Construção virtual vira realidade com o BIM
Tecnologia permite projetos em terceira dimensão e começa a ganhar adesão no Brasil, como revela o professor-doutor da USP, Eduardo Toledo Santos.
Tecnologia permite projetos em terceira dimensão e começa a ganhar adesão no Brasil, como revela o professor-doutor da USP, Eduardo Toledo Santos
Por: Altair Santos
Realizado em janeiro de 2008, em Los Angeles (EUA), o BIMStorm é considerado um marco da construção civil do século 21. Foi a partir do evento – batizado de o Woodstock da Engenharia -, que começou em todo o mundo a difusão da tecnologia BIM (Building Information Modeling ou Modelo de Informação da Construção), a qual permite a construção virtual de edifícios em terceira dimensão, antes que eles sejam erguidos no plano real.
Entre as vantagens do recurso, está o fato de que ele permite detectar antecipadamente as incompatibilidades construtivas de um projeto. No Brasil, dá para dizer que a tecnologia está engatinhando. Poucas construtoras já aderiram ao BIM. No entanto, a tendência é de que esse cenário se modifique rapidamente. Principalmente a partir de agosto, quando ocorre em Salvador (BA) o 5.º Encontro de Tecnologia de Informação e Comunicação na Construção.
O evento trará pela primeira vez ao país alguns dos renomados especialistas internacionais em BIM. O professor-doutor do Departamento de Engenharia de Construção Civil (PCC), da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), Eduardo Toledo Santos, define o encontro em uma só palavra: “Imperdível”. Para ele, é a oportunidade para projetistas, arquitetos engenheiros brasileiros não “ficarem para trás”.
Segundo a Abrasip (Associação Brasileira de Engenharia de Sistemas Prediais) um dos entraves para que o uso do BIM ganhe espaço no Brasil está relacionado à ausência de bibliotecas de componentes que aproximem o sistema virtual à realidade da obra e a falta de qualificação de profissionais. Mesmo assim, Eduardo Toledo Santos avalia que a adesão à tecnologia é irreversível. Confira na entrevista a seguir:
O BIM é uma versão nova do CAD ou veio para aposentar o CAD?
CAD significa Projeto Auxiliado por Computador (Computer Aided Design). Neste sentido, o BIM até auxilia mais o projeto do que o CAD, a que todos estavam acostumados até agora. A rigor, o BIM é baseado em um tipo especial de CAD (3D, parametrizado e baseado em objetos). Ele certamente vai aposentar o velho CAD 2D.
Além dos benefícios técnicos, quais serão os impactos que o BIM deve causar sobre os negócios de construtoras e incorporadoras?
A partir do momento em que as construtoras e incorporadoras podem simular virtualmente a construção com o BIM, os riscos do negócio diminuem sensivelmente. Os eventuais erros de projeto são detectados com muito mais antecedência, os orçamentos tornam-se mais confiáveis, pois se pode simular o desempenho da edificação e também planejar o cronograma da obra visualmente, com mais facilidade, menos equívocos e mais eficiência. Com os riscos diminuídos, dá para empreender edifícios mais complexos, tanto do ponto de vista de sistemas prediais quanto de estética, e com isso agregar valor. As incorporadoras também podem oferecer mais personalização nas unidades, pois o BIM agiliza o orçamento e a produção dos desenhos para execução. Tudo isso, em última instância, aumenta os lucros destes agentes.
A utilização do BIM muda o organograma da empresa, no tocante às áreas de projetos, planejamento, orçamentos e canteiro?
No Brasil, as empresas ainda estão se adaptando ao BIM, de forma que o impacto nos organogramas ainda é pequeno. No entanto, não há dúvida de que novos profissionais necessitarão ser incorporados aos quadros das empresas. Na área de projetos, especialmente nas incorporadoras e nos grandes escritórios, a figura do Gerente BIM será essencial. Esse profissional terá inúmeras atribuições, dentre as quais a principal é a supervisão do processo de construção do Modelo da Edificação. Um modelo BIM deve ser integrado e consistente e, idealmente, construído de forma colaborativa. Sem alguém que determine diretrizes para a geração dos modelos referentes a cada disciplina, incluindo nível de detalhes, formatos de arquivos, referências espaciais, bibliotecas de componentes, acesso aos modelos e etc., a integração das várias partes é comprometida. Nas áreas de planejamento e orçamento, possivelmente não serão necessários novos profissionais, mas certamente será requerida a atualização de conhecimentos daqueles que já desenvolvem essas atividades, para que passem a utilizar as novas ferramentas disponíveis. No canteiro, o uso ainda é incipiente, especialmente devido à forma de trabalho que temos no Brasil. Mas creio que um profissional denominado “Facilitador BIM” possa ser útil, operando ferramentas BIM para visualização e extração de informações do modelo, necessárias na etapa de execução da obra.
O BIM já é uma ferramenta usual nas construtoras ou ainda é uma novidade que entra lentamente na construção civil brasileira?
Pouquíssimas construtoras brasileiras já usam o BIM como rotina, mas várias construtoras, incorporadoras e escritórios de projeto estão caminhando rapidamente nesta direção. Como são evidentes os benefícios desta tecnologia para o aumento da eficiência em todas as etapas do empreendimento imobiliário, e estando o mercado extremamente aquecido, mais e mais empresas procuram o BIM como forma de fazer mais rápido com os mesmos recursos, driblando a escassez de mão de obra especializada e outros recursos técnicos em falta no mercado.
Qual a qualificação exigida para que se opere o BIM?
