Informalidade ainda domina construções no Brasil
Pesquisa encomendada pelo CAU-BR ao Instituto Datafolha mostra que 85% dos que fazem obras não contratam arquitetos ou engenheiros
Pesquisa encomendada pelo CAU-BR ao Instituto Datafolha mostra que 85% dos que fazem obras não contratam arquitetos ou engenheiros
Por: Altair Santos
O Instituto Datafolha, por encomenda do CAU-BR (Conselho de Arquitetos e Urbanistas), realizou recente pesquisa em que a principal pergunta foi: como o brasileiro constrói, e quais as principais preocupações e problemas na hora de viabilizar uma obra? Foram realizadas mais de 2.400 entrevistas em 177 municípios, aprofundadas em grupos de discussão realizados nas cinco regiões do país.
O levantamento mostra que a informalidade ainda predomina na construção civil nacional. Para 85% dos entrevistados, a contratação de engenheiro e arquiteto ainda é dispensável. Por região, o Sul é o que mais utiliza os serviços destes profissionais – 26% disseram contratar engenheiro e arquiteto e 74% afirmaram que utilizam o serviço de pedreiros e mestres de obras.
Para o presidente do CAU-BR, Haroldo Pinheiro, há uma conjunção de fatores que explicam esse comportamento do brasileiro, mas o principal deles é o “estereótipo de que os serviços dos arquitetos e urbanistas são caros”. Há ainda uma forte questão cultural, que induz a população a buscar a informalidade nas construções. A reversão deste “hábito”, diz Pinheiro, deve envolver também governos, escolas e outras entidades profissionais. Confira a entrevista:
Um dado que chama a atenção na recente pesquisa CAU/Datafolha é a quantidade de construções que ainda acontecem sem a contratação do serviço de arquitetos e engenheiros. Como o senhor vê esses dados?
Antes, vale a pena contextualizar a pesquisa. Ela foi dividida em duas etapas. A primeira, quantitativa, ouviu mais de 2.400 em 177 municípios. A segunda, qualitativa, realizada nas cinco regiões do país, aprofundou as discussões, ouvindo pequenos grupos. Em resumo, ela constatou que, entre as pessoas que reformaram ou construíram, só 15% contrataram profissionais tecnicamente habilitados. No caso dos arquitetos, mais precisamente, apenas 7% da população economicamente ativa buscou nossos serviços. Isso é extremamente preocupante. Por lei, toda nova edificação deve ser registrada junto ao governo e possuir um responsável técnico, que pode ser um arquiteto ou engenheiro devidamente registrado em seu conselho profissional (CAU ou CREA, no caso dos engenheiros).
Mesmo com normas recentemente publicadas ainda não houve conscientização?
Em 2014, entrou em vigor a Norma de Reformas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), a NBR 16280, que estabelece que toda reforma de imóvel que altere ou comprometa a segurança da edificação ou de seu entorno precisará ser submetida à análise da construtora/incorporadora e do projetista, após o prazo de garantia. A NBR 16280 também determina ainda que o proprietário ou locatário do imóvel encomende laudo técnico assinado por arquiteto ou engenheiro atestando que a reforma não afetará a segurança e estabilidade do imóvel. Embora as normas da ABNT não sejam leis, se houver algum acidente, o síndico e o morador que fez a reforma serão responsabilizados, já que a jurisprudência, ao longo do tempo, mostra que o caminho “correto” a ser seguido é o de obedecer tais regras. Mas a mudança desse quadro implica em uma mudança cultural. Nesse sentido, o principal desafio que a pesquisa coloca para o CAU-BR é atuar para desfazer, junto à sociedade, o estereótipo de que os serviços dos arquitetos e urbanistas são caros. Em conformidade com a missão estabelecida em nosso planejamento estratégico, o CAU-BR deverá contrapor que o supostamente barato – usar só desenhistas, mestres de obras ou pedreiros para planejar e realizar qualquer obra – é que sai caro. Mas a conscientização geral da sociedade deve ir além. Não se trata apenas de uma tarefa para o CAU-BR, mas deve envolver também governos, escolas e outras entidades profissionais.
