Indústria do cimento enfrenta desafios de produtividade e ambientais

Para Vanderley John, CO₂ com custo progressivo e inovação são algumas das soluções

Para Vanderley John, CO₂ com custo progressivo e inovação são algumas das soluções.
Crédito: Romão Filmes

Como aumentar a produtividade na indústria do cimento e da construção ao mesmo tempo em que se mitiga as emissões de CO2? Isto é o que discutiu Vanderley John, professor titular de Materiais e Componentes de Construção da Escola Politécnica da USP, durante o 8º Congresso Brasileiro do Cimento, em sua palestra “O Papel da Inovação na Produtividade, Custos e Descarbonização”. 

Produtividade

A indústria da construção brasileira enfrenta um desafio significativo com relação à produtividade. “Este termo é quanta riqueza a gente cria com o nosso trabalho. E a construção brasileira tem uma produtividade muito baixa. Nós geramos pouca riqueza com muito trabalho”, pontua John.

Com uma produtividade cerca de um quinto da média mundial, o setor se vê diante de implicações profundas para a economia, a sustentabilidade e a força de trabalho. “Baixa produtividade traz baixos salários e baixa atratividade de mão de obra. E o setor tem relatado que sempre que a construção começa a esquentar, falta mão de obra”, afirma o professor. 

Envelhecimento Populacional 

O Brasil experimenta um envelhecimento de sua população, resultando em uma diminuição anual da força de trabalho. “Historicamente, o crescimento econômico brasileiro contou com o aumento da força de trabalho para impulsionar a riqueza nacional. Entretanto, com a mão de obra jovem se tornando escassa, especialmente na construção, o país enfrenta a necessidade de uma mudança fundamental”, explica John.

Ao mesmo tempo, o mercado de cimento, vital para a construção, depende significativamente da autoconstrução, representando cerca de 60-65% das vendas de cimento em saco. No entanto, com a população envelhecendo, a tendência é que esse mercado diminua, apresentando desafios importantes para a indústria do cimento.

“O drama do cimento é que 70% dele é misturado em canteiro, uma atividade manual superpesada. Só 7% do cimento usado no Brasil é usado para industrializado, o que inclui pré-moldados e placas de fibrocimento, que é um componente grande e leve que poderia competir nesse mercado. Todo o resto está ligado a construções de baixa produtividade. O que mais me preocupa é que o envelhecimento da população impacta diretamente no mercado de cimento. Isso não dá para negociar, não tem subsídio para envelhecimento”, comenta John. 

Para a lidar com estes desafios, John sugere que a construção formal aposte em soluções como a construção industrial, cimentos com alta resistência inicial, cimento autoadensável e produção digital. Já para a construção informal, a recomendação é apostar em soluções com baixo esforço físico, facilidade e velocidade de construção e montagem de peças leves

Desafios Ambientais 

As mudanças climáticas representam uma ameaça crescente, com a frequência de eventos climáticos extremos aumentando. “Dados indicam que, dos 30 meses mais quentes desde 1940, 97% ocorreram desde 2000, sendo que 40% ocorreram desde 2020 e 13% apenas em 2023. Essa realidade tem implicações práticas, como as recentes chuvas em São Paulo, que deixaram boa parte da cidade sem luz”, lembra John.

Para os problemas de produtividade e mudanças climáticas, a solução tradicional de mitigação é a substituição do clinquer por moagem conjunta. “Isso explica 90% da redução da pegada de carbono entre 1990 e 2020. Ganhos de energias são outros 10%. Conseguimos grandes reduções nos primeiros anos, mas desde 2005-2010 estamos praticamente estagnados. A nossa capacidade de mitigar as emissões utilizando a nossa rota de moagem conjunta e resíduos se esgotou. Tem também o fíller, cuja grande vantagem é acelerar a resistência inicial do cimento, impulsionando também a taxa de hidratação. No entanto, o efeito positivo dele vai se esgotar rapidamente”, alerta John.

Outro grande desafio do setor é relacionado ao financeiro. “Quanto mais elevado o preço de nosso cimento e maior a emissão de CO2, mais oneroso torna-se o produto, resultando em uma redução do nosso espaço de mercado. Compreendo plenamente a complexidade de substituir o cimento em sua forma atual, considerando o custo. Contudo, se houver um aumento de 10% a 15% no preço, alternativas como a madeira começam a se tornar competitivas. Se as condições mudarem, incluindo a dinâmica da mão de obra e uma eventual baixa produtividade, corremos o risco de perder participação no mercado. Vale ressaltar que a Associação Global de Cimento e Concreto (GCCA) é pioneira ao reconhecer explicitamente que o setor enfrentará um crescimento reduzido devido à precificação do carbono”, declara John.

