Concretagem de grandes blocos de fundação tem diversos desafios

A Etringita Tardia e a reação álcali-agregado são alguns dos possíveis problemas nestas situações

No Yachthouse Residence Club, foi necessária incorporação de gelo na mistura do concreto, para a redução da temperatura de lançamento.
Crédito: Jorge Luiz Christófolli

A concretagem de grande volume se tornou cada vez mais comum, especialmente em blocos de fundações, trazendo consigo desafios específicos que demandam procedimentos técnicos complexos e uma atenção minuciosa. Para garantir a qualidade e durabilidade da estrutura, é essencial aplicar conceitos avançados de tecnologia do concreto. Durante o 64° Congresso Brasileiro do Concreto, o engenheiro Jorge Luiz Christófolli, gerente de desenvolvimento técnico da Concrebras, falou sobre os desafios e técnicas envolvidos na concretagem de grandes blocos de fundação.

Desafios da Concretagem de Grandes Blocos de Fundação

A concretagem de grandes blocos de fundação é uma tarefa complexa, que envolve diversos desafios técnicos. Christófolli menciona alguns dos principais:

Composição do Concreto: Determinar a composição da dosagem do concreto é fundamental para garantir a qualidade e durabilidade da estrutura de fundação.

Logística da Concretagem: Planejar a logística da concretagem é crucial para garantir que o concreto seja aplicado de forma eficiente.

Logística de Insumos: Além do concreto, é essencial planejar a logística de fornecimento e aplicação dos insumos necessários, como agregados e aditivos.

Monitoramento de Temperatura: Durante a fase de execução, é importante monitorar a temperatura para evitar problemas como a formação de Etringita Tardia (Delayed Etringite Formation – DEF).

“Todas as medidas que foram tomadas na fase de planejamento são essenciais. Sobretudo, elas são importantes para que a obra seja concluída, executada sem nenhum tipo de intercorrência. O planejamento tem que ser muito bem feito para que no momento de execução, não haja nenhum tipo de situação que comprometa a qualidade da estrutura. E este plano tem que abranger todas as possibilidades de falha – estoque de matéria prima, atendimento dos fornecedores, energia elétrica necessária para o funcionamento dos equipamentos, entre outros fatores. Tudo isso deve ser previsto, sempre tendo um plano b ou c em mente”, afirma o engenheiro.

Etringita Tardia (DEF) e Suas Implicações

A formação de Etringita Tardia (DEF) é um fenômeno que pode prejudicar a durabilidade do concreto. De acordo com Christófolli, trata-se de uma manifestação patológica, uma “doença” da estrutura. Descoberta na década de 1980 na Alemanha e Inglaterra, a Etringita Tardia é caracterizada pela expansão da pasta matriz e na região de interface com os agregados. Ela resulta de uma reação química entre íons de sulfato (SO42-) e aluminato tricálcico (C3A), formando o sulfo-aluminato de cálcio hidratado. “São comportamentos que ocorrem em determinadas situações e prejudicam a durabilidade da estrutura. Como já é uma manifestação patológica conhecida, então é preciso tomar as medidas necessárias para que isso não ocorra. Isso pode se dar através da adição de gelo e das sílicas ativas. Trata-se de ações que são tomadas na fase de construção para que a formação da Etringita Tardia não ocorra”, explica o engenheiro. 

O processo de formação da DEF envolve várias etapas, incluindo a formação da Etringita Primária na fase inicial de hidratação, a decomposição da Etringita primária devido a altas temperaturas (>65 ºC) durante o processo de cura, e a adsorção e dessorção dos íons sulfato pelo C-S-H (silicato de cálcio hidratado). A formação da Etringita Tardia pode ocorrer sob determinadas condições, como alta permeabilidade, liberação de íons SO4 pelo C-S-H, e estrutura em contato com água, como em locais com lençol freático próximo.