A crise econômica tende a agravar esse cenário, de obras sem a contratação de profissionais capacitados?
A crise deve ser encarada, ao contrário, como uma oportunidade para uma maior conscientização da população sobre a questão. Sabemos que é um engano o cidadão imaginar que deixando de contratar o projeto vai economizar na reforma ou na construção. O custo do projeto é um pequeno percentual da obra. E um projeto bem elaborado, detalhado, especificado – com quantidade certa de materiais, com cronogramas definidos para entrada e saída de profissionais e serviços – é que vai ajudar a economizar na maior despesa, que é a própria construção, além de resultar em um bem de valor patrimonial mais elevado. Em um país como o Brasil, com maior parte da população concentrada nas classes B, C e D, isso tem um impacto social importante. Nossa mensagem de esclarecimento precisará alcançar, portanto, todas as camadas da população.
Por outro lado, quem disse que usou os serviços dos profissionais – a esmagadora minoria – se disse plenamente satisfeito (78%). Como disseminar a qualidade na obra?
A satisfação é expressiva: oito em cada dez declaram-se satisfeitos com o trabalho de um profissional. Aproximadamente metade daqueles que contrataram o fizeram devido à expertise do profissional, ao seu conhecimento técnico para projetar e construir. Entre outras razões, a segurança da obra tem um peso significativo, além do conforto e do cumprimento das normas legais. Para um melhor entendimento geral, temos que traduzir o significado dessa qualidade da obra em elementos concretos. É impensável, por exemplo, que a construção de uma casa, prédio ou qualquer outra edificação de tamanha importância e responsabilidade possa começar sem um estudo prévio. Não tem espaço para o empirismo dentro de um canteiro de obras. A resposta para uma pergunta estrutural jamais pode ser “isso veremos na hora”.
O que a pesquisa ajudou a esclarecer e quais medidas desencadeou?
De imediato, a pesquisa serviu de base para a campanha de valorização profissional que fizemos no final de 2015, em torno da comemoração do Dia do Arquiteto e Urbanista (15 de dezembro). Mostramos o caso concreto de uma senhora cuja casa, construída há mais de trinta anos por leigos, praticamente ruiu. Decidiu, então, empregar sua poupança em uma nova residência. Mas ao invés de partir para a autoconstrução, se valeu dos serviços de arquitetos, que atenderam ao seu ideal de casa, a um custo compatível com sua renda. A pesquisa nos fez refletir também sobre dois outros aspectos, ligados ao ensino de Arquitetura e Urbanismo. Um deles é a tendência de glamourização da profissão a partir da escola. Isto é, de ensinar aos alunos especialmente projetos de temas complexos, algo fora da realidade que o arquiteto vai encontrar após se formar. Não é isso que as cidades precisam em contingente tão amplo. O que se necessita, de fato, é formar arquitetos com capacidade para enfrentar situações típicas do cotidiano e produzir uma arquitetura média de boa qualidade, tecnicamente bem concebida e construída. O segundo aspecto refere-se ao empreendedorismo. Nossas escolas não qualificam os arquitetos e urbanistas para montar seus negócios, constituírem-se como empresas prestadoras de serviços. Daí a luta do CAU-BR e das entidades nacionais de arquitetos e urbanistas pela diminuição das alíquotas do Supersimples – algo fundamental para incentivar a organização dos escritórios de jovens arquitetos, que trabalham com pequenos projetos e construções. As instituições de ensino de Arquitetura e Urbanismo também poderiam participar desse movimento já na formação dos novos profissionais.
Veja a pesquisa Datafolha/CAU-BR na íntegra
http://www.caubr.gov.br/pesquisa2015/
Entrevistado
Arquiteto e urbanista Haroldo Pinheiro, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-BR)
Contato: presidente@caubr.gov.br
Crédito foto: Cortesia/CAU-BR
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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