderiam exigir o alvará ou ART para realizar a venda, semelhante ao que se exige do cliente em uma farmácia (a receita do médico) coibindo “grandiosas obras” ilegais. No entanto, é perceptível que esta ação seria contrária aos interesses dos lojistas, que têm grande parte do lucro na autoconstrução.
No caso de edifícios, quando o morador decide quebrar uma parede para ampliar um cômodo, ele também precisa de um alvará? Como funciona neste caso?
Sim. Além do alvará é necessário pedir autorização ao condomínio, através do síndico, pois trata-se de uma habitação coletiva. Em alguns casos pode-se retirar a parede sem danos à estrutura, porém a única pessoa que pode estudar cada caso e permitir é o engenheiro civil, que irá analisar o sistema estrutural (concreto armado, protendido, alvenaria autoportante, etc.) e verificar se a retirada do elemento não irá de alguma forma prejudicar o sistema estrutural. A sabedoria popular diz que viga e pilar não se tira (ou tiram). Em algumas situações, por técnicas construtivas ou até erro, os blocos cerâmicos (estes de 6 ou 8 furos) encontram-se solicitados, não sendo possível sua retirada. Sugere-se que a demolição de uma parede supostamente não estrutural (de blocos cerâmicos) tenha colocado abaixo o Edificio Liberdade (Rio de Janeiro), em 2012, pois de fato ela estava solicitada estruturalmente. Apesar de entender que o imóvel é de propriedade privada, deve-se tomar os devidos cuidados para que uma alteração em sua unidade não prejudique outros moradores.
Entrevistado
Roger Teixeira, engenheiro civil da Teixeira&Costa Engenheiros Associados
Currículo
– Roger Teixeira é engenheiro civil e perito associado ao Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE/PR). Atua na área de inspeção predial, vistoria cautelar, diagnóstico e patologia das construções
Contato: roger@teixeiracosta.com / www.teixeiracosta.com
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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