Consórcio de obras exige expertise para obter lucro e evitar prejuízo
Modelo adotado para grandes empreendimentos não é recomendado para pequenas construtoras e requer conhecimento de participações societárias.
Modelo adotado para grandes empreendimentos não é recomendado para pequenas construtoras e requer conhecimento de participações societárias
Por: Altair Santos
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado para fomentar a infraestrutura no Brasil, trouxe a reboque a retomada dos consórcios de obras. Trata-se da união de empresas para construir um grande empreendimento, como hidrelétricas, rodovias e portos, por exemplo.
É uma modalidade, porém, que tem particularidades. Uma delas é de que não é recomendado para todas as construtoras. A outra é que atuar em consórcio requer conhecimento de participações societárias, atenção às legislações e zelo para não virar alvo de investigação de organismos fiscalizadores.
Por isso, em junho de 2011, ocorreu em São Paulo um seminário que dissecou todos os pormenores que abrangem um consórcio de obras. Entre os palestrantes esteve o especialista Samuel Lasry Sitnoveter, que na entrevista a seguir abrange os principais tópicos que devem ser levados em consideração na hora de formar um consórcio de obras. Confira:
Quais as principais particularidades de como constituir consórcios. Boa parte deles é feita por Sociedade em Conta de Participação (SCP) e Sociedade de Propósito Específico (SPE). O que vem a ser isso?
Uma Sociedade de Propósito Específico é formada para evitar quebras. Por exemplo, a Petrobras criou uma para a construção de um gasoduto. A estatal chama os bancos e pede que eles capitalizem a sociedade, enquanto ela gerencia o contrato. Vai ser em nome desta sociedade que será contratada a obra. A Petrobras vai ser a usuária do gasoduto e toda vez que usar o equipamento para passar gás de um lado para o outro vai pagar aluguel pelo uso do gasoduto. Outro exemplo está na Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A Sociedade de Propósito Específico vai construir, e nela estão fundos de pensão, bancos e outros empreendedores. A vantagem da Sociedade de Propósito Específico é que não se confunde o patrimônio da sociedade, que é necessário para uma determinada finalidade, com o patrimônio de seus acionistas.
Já a Sociedade em Conta de Participação é diferente. É quando há o sócio oculto. É uma prática totalmente dentro da lei, que não pode ser confundida com o uso de “laranjas”, em que um investidor não aparece no contrato social. Os sócios ostensivos são os que aparecem em toda a documentação e os sócios ocultos fazem investimento na sociedade para viabilizar o empreendimento.
Quais as melhores práticas em consórcio, envolvendo seguros, riscos e garantias do projeto?
Quando você tem um consórcio, fica estabelecido que um sócio fará um pedaço da obra e outro fará outra parte. Para evitar problemas na contratação do seguro, o ideal é que todas as partes contratem um só seguro, desde o consorciado que vai iniciar a obra até o que entrará na etapa final. Assim, caso venha a ocorrer um acidente ou qualquer outro problema com o empreendimento, o seguro cobre o todo e não apenas uma parte. Mas é importante que o consórcio comunique à seguradora todos os pormenores de como vai ser feita a obra. A obra vai ser feita desta maneira por esse grupo de consorciados, daquela maneira por esse grupo e daquela outra maneira por esse grupo. Então, para que o consórcio assuma a responsabilidade integral, do início ao fim de uma obra, a melhor prática é que todas as partes tenham um só seguro, e que a seguradora tenha conhecimento de todo o projeto de execução. Um exemplo clássico de como um consórcio de obras é protegido pelo seguro ocorreu no desabamento da estação Pinheiros, da linha 4 do metrô de São Paulo, quando ela estava em construção em 2007.
Confira o que foi pago:
Danos à própria obra: tudo o que teve que ser refeito após o desabamento foi pago pelo seguro de Riscos de Engenharia.
Danos aos equipamentos de obra: pago pelo seguro de Riscos Diversos – Equipamentos Móveis.
Danos Materiais a terceiros: engloba casas que desabaram ou ficaram danificadas, veículos e ferimentos causados em pessoas. Pago pelo seguro de Responsabilidade Civil – Danos Materiais.
Danos Corporais a terceiros: envolve gastos médicos de moradores e de pedestres que passavam no local na hora e indenizações por vidas perdidas. Pago pelo seguro de Responsabilidade Civil – Danos Corporais.
Danos a mentes de terceiros: pago pelo seguro de Responsabilidade Civil – Danos Morais.
Danos aos funcionários da obra: quem morreu tinha seguro de vida previsto no acordo coletivo da categoria. Quem processou o consórcio ou o Estado ou o Metrô foi indenizado pelo seguro de Responsabilidade Civil – Empregador.
Tempo parado: a obra ficou paralisada 60 dias por ordem do governador. Os salários, aluguéis de equipamentos parados e demais custos fixos não tinham seguro e foram contabilizados como prejuízo do consórcio construtor.
Processos criminais contra os engenheiros da obra: o custo de defesa judicial de alguns engenheiros foi pago pelo seguro D&O (Responsabilidade civil de dirigentes). Alguns membros de algumas empresas do consórcio não tinham este seguro e o custo de defesa foi pago pelas próprias empresas.
Quando se estabelece um consórcio, que papel desempenham executivos, engenheiros e advogados que atuam nas áreas de contrato, projeto, planejamento e infraestrutura da obra a ser consorciada?
Como o consórcio será um agente à parte de cada empresa, as empresas consorciadas vão designar executivos para em conjunto administrarem o consórcio. As de engenharia vão dispor de alguns dos seus melhores quadros para que o consórcio como um todo tenha um conjunto de engenheiros de bom nível. Da mesma forma, haverá advogados, administradores, pessoas de recursos humanos e, enfim, todo um staff para permitir que o objetivo do consórcio seja cumprido.