Depende do tipo de profissional. Se for um arquiteto ou projetista, além de saber operar uma ferramenta BIM para projeto, é preciso que tenha mais experiência em construção, pois, como já mencionado, mais que simplesmente fazer uma representação do edifício, com o BIM se constrói virtualmente, resultando na necessidade de projetar de forma menos abstrata do que com o desenho 2D. De forma geral, de todos os profissionais será exigido não só o conhecimento dos softwares de suas áreas, mas também dos conceitos por trás do BIM e a habilidade de trabalhar de forma mais colaborativa, e em equipe.
Projetos virtuais são mais ou menos confiáveis do que os projetos convencionais?
Tudo depende da qualidade da informação que é representada no projeto, seja ele virtual ou convencional. No entanto, um modelo BIM pressupõe informações coordenadas e consistentes, e as ferramentas BIM ajudam nesse sentido. Por exemplo, aplicativos para projeto BIM detectam interferências entre subsistemas e têm algumas regras que impedem que se criem situações incoerentes, como um componente “flutuando”, por exemplo. Com a geração automatizada de documentação, eles mantêm a consistência entre plantas, seções e detalhes. Assim, se bem utilizado, um projeto virtual ganha em confiabilidade.
O BIM serve para todos os projetos ou é mais adequado para construtoras especializadas em obras habitacionais?
O BIM serve para qualquer tipo de obra. É muito usado em edifícios residenciais e de escritórios, porém tem brilhado ainda mais quando empregado em obras complexas, como hospitais e shopping centers, onde as interferências entre instalações são críticas. No Brasil, a construtora mais avançada no uso do BIM não é voltada ao segmento habitacional, dedicando-se a obras comerciais. O BIM também serve para projetos de habitação popular porque, embora tecnicamente menos complexas, essas obras precisam ter o projeto muito otimizado, para que se possa ter ganhos de escala na execução repetitiva de centenas ou milhares de habitações com o mesmo projeto. Neles, há economia com conexões hidráulicas e com recortes de ladrilhos por unidade, o que pode fazer uma boa diferença no lucro do empreendedor, cuja margem é estreita.
Grandes obras também podem se beneficiar da modelagem da informação da construção?
Sem dúvida. Por exemplo, no ano passado a empresa brasileira Figueiredo Ferraz ganhou um prêmio internacional pela utilização de soluções BIM na execução de um grande projeto envolvendo sistemas de drenagem e esgoto, construção de pontes e passarelas de pedestres.
Qual conselho o senhor daria para engenheiros e projetistas que ainda não se familiarizam com o BIM?
Para aqueles que já perceberam os inúmeros benefícios deste novo conceito, a sugestão é que iniciem experiências com o BIM em suas empresas, adotando o BIM em projetos piloto ou mesmo em paralelo às ferramentas convencionais. Já para os que ainda não conhecem a tecnologia, sugiro que tenham iniciativa para não ficarem para trás. Devem tratar de obter vantagens competitivas se atualizando no assunto, através das várias publicações e eventos já disponíveis no Brasil. Um dos principais eventos será realizado em Salvador, no início de agosto deste ano. O encontro trará ao Brasil alguns dos mais renomados especialistas internacionais em BIM. Será imperdível.
Já existem exemplos de obras finalizadas e que foram bem-sucedidas usando o BIM em seus projetos?
No exterior há inúmeros casos que mostram que, apesar dos problemas geralmente enfrentados com as limitações de algumas ferramentas, como falta de interoperabilidade e inexperiência das equipes, os benefícios superam amplamente os entraves, com grandes vantagens em termos de custo total, prazo e qualidade dos empreendimentos. No Brasil, há relativamente poucas experiências, mas os relatos têm sido bastante positivos quando o BIM é empregado.
O BIM é, digamos, a porta de entrada para que a engenharia civil do futuro esteja acoplada ao 3D? No futuro, abrangendo o consumidor, a compra na planta será em 3D?
Costumo dizer que o BIM é a melhor oportunidade para a construção civil recuperar décadas de atraso em relação a outras indústrias no uso de Tecnologia da Informação. Isso porque, o BIM não só é 3D, mas também envolve tecnologias paramétricas e orientadas a objetos, que é o que de mais moderno se tem em termos de projeto auxiliado por computador. Da mesma forma que hoje em dia não existe automóvel ou avião que não seja projetado em 3D, também, num futuro próximo, as construções serão rotineiramente projetadas usando tais ferramentas. No tocante ao consumidor, sim a compra “na planta” será a compra em 3D, pois o modelo 3D é criado antes que o desenho da planta. Hoje, isso já é possível. Estamos desenvolvendo pesquisas para inclusive eliminar a maquete física no estande de vendas, trocada por um sistema interativo com projeção ou TV 3D.
Fique por dentro
TIC 2011 – V Encontro de Tecnologia de Informação e Comunicação na Construção
De 4 e 5 de agosto de 2011, em Salvador (BA)
Site: http://www.lcad.ufba.br/tic2011
Entrevistado:
Professor-doutor Eduardo Toledo Santos
Currículo
Eduardo Toledo Santos é professor no Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Engenheiro. Elétrico, Mestre e Doutor em Engenharia de Sistemas Eletrônicos. Atua na área de Tecnologia da Informação na Construção Civil e é orientador do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da EP/USP. É o relator da Comissão Especial de Estudos sobre BIM da ABNT (CEE134) e coordenador geral da Rede TIC Brasil/FINEP, que congrega sete universidades para pesquisa em BIM e outras Tecnologias da Informação aplicadas à Habitação de Interesse Social.
Contato: eduardo.toledo@poli.usp.br
Site: http://toledo.pcc.usp.br
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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