Engenharia e Direito tornam-se áreas irmãs
Cada vez mais expostos a leis, normas e códigos, engenheiros mergulham no mundo jurídico para se adequar à nova realidade da profissão
Cada vez mais expostos a leis, normas e códigos, engenheiros mergulham no mundo jurídico para se adequar à nova realidade da profissão
Na Escola Politécnica (Poli) da USP (Universidade de São Paulo), um grupo de pesquisadores liderado pelo professor Pedro Luís Próspero Sanchez desenvolveu estudos para aproximar duas áreas aparentemente distantes entre si, mas que, nos dias atuais, se influenciam reciprocamente: Engenharia e Direito. De acordo com o professor, a ideia surgiu a partir da constatação de que, no Brasil, a atividade pericial – que é frequentemente realizada por engenheiros civis -, apresenta uma formação deficiente.
Em 2003, a linha de estudos foi aprovada pela Comissão de Pesquisa da Poli. Em 2004, começaram a ser oferecidas as disciplinas de pós-graduação: Tópicos de Direito Tecnológico, Ciência Forense aplicada a Sistemas de Informação, Fundamentos da Ciência Forense e Metodologia da Prova Pericial.
Atualmente, a equipe é composta por cerca de 20 pesquisadores, mestrandos e doutorandos e atrai profissionais como engenheiros, advogados, auditores, contadores, peritos criminais, policiais federais e professores. Em 2007, o conhecimento da área passou a estar disponível não apenas aos alunos da pós, mas para a estrutura curricular da graduação, com a criação da disciplina Engenharia Legal.
Doutor na área, o professor Pedro Luís Próspero Sanchez concedeu a seguinte entrevista sobre a aproximação entre Engenharia e Direito:
Apesar de os cursos de Engenharia terem disciplinas sobre legislação, jamais se imaginou que o Direito passasse a ser tão requisitado pelos engenheiros, como atualmente, a que se deve isso?
Eu acho que é uma percepção pelo profissional da área tecnológica de que o Direito é que regula a sociedade e é, de certa forma, uma consequência dos valores e dos parâmetros que a sociedade entende como adequados. Então, a percepção do Direito é um elemento importante na profissão do engenheiro. A atividade de Engenharia não acontece assim isolada no vazio, ela depende das relações humanas, ela atende necessidades humanas e, sob este ponto de vista, entender do Direito é essencial.
No caso da construção civil, hoje temos o código do consumidor, que torna o comprador de um imóvel mais protegido de obras defeituosas. Isso também influenciou na aproximação da Engenharia e do Direito?
O código do consumidor na verdade tem a sua influência, porque a Engenharia, de modo geral, e a Engenharia Civil, especificamente, acaba significando uma prestação de serviço, seja para o consumidor diretamente ou para o fornecedor de um produto. Direta ou indiretamente, ela atende ao consumidor. Agora, eu diria o seguinte: o código do consumidor conscientizou a população de que o serviço, o trabalho, o produto têm uma garantia de qualidade, de segurança. Isso levou o engenheiro a ser mais preventivo, até naquilo que concerne às leis que envolvem a construção de um imóvel.
Qual área da Engenharia que mais busca a especialização jurídica?
Na engenharia civil existe um número expressivo de engenheiros em busca dessa formação. Por quê? Existem muitos engenheiros que trabalham como peritos judiciais em avaliação de imóveis. É comum uma construtora erguer um edifício ao lado de casas e isso requer uma perícia preventiva nas residências vizinhas para evitar que se atribuam danos futuros àquela obra. Então, os engenheiros-peritos precisam de uma boa base jurídica para poderem se comunicar melhor com o juiz e com os advogados, para que haja um entendimento melhor sobre o objetivo daquela perícia e qual é a implicação jurídica daquele resultado.
O senhor citou a comunicação entre as áreas técnicas e jurídicas. Hoje há muitos ruídos nesta relação?
Na essência a comunicação é inadequada entre o profissional de engenharia e o profissional jurídico. Às vezes, o profissional é extremamente competente, faz um trabalho tecnicamente impecável, mas não consegue passar o significado técnico para uma pessoa que, por definição, é leiga em engenharia civil. No caso, o juiz. Então, o trabalho técnico não pode ser perfeito só para o engenheiro, mas para o juiz. O profissional de engenharia civil tem de saber o que é importante, o que é relevante e qual é o objetivo do juiz. Mas aí existe um problema mais grave, que é o Código Civil. Nele, diz o seguinte: em não havendo alguém com especialização técnica na comunidade – e vai se entender comunidade como a comarca em que juiz tem jurisdição – não precisa. Se formos interpretar a lei como está, ela quer dizer que se lá na comarca não tem engenheiro civil-perito até o farmacêutico serve. E é bem isso que acontece.
Então é o caso de haver uma legislação mais clara quanto a estas questões de perícia?
A legislação atual não entra nas questões técnicas e nem é possível, pois a tecnologia está sempre evoluindo e é muito complicado você engessar em normas legais estas questões. O que é necessário é criar varas judiciais especializadas para o tratamento de matérias técnicas. Hoje, por exemplo, existem varas especializadas em falências, em recuperação de empresas e isso é uma área do Direito Empresarial. Assim como existem varas criminais. Então é preciso criar varas especializadas em tecnologia e, especificando um pouco mais, varas que envolvam questões de Engenharia Civil. Se isso ocorresse, os juízes, que num primeiro momento não têm experiência com o tema, passariam a adquirir experiência e começaria a se criar uma jurisprudência um pouco mais firme, um pouco mais uniforme sobre certos temas. Outra coisa importante é que as escolas de magistratura dessem aos juízes uma capacitação maior sobre questões que envolvem ciência, tecnologia, perícia, o que eles não têm.
Não seria relevante também que advogados e magistrados se especializassem em engenharia para entender da matéria que, por ventura, venham a julgar?
Exatamente. Eu conheço vários engenheiros, em especial os civis, que também são advogados e até alguns anos atrás não conhecia nenhum advogado que também fosse engenheiro civil, por exemplo. Só em 2008 eu conheci dois. Ou seja, engenheiro que depois faz o curso de Direito não é maioria, mas é um fato comum. A gente acha sem grandes dificuldades. Agora, que seja advogado, que tenha feito exame de Ordem (dos Advogados do Brasil), já é mais difícil. Existem muitos engenheiros civis com formação jurídica e destes, cerca de 20% a 30%, são advogados que prestaram exame de Ordem. Mas é raro ver advogados exercendo a engenharia.
* Pedro Luís Próspero Sanchez é engenheiro eletricista, doutor e livre-docente em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. É bacharel em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É professor livre-docente do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde lidera a área de ensino e pesquisa em Engenharia Legal, Ciência e Tecnologia Forenses. É coordenador do grupo de Engenharia Legal, Ciência e Tecnologia Forenses da Universidade de São Paulo. Na USP, ministra a disciplina Engenharia Legal, no nível de graduação, e em pós-graduação ministra as disciplinas Tópicos de Direito Tecnológico, Metodologia da Prova Pericial, Fundamentos de Ciência Forense e Ciência Forense Aplicada a Sistemas de Informação.
Email Pedro Luís Próspero Sanchez: pl@lsi.usp.br
Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330 Tempestade Comunicação
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