Escola falha em inovação e prejudica empresas
Do ensino fundamental às universidades, políticas pedagógicas valorizam pouco os mecanismos que formam profissionais focados na produtividade
Do ensino fundamental às universidades, políticas pedagógicas valorizam pouco os mecanismos que formam profissionais focados na produtividade
Por: Altair Santos
Para o consultor Mário Mendes Júnior, as escolas brasileiras – do ensino fundamental às universidades – têm políticas pedagógicas equivocadas em relação à inovação. Elas priorizam a escolarização em detrimento do espírito empreendedor, um dos pilares que levam ao surgimento de movimentos inovadores. Ainda segundo Mário Mendes Júnior, o governo também erra em não financiar a inovação, direcionando recursos maiores para projetos e empresas já consolidadas. Assim, o país deixa de dar um tratamento linear à inovação, limitando-se a nichos. Um deles é a construção civil, como o entrevistado revela a seguir:
Por que o Brasil ocupa posição tão ruim em rankings internacionais de inovação?
Porque investe errado na educação. Digo isto, porque ciência, tecnologia e inovação estão muito distantes da população, chegando a ser quase uma ficção de Júlio Verne para a maioria dos brasileiros. Como no Brasil a maior parte das inovações acontece por acaso, e os índices de classificação quase sempre estão ligados ao número de registro de patentes, sempre ficamos para trás. Identificar a inovação e ter acesso a sua proteção é fundamental para começarmos a melhorar a nossa participação nos rankings. Um bom exemplo é o caso do inventor brasileiro do identificador de chamadas telefônicas (Bina), que luta na justiça até hoje pelos seus direitos de propriedade intelectual.
Qual a responsabilidade do governo neste mau desempenho?
Crianças crescem muito rápido e não pertencem a nós (seus pais). Elas pertencem ao seu tempo. Aplico aqui esta frase porque é comum no Brasil confundirmos educação com escolarização, embora ambos apoiem na formação do indivíduo. O problema é que as políticas pedagógicas que norteiam a educação no Brasil são totalmente equivocadas e pouco levam em consideração os mecanismos de produção de inovação.
Qual a responsabilidade das empresas neste mau desempenho?
No Brasil, competir no mercado internacional já é algo muito inovador. O que faz com que uma companhia seja mais inovadora de fato não é apenas o que ela inventa, mas sim como gasta o escasso recurso disponível. A habilidade para direcionar investimentos e executar estratégias é a verdadeira responsabilidade das empresas brasileiras, tendo em vista o restrito cenário que têm para inovar.
Qual a responsabilidade das universidades neste mau desempenho?
O principal papel das universidades é inovar na metodologia de atração de estudantes mais talentosos, estimulando a empreenderem. No Brasil, ainda se tem a cultura catedrática de segregar o mundo das ciências: exatas, biológicas, humanas e artes. Este esquema é contraproducente, pois quanto mais humanizado e eclético um engenheiro for, mais percepção das necessidades da sociedade terá. Isto vale também para as artes, cada vez mais audiovisuais e tecnológicas. Sair da era dos diodos e tríodos para a da colaboração multidisciplinar é o fator crítico de sucesso das universidades brasileiras.
Há algum segmento da economia nacional que se destaque em inovação?
Sim, a construção civil sempre se destacou e ainda será a vanguarda das próximas décadas. Não apenas pela demanda sempre crescente da infraestrutura, e pela necessidade de eliminação do déficit habitacional brasileiro, mas também pela contribuição mundial que nossos urbanistas e engenheiros emprestam ao mundo há mais de um século. Um bom exemplo é o engenheiro civil Saturnino de Brito (patrono da engenharia sanitária do país). Passados mais de 84 anos, algumas de suas obras seguem extremamente eficientes e resolveram muitas das mazelas de água e esgoto nas cidades brasileiras e também mundo afora. Em resumo: criamos uma grande escola de engenharia para desenvolvimento de cidades.
Como o senhor vê a construção civil brasileira sob o aspecto da inovação?
Se a construção civil não inovar a passos mais largos no Brasil, será inviável viver em uma sociedade sustentável. As políticas públicas até 2050 certamente suprirão nosso déficit habitacional e finalmente teremos resolvido as questões de água e esgoto, pois isso já vem acontecendo em diversos países. No futuro não haverá lixo, e sim matéria-prima a ser reprocessada. Este é o futuro da construção: desenvolvimento de materiais cerâmicos, polímeros e biopolímeros com ciclos eternos de reutilização. Não tenho dúvida de que o setor dará conta, pois algo parecido já ocorreu na área envolvendo a migração das tecnologias de materiais da petroquímica para a cloroquímica.
O setor da construção civil é, naturalmente, árido para a inovação ou há segmentos ainda mais restritos?
Há tanto espaço para inovação na construção civil quanto a defasagem existente entre o que conhecemos sobre o universo e a sua real extensão. Abrir a mente para novos modelos de moradias e novos materiais será premissa fundamental. Quando se trata de inovação, não há segmento restrito, pois sempre haverá a possibilidade de resolver uma demanda de forma mais econômica, sustentável e segura. A restrição sempre será o acesso ao capital de risco, já que alguns segmentos são mais atraentes para os investidores.
O capital humano é o grande propulsor da inovação?
Digamos que seja o vetor fundamental. Porém, sem política industrial de inovação ainda seremos meros coadjuvantes neste processo. Ainda que o mundo esteja cada vez mais plano, as novas tecnologias de produtos e serviços deverão complementar outros processos tecnológicos globais. Temos como exemplo disto a dobradinha Estados Unidos e Índia nos segmentos de Tecnologia da Informação e Comunicação.
Mas só capital humano não basta. O que é preciso mais?
É preciso um maior acesso ao capital de risco empreendedor, que leve em conta os setores mais promissores e estratégicos do Brasil, em detrimento das empresas consolidadas de mercado – hoje financiadas pelo BNDES.
O que o Brasil deve fazer para melhorar seu desempenho em inovação?
É preciso uma nova geopolítica e também renovação política para que os reduzidos programas de subvenção econômica e fomento sejam mais eficazes. Nossos parceiros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estão mais rápidos do que nós neste nivelamento do globo.
Entrevistado
Pesquisador Mário Mendes Junior, voltado a temas de desenvolvimento econômico mundial. É autor do livro “Procura-se Jovem Negro para Salvar o Planeta”.
Contato: mariomj@terra.com.br
Crédito Foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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