Engenheiro precisa aprender a dizer não

Nem todos os projetos devem ser encampados pelos profissionais, ensinam Jorge Batlouni Neto e Roberto Bernasconi. Para eles, qualidade da obra é fator determinante.

Nem todos os projetos devem ser encampados pelos profissionais, ensinam Jorge Batlouni Neto e Roberto Bernasconi. Para eles, qualidade da obra é fator determinante

Por: Altair Santos

Os engenheiros civis José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva) de São Paulo-SP, e Jorge Batlouni Neto, coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP (Sindicato da Construção) acompanharam em setembro de 2012 uma missão técnica brasileira que visitou diversas construções na Alemanha. O objetivo foi verificar como o principal país europeu conseguiu fazer o setor da construção civil investir em qualidade, eliminando o desperdício e o retrabalho durante as várias fases de uma obra. A conclusão foi que, para chegar aonde chegou, a Alemanha teve uma participação decisiva de seus engenheiros. Mobilizados, os profissionais aprenderam a dizer não para projetos não comprometidos com produtividade e sustentabilidade.

Jorge Batlouni Neto: tudo que é planejado na engenharia dá certo.

Para Bernasconi e Batlouni Neto, é hora da categoria fazer o mesmo no Brasil. “O contratante precisa saber que tudo que é planejado na engenharia dá certo. Só que isso requer projetos bem consolidados, simples e com remuneração justa. A Alemanha nos deu essa lição, mostrando que eles estão focados em estruturas que combinam economicidade e segurança. Eles chegaram ao ponto de produzir concreto e aço com preço 50% mais barato que no Brasil. Além disso, a mão de obra deles hoje está em 8 a 9 homens/hora por m³ de concreto consumido em obra. No Brasil, até 1995, esse valor era de 72 homens/hora e atualmente foi reduzido para 17 homens/hora, o que ainda é muito alto. Houve uma evolução significativa no país, de 2007 para cá, mas o Custo Brasil ainda nos impõe projetos de risco. É para isso que temos que aprender a dizer não”, afirma Jorge Batlouni Neto.

O presidente do Sinaenco avalia que trata-se de uma questão cultural entre o que acontece na Alemanha e no Brasil. “A engenharia é o instrumento de crescimento e o engenheiro é o operador desse crescimento. Então, lá na Alemanha, todas as etapas de uma licitação têm engenheiros envolvidos, sobretudo nas obras públicas. Aqui, isso não ocorre. Prevalece uma única tese: licitação no menor prazo e com menor preço. É uma realidade cruel que deve piorar com a lei 8.666, que institui o Regime Diferenciado de Contratação (RDC). Isso está possibilitando algumas aberrações, como licitações serem vencidas com desconto de 47% no orçamento. Só há uma certeza nesta prática: o serviço não será de qualidade. Para isso, o engenheiro precisa aprender a dizer não”, alerta Roberto Bernasconi.

Roberto Bernasconi: sem engenharia não se faz desenvolvimento com qualidade.

No 15º Enece (Encontro Nacional de Engenharia e Consultoria Estrutural) que ocorreu em outubro, em São Paulo, Bernasconi e Batlouni participaram de uma mesa redonda em que expuseram um exemplo clássico de obra licitada pelo menor preço, que gerou uma construção de má qualidade e que compromete a credibilidade da engenharia. “Na Transposição do rio São Francisco, em um dos 14 lotes, num trecho de dez quilômetros, existe apenas dois furos de sondagem, ou seja, houve um total desrespeito com a engenharia“, reclama Bernasconi. Os furos de sondagens são regulamentados pela norma técnica NBR 6484. Ela define o número de furos de sondagem de acordo com a área de projeção da edificação e do padrão do solo.

Uma proposta colocada por Bernasconi é que CONFEA/Crea e CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) criem códigos de ética que disciplinem a participação de construtoras em licitações, regulando preço mínimo e prazo para a apresentação de projetos consistentes. “O ganho pela economia deve ter restrições, tanto na área pública quanto no setor privado. Hoje há muita gente vendendo soluções mágicas e desrespeitando os critérios de engenharia, que são muito sérios. Não é à toa que tem se visto muitos casos de patologias em obras. Nestes casos, é melhor dizer não que entrar numa aventura”, finaliza o presidente do Sinaenco.

Entrevistados
José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva) de São Paulo-SP, e Jorge Batlouni Neto, coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP (Sindicato da Construção)
Currículos
Jorge Batlouni Neto é graduado e pós-graduado em engenharia civil pela Escola Politécnica da USP e mestre em engenharia pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo)
– É diretor-técnico da Tecnum & Corporate Empreendimentos Imobiliários, além de professor de tecnologia na gestão da produção de edifício do MBA da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
– Também atua como coordenador do grupo de estruturas do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP, além de ocupar o cargo de assessor da presidência do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto)
José Roberto Bernasconi é graduado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e advogado pela Faculdade de Direito pela Universidade Paulista de São Paulo
– Foi professor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, no Departamento de Estruturas e Fundações (1970 a 1975) das disciplinas construções de concreto e, posteriormente, pontes e grandes Estruturas
– Preside o Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva) de São Paulo-SP
Contatos: jbn@tecnum.com.br / sinaenco@sinaenco.com.br
Créditos fotos: Divulgação / Itambé

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330


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