Brasil não suporta nova década perdida na engenharia
Entre 2014 e 2015, demissões de profissionais superam as contratações, assim como as desistências dos cursos de graduação nas universidades
Entre 2014 e 2015, demissões de profissionais superam as contratações, assim como as desistências dos cursos de graduação nas universidades
Por: Altair Santos
De 2003 a 2013, o Brasil gerou 127 mil postos de trabalho para engenheiros – 1/3 destas vagas absorveu engenheiros civis. No mesmo período, o país tinha quase 755 mil profissionais ativos no mercado de trabalho na área de engenharia, dos quais 30% ligados à área de construção. A demanda causou falta de profissionais no mercado e um grande volume de jovens se matriculou nos seis cursos de engenharia mais concorridos no país: civil, mecânica, produção, metalúrgica, elétrica e química.
De 353 mil matrículas em 2010, o número saltou para 635 mil em 2013. Agora, esses futuros profissionais não sabem se poderão executar o que aprenderam. Os dados de 2014 e 2015 sinalizam que a engenharia pode ter entrado em uma nova década perdida, como ocorreu entre os anos 1980 e 1990. As demissões já superam as contratações e as desistências dos cursos nas universidades idem. Para o consultor Valter Pieracciani isso é um mau sinal. No entender dele, o Brasil não suportaria perder mais uma geração de engenheiros para a crise.
Confira a entrevista:
Recentemente, o jornal Folha de São Paulo mostrou as dificuldades que engenheiros vêm encontrando para se colocar no mercado. Por que isso ocorre com uma profissão que, em tese, teria demanda sobrando em um país que tem muito a construir?
Sou graduado em engenharia mecânica e quando me formei, em 1979, tínhamos uma crise muito grande na engenharia. Foi na época que nasceu a frase: “O engenheiro que virou suco”. Por quê? Um dos nossos colegas abriu uma barraca de suco na Avenida Paulista porque não tinha emprego para engenheiro. A gente já viu este filme e agora estamos vendo novamente, e com grande preocupação. O motivo é muito simples: o engenheiro é formado para trabalhar fundamentalmente em desenvolvimento e pesquisa. Teoricamente, existem dois grandes destinos para o engenheiro. Um é a construção civil, onde a engenharia brasileira é internacionalmente reconhecida; outro é a voltada para P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). O Brasil precisa de infraestrutura, de construção, de estradas, pontes, transporte hidroviário, enfim, precisa de engenharia do lado da infraestrutura e precisa de engenharia do lado da inovação, do lado da pesquisa, do desenvolvimento.
Parte da década de 1980 e da de 1990 foi considerada a década perdida para a engenharia. Corre-se o risco de isso se repetir?
Como disse, a história se repete. Hoje, os engenheiros estão buscando emprego no único lugar que está contratando: os bancos. Mas eles estão indo para o setor financeiro para calcular juros, ou seja, a engenharia brasileira está sendo usada para fazer o banco ganhar mais dinheiro, em vez de desenvolver competitividade para o país.
O Brasil suportaria mais uma década perdida em um setor tão estratégico para o país?
Se a engenharia brasileira perder mais uma década nós estaremos fora do contexto competitivo. A inserção do Brasil no mundo globalizado ficará em jogo. Vamos ser um país de commodities, de minério de ferro, de soja, que é o que o mundo desenvolvido quer que nós sejamos. Eles não querem que tenhamos uma indústria de alta tecnologia, capaz de fabricar aviões como faz a Embraer. Então, se não houver rapidamente uma virada, com incentivo à inovação e combate às mazelas da corrupção que hoje assola setores da construção civil, não será possível reativar o mercado de trabalho para engenheiros.
Existe uma geração de estudantes que procurou maciçamente as engenharias, acreditando que o país teria um crescimento sustentável. O que pode acontecer com esses jovens profissionais quando concluírem os cursos?
Muitos destes jovens entraram na faculdade na época do apagão na engenharia, quando o Brasil começou a crescer e faltaram engenheiros. No Brasil há uma curva de oferta e demanda que tem uma defasagem de cinco anos. Quando ocorre o apagão de engenheiros, todo mundo corre para as escolas de engenharia. Daí, o país entra em crise, corta investimentos e os engenheiros recém-formados se veem sem trabalho. No Brasil, não se pode nem planejar uma profissão. Hoje, uma parte dos jovens engenheiros está indo para os bancos e para as corretoras. Já a outra parte vai fazer trabalho que não é de engenheiro.
As engenharias mais procuradas nos vestibulares são civil, mecânica, produção, metalúrgica, elétrica e química. Destas, qual têm melhor mercado de trabalho ainda?
Não foram citadas a mecatrônica e a eletrônica, que, ao meu ver, são as que têm mais futuro, além da engenharia da computação.
Engenharia civil e engenharia mecânica seriam as mais afetadas?
São as que mais reagem ao choque de prosperidade e ao choque de congelamento das atividades. Hoje, a civil sofre por causa dos escândalos que atingem a construção civil e a mecânica por contas das indústrias, que estão de joelhos, respirando por aparelhos.
O chamado crescimento voo de galinha é o grande vilão dos engenheiros no Brasil?
Sim. Há cinco anos estávamos com uma demanda enorme para a engenharia. Hoje isso, acabou. Infelizmente, falta ao país a visão de longo prazo.
O engenheiro brasileiro tem mercado de trabalho fora do Brasil?
Ocorre uma globalização da engenharia, principalmente para jovens que dominam outros idiomas. Mas é preciso tomar cuidado para não cair no subemprego ou ter os conhecimentos de engenharia mal aproveitados. Uma alternativa melhor é o que ocorre com as startups, com os jovens engenheiros desenvolvendo empresas de base tecnológica. Mas não significa que o caminho seja fácil, pois se entra em um outro caminho: a dificuldade de prosperar com uma empresa no Brasil.
Diante do atual cenário, quando volta a ficar bom para os profissionais de engenharia?
O governo federal precisa fazer movimentos em direção ao investimento e à inovação. Existia a Lei do Bem, a lei 11.196, que incentivava as empresas a inovarem e a investir na engenharia. Mas a lei foi suspensa.
O que ocorreu com as principais empreiteiras brasileiras, após a operação Lava Jato, tende a afetar a engenharia, principalmente a civil, por longo tempo?
As empresas estão sem obras e sem perspectivas de contratos novos. Não há empregos para engenheiros. É muito assustador o que está acontecendo. Também não avalio que a abertura do mercado seja a solução. A vinda de empreiteiras chinesas e coreanas vai gerar emprego para engenheiros chineses e coreanos, não para os nossos jovens engenheiros.
Entrevistado
Valter Pieracciani, engenheiro mecânico, mestre em administração, empresário, consultor, pesquisador e escritor
Contato: vpieracciani@pieracciani.com.br
Crédito Foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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