Quão alto podemos construir?
Descubra os principais desafios de erguer arranha-céus e veja os prédios mais altos do mundo
Atualmente, o Burj Khalifa é considerado o mais alto arranha-céu do mundo, com 828 metros e 163 andares. Na Arábia Saudita, a Torre de Jeddah começou a ser construída com a promessa de superar os mil metros de altura. Sua construção ficou paralisada durante cinco anos e foi retomada em 2023. Outro edifício que também foi criado com o intuito de superar o Burj Khalifa foi o Dubai Creek Tower – só que assim como a Torre de Jeddah, teve suas obras paradas e a previsão é de que sejam retomadas em 2024.
Aqui no Brasil, os números são mais modestos – o edifício mais alto fica em Balneário Camboriú (SC), o One Tower, e conta com 290 metros de altura e 84 pavimentos.
Com tantos arranha-céus surgindo pelo mundo, a pergunta que fica é: o quão alto é possível construir? No entanto, a resposta para isso não é tão simples e depende de vários fatores. E, além disso, há que levar em consideração que, conforme as tecnologias evoluem, é possível aumentar a altura dos prédios. “Em 1890, um prédio com 10 pavimentos foi considerado o primeiro arranha-céu”, lembra Luiz Roberto Prudêncio Junior, professor e doutor em Engenharia Civil, além de sócio proprietário da PWD – Consultoria em Concretos.
Tipos de base
Um dos principais fatores que vai influenciar no tamanho do prédio é a largura de sua base. De acordo com Prudêncio, existem basicamente duas linhas de edifícios altos sendo construídas no mundo. A primeira segue o padrão China/Dubai, que normalmente são edifícios que têm uma grande base. “A planta baixa do térreo destes prédios ocupa uma quadra inteira ou até mais. Isso faz com que as cargas do edifício se distribuam por uma área bem maior. Então, é possível fazer prédios altos, mas a resistência que eu vou precisar na estrutura embaixo, do concreto, não é absurda”, explica Prudêncio.
Outra linha é dos prédios presentes nos Estados Unidos, principalmente em Chicago e Nova York. Eles são parecidos com os prédios que temos aqui na região de Balneário Camboriú. “São terrenos pequenos, ou seja, a planta baixa dele é pequena em relação à altura. Então a esbeltez desse prédio é muito elevada. Isso vai causar dois problemas: o primeiro deles é o excesso de carga nas fundações e nos primeiros pavimentos. Então, será necessário um concreto com fck (resistência característica à compressão) de 100 MPa ou até mais para conseguir fazer um edifício”, pontua Prudêncio.
Principais desafios na construção de arranha-céus
Construir edifícios altos envolve uma série de desafios:
Estrutura e resistência
De acordo com Prudêncio, o primeiro grande desafio da altura é essa relação de resistência no concreto para os pavimentos inferiores. “Tem um limite – até quanto pode chegar um concreto? Existem estudos em laboratório e em algumas obras, em que se fala em 150 MPa ou até mais, mas isso em laboratório. Na hora de fazer um concreto, já começa a ficar muito difícil atingir esta resistência quando ele é produzido em central dosadora. Uma coisa é fazer isso em um laboratório, onde tudo é muito preciso. Outra é em uma central, onde existe uma variação natural dos materiais componentes – da brita, da areia, do cimento, etc. Haverá uma variabilidade muito alta que vai dificultar a obtenção de resistência muito elevada”, comenta Prudêncio.
Em Balneário Camboriú, por exemplo, Prudêncio conta que os edifícios que possuem maior demanda por resistência estão solicitando 70 MPa.
Bombeabilidade
Outro grande desafio ao trabalhar com concretos de alta resistência é o fato de que eles precisam ser produzidos com uma quantidade de cimento muito elevada e baixa quantidade de água. “Isso faz com que o concreto tenha uma viscosidade muito alta. Isso atrapalha bastante a bombeabilidade desse material. Não é como um concreto comum de 40-50 MPa. Ele fica tão pesado e viscoso que se torna difícil bombear em grandes alturas”, define Prudêncio.
Módulo de elasticidade
Uma terceira dificuldade ao construir prédios altos é a questão do módulo de elasticidade desses concretos. “Em edifícios altos, como estes de Balneário em que o índice de esbeltez é muito elevado, o esforço lateral do vento impõe deformações grandes. Para combatê-las, é preciso trabalhar na inércia das peças e no módulo de elasticidade deste concreto”, lembra Prudêncio.
De acordo com o professor, na região de Santa Catarina, por exemplo, o maior módulo de elasticidade que é possível encontrar comercialmente é na faixa de 40 GPa. “Acima disso, já precisa ter um conjunto de agregados de grande módulo, britas especiais e todo um esforço para reduzir a quantidade de pasta do cimento às custas de um aditivo superplastificante e de grande eficiência. Isso deve ter um grande comprometimento na reologia do concreto (ciência que estuda a relação entre os esforços e a deformação do material). Para fazer um módulo elevado, novamente, não é possível colocar cimento demais. Quando coloco pouca água e muito aditivo, o concreto fica viscoso, difícil de bombear. Então, hoje, a gente já conseguiu aqui na nossa região, em laboratório, módulos acima de 50 GPa. Mas a escala de aplicação em obra tende a ser 42,5 GPa, como num edifício que estamos concretando. É o mais alto módulo que temos hoje aqui na nossa região”, revela Prudêncio.