Com os programas estabelecidos para estimular a infraestrutura do país, como o PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), o volume de consórcios entre construtoras aumentou consideravelmente?
Sim, por se tratar de um programa que envolve grandes obras. Toda a vez que se tem uma grande obra faz-se a opção pelos consórcios. Por quê? Porque numa grande obra tem várias disciplinas envolvidas, que precisam de várias especialidades. Então, as empresas, no caso do PAC, se aliam em consórcio para poder em conjunto fazer uma obra.
Assim como o PAC, eventos como Copa 2014 e Olimpíadas 2016 também estimulam os consórcios de obras?
São eventos que envolvem obras de grande porte, que vão desde estradas, aeroportos e estádios, o que faz predominar a figura do consórcio. No caso das obras que envolvem esses eventos, o consórcio também surge para se dividir o risco. Quando uma empresa entra numa obra ela projeta lucro, mas às vezes ele não vem da forma esperada. Então, para diminuir o risco, divide-se o empreendimento em consorciados. Se der lucro, divide-se o lucro. Se der prejuízo, o impacto será menor. A teoria diz o seguinte: é menos arriscado eu entrar com metade de dez obras do que sozinho em cinco obras. Porque se alguma obra der errado, eu só tive metade de um prejuízo. Por isso que é melhor se consorciar. Além, é claro, de se tratar de obra de grande porte e dificilmente uma empresa consegue bancá-la sozinha.
É recomendável que pequenas construtoras façam parte de consórcios com outras grandes empreiteiras ou para elas o melhor negócio é entrar como terceirizada no projeto?
Quase sempre é melhor entrar como terceirizada, porque a terceirizada não assume determinados riscos. Por exemplo, o risco de ter que entregar o todo. Uma pequena construtora não domina o todo. Agora, caso ela decida entrar num consórcio, é preciso que esteja num consórcio que vai ser bem vencedor, quer dizer, que dê certeza absoluta de que aquela obra vai dar lucro. Neste caso, se ela entrar meramente como uma contratada, ela vai ter apenas uma pequena margem. Se ela entrar como consorciada, vai participar de todo o lucro da obra.
Há limite para que um número de empresas faça parte de um consórcio ou isso depende da licitação? Qual o número ideal de parceiros para entrar em um consórcio de obras?
Não tem limite. O que tem é o seguinte: em uma obra de porte normal, vai ter um consorciado responsável por toda a parte de construção civil, outro consorciado é responsável pela parte de fornecimento de equipamentos, outro consorciado é responsável pela parte de projetos e outro é responsável pela parte de montagem, etc. Então, tipicamente, é assim. Quando tem obras de grandíssimo porte, aí até para dividir risco você tem um grande número de consorciados. Um exemplo é a Linha 4 do metrô de São Paulo. Ela é uma PPP, porque há investimento da iniciativa privada, e tem participação de todas as grandes empresas da engenharia nacional. As cinco maiores. Todas elas fazem parte do consórcio, dos fornecedores de trem e equipamento de metrô. Todos fazem parte do consórcio, mas cada um faz um pedaço, em vez de cada um querer ganhar o todo. Uma prefere ganhar um pedaço só para ter certeza que se der errado ninguém tem um prejuízo muito grande.
Hoje, com leis ambientais e tribunais fiscalizando grandes obras de infraestrutura, quais cuidados devem ser tomados pelas empresas que entram em um consórcio?
Os mesmos cuidados que uma empresa que entre sozinha, quer dizer, este é um aspecto que todo mundo tem que tomar muito cuidado, pois as multas são pesadas e as consequências de errar ou fazer alguma coisa errada são muito grandes. Mas isso independe de consórcios. O fato de estar em consórcio não muda a responsabilidade e os cuidados que cada um tem que tomar.
Hoje, sabe-se que há uma demanda muito grande por obras. Com os consórcios fica mais fácil conseguir arregimentar mão de obra qualificada?
Infelizmente não. Este é um problema estrutural do Brasil que não tem nenhuma solução fácil. Não tem mão de obra disponível, seja para consórcios ou para quem entra sozinho numa obra.
Como funciona o regime de contratação da mão de obra nos consórcios?
Você tem duas maneiras e cada consórcio decide a forma desejada. Dá para contratar a mão de obra por empresa. Neste caso, cada empresa contrata seus funcionários e aloca os funcionários para a obra que está sendo feita em consórcio. A outra é contratar em nome do consórcio. O que significa escolher cada uma das opções. Contratar dentro do consórcio permite isolar eventuais ações trabalhistas e não mistura o que é ação trabalhista de cada empresa com o que é ação trabalhista do consórcio. No caso oposto, contratar em nome de cada empresa e não do consórcio, é para preservar as políticas trabalhistas de cada corporação. Tem empresas com políticas muito vantajosas, onde até os trabalhadores preferem assim. Então, cada consórcio decide como pretende executar. Cada maneira tem prós e contras.
Entrevistado
Samuel Lasry Sitnoveter, consultor em consórcio de obras
Currículo
– Engenheiro químico formado pela UFRJ, em 1984
– Trabalhou em companhias como Marsh Corretora de Seguros, Shell Brasil, Odebrecht e Quattor
– Atualmente é sócio controlador e diretor da Lasry Corretora de Seguros
– Detentor do título de Conselheiro de Administração concedido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) concedido em 2010
Contato: samuel@lasry.com.br
Crédito: Divulgação/Lasry
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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