Incêndio na Califórnia: por que a casa de concreto resistiu?
Imagem de residência intacta, rodeada por casas de madeira destruídas, chamou a atenção na internet
Durante os recentes incêndios na Califórnia, uma cena chamou atenção e viralizou na internet: uma casa de concreto em Los Angeles permaneceu intacta em meio às chamas, enquanto as demais, construídas em madeira e outros métodos, foram consumidas pelo fogo. Quer saber por que isso acontece? O Massa Cinzenta consultou alguns especialistas no assunto.
De acordo com Fabrício Bolina, engenheiro civil e doutor em Engenharia de Segurança contra Incêndio pela Universidade de Coimbra, o concreto é sabidamente um material de ótima performance em situação de incêndio devido as suas propriedades térmicas. “O concreto possui baixa difusividade térmica (isto é, “conduz menos calor”) se comparado a outros materiais, como por exemplo o aço, e também é incombustível (ou seja, “não pega fogo”), diferentemente de algumas madeiras. Logo, tais características o capacitam como uma solução construtiva eficiente em um cenário de incêndio, além de exigir baixa manutenção para preservar essa característica ao longo de sua vida útil. No caso do incêndio nos EUA, a emblemática casa de Malibu que ficou em pé era de concreto, tanto as paredes quanto o teto”, explica.
Além de ser feita de concreto, a casa também possui telhado à prova de fogo. No entanto, Bolina destaca que não é possível atribuir somente ao teto tal justificativa. “Mesmo porque se as paredes que o sustentam fossem sensíveis a alta temperatura, o teto ruiria. Claro que, no caso do incêndio florestal, existe alta radiação incidente sobre os telhados, e uma boa concepção desse sistema é crucial, mas não pode ser tratado como o único fator”, pondera.
Bolina ainda lembra que um conjunto de condicionantes acabaram por contribuir para a baixa consequência do incêndio em algumas casas, tais como direção do vento, afastamento lateral entre edificações vizinhas, a existência de proteção passiva, aberturas resistentes ao fogo das casas, entre outros. “Algumas casas eram realmente preparadas para o cenário. No caso da casa de Malibu, por exemplo, ela tinha paredes e teto resistentes ao fogo construídas em concreto, o que foi, portanto, fundamental”, informa.
Clemenceau Chiabi Saliba Jr, engenheiro civil e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia Nacional (IBAPE), destaca também que durante um incêndio, a resistência de uma estrutura depende de diversos fatores. “No caso de uma construção de concreto armado, o grande problema não é o concreto em si, mas o aço que compõe sua armação. O concreto sofre uma degradação mais lenta ao ser exposto ao fogo, mas sua principal função é proteger o aço da alta temperatura. Quando o calor atinge o aço, ele começa a perder sua resistência (escoamento) e, eventualmente, pode levar ao colapso da estrutura. Por isso, é fundamental que o concreto seja projetado de forma adequada para garantir a segurança”, assegura.
Entre os cuidados necessários, estão a composição do concreto (quantidade de areia, brita, água e aditivos) e a espessura do cobrimento, ou seja, a camada de concreto que envolve os vergalhões de aço. “A exposição ao fogo também varia dependendo da fonte do incêndio: incêndios de hidrocarbonetos, como os derivados de petróleo, atingem temperaturas extremamente altas em pouco tempo, enquanto incêndios de materiais orgânicos, como madeira, tendem a gerar temperaturas mais baixas e o concreto pode suportar um pouco mais. Na sua essência, o concreto pode aguentar de três a quatro horas de exposição ao fogo sem colapsar, dependendo das condições e do projeto”, aponta Saliba Jr.
Para o ex-presidente do IBAPE, no caso da residência mencionada, sua estrutura de concreto foi fundamental para que ela não colapsasse. “Se fosse feita de madeira, drywall ou mesmo de um sistema steel frame com aço, teria colapsado rapidamente”, justifica.
Proteção passiva contra incêndios
De acordo com Saliba Jr., existe o conceito de proteção passiva contra incêndios, que é obrigatória em muitos casos, como em prédios comerciais em São Paulo. “Essa proteção pode ser aplicada em formas de projeções, placas ou pinturas e serve para retardar a propagação do fogo e garantir que a estrutura mantenha sua integridade por tempo suficiente para que os bombeiros realizem resgates e o controle do incêndio”, informa.
Casa após incêndio
Esta casa poderá ser habitada novamente após o incêndio? A resposta é: depende. “É preciso que se faça uma análise por um especialista técnico para averiguar a magnitude do dano sofrido. O fato dela ter ficado em pé não significa que a edificação esteja íntegra e segura para ser habitada novamente. Existe a possibilidade de a estrutura ter sido parcialmente danificada. Como exemplo, ela pode ter sofrido deformações excessivas, desplacamento do concreto, exposição das armaduras que estão dentro dele, entre outros. A casa foi ‘agredida’ pela ação do fogo e calor, e sabemos que as temperaturas elevadas provocam danos importantes ao concreto. É preciso que uma inspeção prévia seja feita antes de liberar a construção para o uso. Ela pode estar em pé, mas isso não significa que ela está segura”, alerta Bolina.