Fundações
Outro grande desafio são as fundações desse edifício. “Um edifício desses tem grande carga na base e é necessário que ela seja profunda. Normalmente, será preciso levar essa fundação até a rocha e usar concretos de alta resistência também nas fundações. E essa é uma dificuldade que vamos enfrentar hoje. Em cima destas estacas, há um bloco de coroamento (elemento complementar de fundações profundas). Se for trabalhar com resistências da torre de 100 MPa, será necessário ter no mínimo 70-80 MPa de resistência do concreto no bloco. E são blocos de 5.000 m3 para mais. Isso gera um problema térmico nesse concreto. Será necessário tratar essa dosagem com muita cautela para não ter problema. Provavelmente, será utilizado gelo e nitrogênio líquido para fazer um pré-resfriamento. Pós-resfriamento é uma coisa muito cara e difícil de se fazer, mas são todas as possibilidades para tratar com esse edifício”, justifica Prudêncio.
Transporte vertical de pessoas e materiais
Algo a se pensar ao construir um arranha-céu é o transporte vertical de pessoas e materiais: como levar armadura, concreto e tijolo lá para cima? São necessários elevadores de grandes dimensões. Também é possível levar o material pela grua, mas em dia de vento, ela começa a balançar e não é possível fazer isso. “Toda a logística de transporte precisa ser muito bem estudada e é muito difícil”, recomenda Prudêncio.
Revestimento
Nesses edifícios altos, não é possível trabalhar com revestimento argamassado. “É preciso trabalhar com pele de vidro, o que é difícil, ou com fachadas ventiladas. Se for colocado um revestimento, com a movimentação das estruturas, há uma grande chance de desplacamento”, afirma Prudêncio.
Divisórias internas
Outra questão é a parte de divisórias internas. Segundo Prudêncio, tem-se trabalhado mais com gesso acartonado/drywall, justamente para impedir que as movimentações que ocorram nesse edifício causem fissuras e trincas nas paredes de alvenaria.
Instalações
No caso das instalações hidráulicas e sanitárias em geral, tem-se grandes alturas de queda. “Além disso, é preciso levar a água lá para cima. Onde tiver um tubo de queda de esgoto, é preciso fazer sistemas especiais – não é possível “jogar” algo a partir de 500 metros de altura. Então existe toda uma preocupação quanto às instalações. Tem que ter projetos muito especializados”, comenta Prudêncio.
Incêndio
Na parte de incêndio, será preciso trabalhar com sprinkler em todos os andares, para não ter risco de mortes no caso de uma ocorrência. “É necessário também ter um esquema de evacuação eficiente das pessoas”, destaca Prudêncio.
Damper
No caso das estruturas, mesmo que seja utilizada uma com uma robustez adequada, que tem um módulo adequado no concreto, provavelmente será necessário colocar massas, chamadas de damper, em cima da cobertura.
“Na hora que bate o vento, cria-se um esforço contrário para amortizar o balançar deste edifício. Normalmente, é uma esfera metálica que fica presa com molas e amortecedores ou às vezes até água. Com o vento, aquela massa faz uma força contrária e vai amortizando. Quando não há esse sistema, os prédios balançam bastante e causa um desconforto – é possível ver a água da piscina movimentando e lustres balançando”, argumenta Prudêncio.
Mas afinal, quão alto é possível construir?
Considerando todos esses fatores, qual poderia ser a altura máxima de um edifício hoje? Para Prudêncio, no padrão brasileiro, que trabalha com edifícios mais esbeltos, os 150 pavimentos são o limite. Entretanto, para edifícios com base maior, poderia chegar a 1 km de altura
“Com o conhecimento que temos a respeito dos materiais hoje, acredito que seria algo em torno de 500-600 metros para prédios mais esbeltos e até 1 km para prédios com bases maiores. Pode ser que daqui a 20 anos, este número seja totalmente ultrapassado. Mas hoje e na próxima década, creio que seja isso”, conclui.
Entrevistado
O professor Luiz Roberto Prudêncio Junior é doutor em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP (com Bolsa sanduiche IRC/NCC – Ottawa). Realizou pós-doutorado na Loughborough University, Inglaterra (2000-2001) e na Universidade da Califórnia – Berkeley (2014-2015). É professor titular emérito do Departamento de Engenharia Civil da UFSC. Sócio proprietário da PWD – Consultoria em Concretos, é consultor de empresas de pré-fabricados, de produção de agregados e de grandes construtoras nacionais na especificação, dosagem e controle de concretos utilizados na infraestrutura e superestrutura de grandes obras, principalmente relacionadas a edifícios altos.
Contato
prudenciouk@hotmail.com
Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP
A opinião dos entrevistados não reflete necessariamente a opinião da Cia. de Cimento Itambé.
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