Crédito: Romão Filmes

A captura de carbono, embora com uma abordagem eficaz, não é isenta de desafios financeiros, com um custo significativo de 100 dólares por tonelada. “Este valor impactaria negativamente nossa produtividade de maneira drástica, enquanto outros setores podem ganhar escala mais facilmente”, afirma o professor. A aplicação de argila calcinada em produtos de alta resistência inicial e sofisticado, como uma viga criada em uma impressora 3D, não é uma solução viável, segundo John.

Ponderações e soluções 

Durante o 8° Congresso Brasileiro do Cimento, o professor comentou algumas das soluções possíveis para a mitigação de emissões. “Nós temos uma meta muito ambiciosa (zerar emissões de CO2 na indústria do cimento até 2050), mas sem investimento, e sem mudança de postura, não vamos evoluir. Então precisamos de plano de investimento e de execução para dar credibilidade para meta e não desgastar a autoridade que o setor tem hoje para falar de CO2”, comenta. 

Veja algumas conclusões do professor:

  • CO2 com custo progressivo 

Ao abordarmos a inovação, é imperativo considerar não apenas os custos atuais, mas também os custos futuros, incluindo o preço do carbono. “Esta é uma lacuna crítica em nosso modelo atual, uma vez que não há certeza quanto ao valor futuro do carbono. Uma atenção cuidadosa à precificação do carbono, juntamente com um plano de investimento e execução, é essencial para conferir credibilidade às metas estabelecidas e fortalecer a posição do setor na discussão sobre CO2”, defende John.

O professor ainda aponta que o CO2 terá custo progressivo e que o setor precisa trabalhar para que o processo seja rápido e sob controle.

“Inicialmente, é crucial estabelecer um mercado para produtos de baixo carbono à base de cimento. Podemos promover ativamente a aquisição desses produtos por parte do governo, criando assim uma demanda significativa. Além disso, é imperativo dar um suporte sólido ao desenvolvimento do mercado de carbono. O setor, naturalmente, está altamente interessado em um mercado de carbono que estabeleça uma precificação previsível e progressiva para o carbono. Vale ressaltar um ponto essencial: um imposto de 2 ou 10 dólares por tonelada não representa uma solução substancial. Isso beneficia principalmente o governo em termos de arrecadação, sem oferecer uma mudança real no panorama ambiental. Devemos aprender com as experiências da Colômbia e da Argentina, onde abordagens semelhantes não foram eficazes”, comenta John.

  • Carbono zero aumenta o custo f (fator clínquer)

O futuro do cimento da indústria é a alta produtividade. “A alta indústria de produtividade hoje é só com fator de clinquer. Não vai ser competitivo. Como a gente vai fazer isso funcionar? Se a gente quer ter fator de clinquer 0.5 na média, eu tenho que ter cimentos com fator de clínquer 0.2 ou 0.3 no mercado e não posso ter cimento com fator de clínquer 0.9. Como eu vou resolver isso? Quando eu cruzo produtividade com CO2 com a solução estabelecida, eu tenho um problema. E para isso ninguém tem solução acabada. Nossa solução é inovar”, pontua. 

  • Especificação do cimento baseada em desempenho

Segundo John, a parceria USP ABCP, vem trabalhando nisso e está tendo avanços. “Temos boas ideias e com consenso”, explica. 

  • Indústria 4.0

Para enfrentar esse desafio, uma abordagem informada por dados e tecnologias avançadas, como inteligência artificial e Indústria 4.0, surge como um caminho promissor. Para o professor, isso implica não apenas em maturidade, mas em uma busca por informações mais sofisticadas e métodos inovadores, a fim de automatizar eficientemente os processos de construção.

Fonte:

Vanderley John é professor titular de Materiais e Componentes de Construção da Escola Politécnica da USP. Coordena o Instituto Nacional de Tecnologias Cimentícias Ecoeficientes Avançadas, o Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS USP) e a unidade EMBRAPII CICS USP. Representa a USP na coordenação do hubIC. Tem se dedicado ao desenvolvimento de soluções de baixo carbono em grande escala para a área de materiais cimentícios, especialmente em cooperação com empresas. É coautor do relatório ONU Meio Ambiente Eco-efficient cements: Potential economically viable solutions for a low carbon cement-based materials industry. 

Contato
vmjohn@usp.com.br

Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP

A opinião dos entrevistados não reflete necessariamente a opinião da Cia. de Cimento Itambé.



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