Saliba Jr. concorda com a informação: “É necessário realizar um estudo para avaliar o impacto do incêndio no concreto. Em uma estrutura de concreto, é imprescindível verificar o grau de comprometimento da estrutura: quantos centímetros foram afetados, se houve perda significativa de resistência e se ela ainda atende aos requisitos de segurança. Normalmente, pequenos reparos são suficientes, dependendo do tempo de exposição ao fogo e da temperatura atingida. Em alguns casos, pode haver colapso da estrutura, mesmo assim é possível realizar um estudo pericial para avaliar também as fundações. Em praticamente todos os trabalhos que realizei relacionados a incêndios, foi possível aproveitar boa parte das fundações, mesmo quando a estrutura acima delas entrou em colapso. Se o tempo de exposição ao fogo for inferior a quatro horas, geralmente os danos à estrutura são mínimos e podem ser corrigidos sem grandes dificuldades”.
Resistência do concreto ao fogo
Segundo Bolina, o dano que o concreto sofre quando submetido às altas temperaturas repercute na performance da estrutura como um todo. “Aliás, todos os materiais construtivos sofrem, não sendo um problema unicamente do concreto. O concreto sob ação do calor sofre transformações químicas, físicas e mecânicas. Pela perspectiva física, uma temperatura da faixa dos 100 °C possivelmente já produza danos ao concreto, porém restringindo-se apenas a superfície. A umidade interna do concreto tende a evaporar, gerando uma pressão interna que pode literalmente desplacar o material. É um fenômeno conhecido como spalling ou desplacamento, estando atrelado a diversas outras variáveis e não apenas a relação umidade versus temperatura. Já na temperatura na faixa dos 400°-500°C começa a provocar danos mecânicos mais significativos ao concreto, fazendo com que ele perca resistência. Mas cabe ressaltar que a estrutura de concreto é muito robusta e como a condutividade térmica do concreto é baixa, pode ser que a temperatura do incêndio esteja em 1000°C e internamente a estrutura esteja a, por exemplo, 50°C. O concreto é um mau condutor de calor e, ademais, diversas variáveis devem ser levadas em consideração. Logo, é fundamental que haja um projeto”, afirma.
Normas referentes a concreto e incêndio no Brasil
Bolina lembra que no Brasil há a NBR 15200 – Projeto de Estruturas de Concreto Armado em Situação de Incêndio, que, inclusive, foi revisada em 2024. “Prever a ação do incêndio nas estruturas de concreto no Brasil é uma obrigatoriedade, inclusive sob força de lei, haja visto que o próprio Corpo de Bombeiros estabelece como requisito obrigatório o atendimento da segurança estrutural em situação de incêndio. Além de constar em norma técnica, o requisito está nas leis de cada estado, e o projetista tem que se atentar quanto a essa obrigatoriedade sob o risco de ser responsabilizado criminalmente pela negligência”, destaca.
Saliba Jr. menciona que edifícios comerciais devem atender a requisitos de proteção contra incêndios que garantam, dependendo do uso e da localização, um tempo de resistência mínima de três horas. “Esse tempo é essencial para assegurar a evacuação segura das pessoas e permitir que os bombeiros realizem o atendimento adequado. Essa proteção pode ser garantida pelo próprio concreto, ajustando-se à espessura do cobrimento da armadura, ou, no caso de estruturas metálicas, por meio de proteções passivas. Normalmente, utiliza-se uma combinação dessas estratégias para alcançar maior eficiência. Além disso, adota-se a compartimentação dos pavimentos como medida adicional, evitando que o incêndio se propague de um andar para outro”, afirma.
Outras normas técnicas brasileiras relevantes para o tema incluem:
- NBR 14432:2001 – Estabelece os critérios de resistência ao fogo para estruturas de concreto, definindo o Tempo Requerido de Resistência ao Fogo (TRRF), que é o período mínimo em que um elemento construtivo deve manter sua integridade estrutural durante um incêndio.
- NBR 9077:2001 – Determina que as estruturas de edifícios com áreas de refúgio devem garantir uma resistência ao fogo mínima de quatro horas, contribuindo para a segurança em emergências.
- NBR 15.575 – Norma de desempenho que fornece diretrizes para facilitar a evacuação segura em caso de incêndio, protegendo os ocupantes e promovendo maior resiliência das edificações.
É fundamental que arquitetos, engenheiros e projetistas considerem essas normas técnicas em conjunto com as exigências do Código Estadual de Proteção Contra Incêndio, garantindo conformidade com os regulamentos e maior segurança para os usuários das edificações.
Entrevistados
Fabrício Bolina é engenheiro civil e doutor em Engenharia de Segurança contra Incêndio pela Universidade de Coimbra, Portugal. Atua há mais de uma década na área de estruturas versus segurança contra incêndio, já tendo publicado mais de 100 artigos técnicos em revistas renomadas e congressos nacionais e internacionais, atuando em pesquisas nos Estados Unidos, Portugal, Itália e França. Autor do livro “Patologia de Estruturas”, publicado pela Oficina de Textos em 2019. Atual coordenador da revisão da NBR 15200, norma que versa sobre projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio. Atualmente é professor na UFSM, percorrendo o Brasil para ministrar aulas e palestras sobre o tema.
Clemenceau Chiabi Saliba Jr é engenheiro civil e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia Nacional (IBAPE). Hoje é membro do conselho do IBAPE
Contato
fabriciobolina@gmail.com
secretaria@ibape-sp.org.br
Jornalista responsável:
Marina Pastore – DRT 48378/SP
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