Licitação que só vê preço não valoriza qualidade da obra
Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE) lidera movimento para que contratações públicas priorizem aspectos técnicos dos projetos
Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE) lidera movimento para que contratações públicas priorizem aspectos técnicos dos projetos
Por: Altair Santos
O Regime Diferenciado de Contratação (RDC) criado em 2011 pelo governo federal para dar agilidade às obras voltadas para a Copa do Mundo, gerou uma distorção na Lei 8.666/93 – a Lei de Licitações e Contratos -, permitindo que o menor preço passe a definir o vencedor, em vez da qualidade do projeto. A consequência é que aumentaram os relatórios do Tribunal de Contas da União condenando obras que foram contratadas pelo projeto básico, mas que cobram sobrepreço para viabilizar o projeto executivo, o que encarece e atrasa a viabilização do empreendimento. Para reverter o quadro, a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE) apresentou proposta ao Senado, a fim de que o espírito da Lei 8.666/93 prevaleça sobre o RDC e que as licitações deixem de ser feitas por pregão eletrônico. “O que se propugna é privilegiar a nota técnica sobre o preço, e não o contrário”, explica Maurício de Lana, membro do conselho-diretor da ABCE.
Apesar da mobilização da associação, não há expectativa de que a proposta encaminhada ao Senado tramite com rapidez. Ela encontra-se atualmente na Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos, mas sem um calendário definido. Enquanto isso, a ABCE segue preocupada com os efeitos da RDC, que, segundo Maurício de Lana, fez aumentar a improvisação nos projetos e enfraquecer o planejamento. “Com isso, quem perde é a qualidade. Se uma empresa trabalha com preço ruim, ele não tem como manter profissionais de alta qualidade para elaborar um projeto que atenda todos os aspectos de uma determinada obra. Isso contrapõe preço e qualidade”, explica. Na proposta encaminhada pela ABCE, o que se defende é que a Lei de Licitações volte à prática estabelecida quando ela foi sancionada, em que a distribuição dos pesos era 70% técnica e 30% preço.
Na avaliação do membro do conselho-diretor da ABCE, há casos de licitações que têm sido vencidas por anteprojetos, e nem sequer por projetos básicos. “A Lei 8.666/93 define bem o que é um projeto básico. O que falta aos organismos contratantes é a definição, a regulação clara do que é este projeto. Eu diria que se olharmos com rigor técnico o projeto básico está muito bem conceituado na Lei 8.666. O que acontece é que o governo quer dar um passo atrás e, ao invés de ter um projeto executivo ou mesmo um projeto básico, está aceitando anteprojetos. O que significa isso? Licitar obras sem que se tenha estudos completos e soluções de engenharia calçadas em informações precisas. Neste caso, vamos ter simulações ou concepções aproximadas de soluções, por não se ter um acervo preciso da obra e nem uma quantificação dos serviços a serem executados”, diz Maurício de Lana.
No entender da ABCE, essas distorções licitatórias têm contribuído para aumentar o desinteresse das empresas em entrar nos projetos propostos pelo governo federal, principalmente os rodoviários. “O cenário de aventura no preço pode trazer sérias consequências para a saúde financeira da empresa. Então, estamos vendo hoje vários exemplos de licitações que não tiveram sucesso. Talvez isso faça o governo rever seus conceitos, minimizando os efeitos do modelo atual, que gera preço ruim, qualidade ruim, prejuízo para as empresas e incerteza aos projetos”, cita o diretor da ABCE, lembrando que um dos exemplos mais notórios de obra mal licitada é a transposição do Rio São Francisco, que apresentou problemas de obras em decorrências de problemas de projeto. “Existe um lema que diz: para toda a boa obra, tem que existir um bom projeto”, finaliza Maurício de Lana.
Entrevistado
Maurício de Lana, engenheiro civil com especialidade em transportes, membro-diretor da ABCE (Associação Brasileira de Consultores de Engenharia) e diretor do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva). Também é diretor-técnico das empresas CONSOL e ESPA
Contato: mdelana@consol.eng.br
Crédito foto: Divulgação autorizada
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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