Na construção civil não cabe mais o “tocador de obra”
Constantes atrasos em obras, sejam elas habitacionais ou de infraestrutura, são reflexo da falta de um gerente de projetos à frente do empreendimento.
Constantes atrasos em obras, sejam elas habitacionais ou de infraestrutura, são reflexo da falta de um gerente de projetos à frente do empreendimento
Por: Altair Santos
Além do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Minha Casa, Minha Vida, o governo federal anunciou recentemente mais um pacote logístico, voltado a modernizar rodovias, ferroviárias, portos e aeroportos. A oportunidade será mais um desafio às construtoras brasileiras, afirma o coordenador da área de construção e montagem do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC), Ítalo Azeredo Coutinho. Para ele, nem que seja a fórceps, as empresas terão de aprender a fazer gestão de projetos para cumprir os compromissos assumidos.
Azeredo assegura que não dá mais para confiar o planejamento a “tocadores de obra”. A análise, que o especialista faz na entrevista a seguir, é praticamente a mesma realizada no 15º Seminário Nacional de Gestão de Projetos, que ocorreu em Belo Horizonte/MG. No encontro, os debatedores discutiram o andamento dos principais empreendimentos em execução no país. Foram avaliadas questões como controle eficaz de custos, receitas, produção, prevenção de falhas e atrasos, com a conclusão de que os próximos quatro anos serão decisivos para o Brasil ter uma gestão de projetos eficiente na construção civil. Confira:
Faltam processos eficientes para o gerenciamento dos projetos?
Os processos existem, e são conhecidos. Além disso, os resultados com eles obtidos são visíveis para os empresários que desenvolvem a cultura do planejamento e do controle em suas empresas. O que acontece é que muitas construtoras simplesmente não acreditam nas suas vantagens desses processos e preferem usar o antigo e ultrapassado “tocador de obra” em detrimento de um bom gerente à frente de uma equipe de projetos de construção.
E que processos são esses?
São processos simples, como planejar, executar, controlar e agir nos desvios, além de boas práticas técnicas e de segurança, que fazem a diferença no dia a dia das obras e conseguem trazer resultados de produtividade e rentabilidade nos empreendimentos.
O planejamento da obra, antes de colocá-la em pé, é o segredo para, independentemente do empreendimento, ele consiga ser efetuado dentro do prazo?
Entender o processo de construção, e traduzir as estratégias advindas de boas práticas, configurando essas informações para o planejamento e programação das atividades, é com certeza o melhor caminho para o sucesso em termos de prazos, custos e qualidade. Saber o passo a passo otimiza os recursos a serem utilizados no empreendimento e assegura o prazo e as margens de retorno financeiro.
O Brasil dispõe de um bom número de profissionais capacitados para realizar gestão de projetos?
Infelizmente, não. Não temos encontrado no país a formação de equipes de gerenciamento de projetos. Temos visto muitas iniciativas para formar o gestor, para que ele conheça as técnicas de planejar e controlar, mas isso não engloba quem fica no dia a dia da obra, que são o supervisor, o oficial, o mestre de obras, o almoxarife, o técnico de planejamento e medição e o técnico de segurança. Esses profissionais precisam conhecer, tanto quanto o gerente, de projetos, de planejamento e de controle, para, quando necessário, saber intervir e corrigir os desvios. Planejar é fundamental, mas ter uma equipe apta para isso é tão importante quanto ter um excelente gerente de projetos.
Qual o peso que a falta de profissionais, o chamado gargalo na mão de obra da construção civil, tem nessa conjuntura toda?
Estamos passando por uma grande revolução. As empresas têm buscado certificação de qualidade, pois para executar os procedimentos a qualificação da mão de obra é fundamental. Hoje, não é raro vermos cursos de eletricidade predial, tubulação, fôrma e armação sendo dados dentro do próprio canteiro de obras, ou seja, o gargalo existe, mas muitas vezes não é culpa da empresa. Em algumas ocasiões, os profissionais do setor não estão comprometidos com o desenvolvimento, mas com a sazonalidade. Entendo que o Estado poderia ajudar a corrigir essa deformação, com normas mais rígidas para sacar o FGTS e o seguro-desemprego, que é o que esses “funcionários pula-pula” buscam, sem se importar com a capacitação.
Diante do que o senhor explicitou, a avaliação é que as empresas que atuam no mercado da construção civil não esperavam o crescimento muito rápido do setor e, por isso, não se prepararam adequadamente para esse momento?
O empresariado brasileiro em geral é muito cético quanto a se manter preparado para oportunidades. O nosso passado recente de hiperinflação ainda causa temor, além da instabilidade política e altas cargas tributárias. Tudo isso, somado ao fato de que tradicionalmente somos ótimos executores e péssimos planejadores, faz com que as empresas fiquem num eterno estado de hibernação, prometendo crescer quando surgir a próxima oportunidade. Quando estas surgem, as ações são voltadas para saldar dívidas ocasionadas pelo tempo parado. Assim, se não mudarmos nossa filosofia, nunca estaremos preparados e vamos perder competitividade e capacidade de atender as demandas que têm surgido.
Como o senhor vê programas como o PAC, dá para dizer que está faltando gestão de projetos?
O que falta é um planejamento central da carteira de projetos estabelecidos para atender às metas do PAC. A partir desse ponto, estabeleceremos procedimentos profissionais de planejamento e controle, através do Tribunal de Contas, para fiscalizar os recursos públicos. Além do mais, falta a contratação de empresas de engenharia consultiva (projetos de engenharia) e construtiva para avaliar tecnicamente os projetos e dar um parecer profissional e alinhado com as melhores práticas do mercado. Depois de tudo isso feito, poderemos avaliar se falta gestão de projetos ou boa gestão dos recursos públicos. Outro fato importante é identificar onde a iniciativa privada poderia participar, dando maior fluidez nas obras programadas para as duas versões do PAC.
O setor imobiliário também tem sofrido atraso na entrega de obras. Os problemas que afligem PAC são os mesmos do setor habitacional ou eles são diferentes?
Os problemas são praticamente os mesmos. Podemos listá-los, inclusive: falta de planejamento adequado voltado para o plano do negócio; falta de acompanhamento sério e por meio de auditorias independentes com relatórios mensais dos avanços; e, por fim, a seleção de projetos prioritários (tanto para a União quanto para as empresas construtoras), pois eles definirão onde existe maior chance de sucesso (social ou financeiro) dos recursos empregados.
Entrevistado
Ítalo de Azeredo Coutinho, especialista em gestão de projetos e professor do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC)
Currículo
– Ítalo de Azeredo Coutinho é graduado em engenharia industrial mecânica pelo Cefet-MG (2002), com pós-graduação em gestão de projetos pelo IETEC (2002) e mestrado em administração de empresas, com ênfase em gestão de projetos (2009)
– Atualmente é professor e coordenador de cursos de pós-graduação nas áreas de custos e orçamento, gestão de projetos em construção e montagem e engenharia de planejamento do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC), em Belo Horizonte
– Também é coordenador de projeto e engenheiro de projeto na OUTOTEC Tecnologia do Brasil
Contato: italo_azeredo@yahoo.com / www.ieteconline.com.br / jornalismo@ietec.com.br
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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