Análise de Risco e Classes de Exposição

O Laboratório Central de Pontes e Estradas da França (Laboratoire Central des Ponts et Chaussés) faz algumas recomendações baseadas em estudos históricos e também estabelece alguns parâmetros para projeto e execução dessas fundações. Eles definem dois critérios: risco de segurança da estrutura e classe de exposição das estruturas. 

A análise de risco de segurança da estrutura está dividida em três níveis. “A categoria I abrange estruturas onde as fissuras têm baixas ou aceitáveis consequências. A categoria II abrange a maioria das estruturas de concreto, onde a ocorrência de fissuras não afeta e pode contribuir para a deterioração da capacidade de suporte. A categoria III é reservada para situações em que a ocorrência de fissuras é inaceitável, como em contenções de radiação nuclear, túneis e barragens”, expõe o gerente de desenvolvimento técnico da Concrebras.

Além disso, as classes de exposição da estrutura, como XH1, XH2 e XH3, levam em consideração o ambiente (principalmente o solo) em que a estrutura será construída, variando de ambientes secos a úmidos e permanentemente úmidos (em locais onde há lençóis freáticos, por exemplo).

Ao “cruzar” os riscos de segurança da estrutura e classes da exposição das estruturas, obtém-se os níveis de prevenção da formação da Etringita Tardia. Neste contexto, o nível com maior risco é quando há uma construção de categoria III e um ambiente classificado como XH3. “Nestes casos, a temperatura máxima deve ficar abaixo de 65 °C nas condições normais e o limite pode ser definido em 75 °C se houver adição mineral como a ‘sílica ativa, metacaulim’ e a validação da composição for feita por um laboratório especializado em DEF”, comenta Christófolli.

Reação álcali-agregado (RAA)

De acordo com Christófolli, trata-se de um outro desafio da concretagem de grandes blocos de fundação. “São reações químicas que ocorrem ao longo do tempo dentro da estrutura e que provocam a expansão da matriz. Consequentemente, este processo gera fissuras que comprometem a estabilidade e durabilidade da estrutura”, comenta o engenheiro. 

Definição das Características Reológicas do Concreto

A concretagem de grandes blocos de fundação geralmente envolve a aplicação de diferentes camadas de concreto, cada uma com características específicas, por exemplo:

  • 1º – Camada inicial para proteção da armadura de base: concreto fck (1º) CAA (concreto autoadensável) ou Fluido – Refrigerado e Estabilizado
  • 2º – Camada intermediária: Concreto Refrigerado e Estabilizado I – fck (2º)
  • 3º – Camada final: Concreto Refrigerado – fck (2º). 

“Existem duas fases do concreto – a plástica e a endurecida. A primeira delas é a fase plástica, que é quando há a mistura dos elementos – cimento, areia, água e aditivos. Este estado dura cerca de duas a três horas e é quando você consegue aplicar o concreto ou lançá-lo em fôrmas na obra para atingir o formato desejado para fazer pilares, vigas ou outros elementos. Quando ele está suficientemente maleável, permite a passagem pela tubulação das bombas de concreto. Depois de três ou quatro horas, o concreto entra em fase de hidratação, endurecimento e resistência. Para volumes muito grandes, é necessário mais de um dia para a concretagem. No entanto, se no dia seguinte o concreto já estiver endurecido, gera-se uma “junta fria”, uma interface de contato do material antigo com o material novo em estado plástico. Isto é, cria-se uma superfície de transição. Só que isso nem sempre é adequado numa estrutura, pois cria uma região de fragilidade. Para evitar isso, utilizamos aditivos estabilizantes, produtos químicos que neutralizam a hidratação do cimento por determinado tempo. E isso deve ser determinado no planejamento”, defende Christófolli.

Case Yachthouse

Durante a palestra, Christófolli usou o case do edifício residencial de alto luxo Yachthouse Residence Club, localizado em Balneário Camboriú (SC), para ilustrar os desafios da concretagem em grandes blocos de fundação. Com duas torres, o bloco de fundação foi construído em duas etapas totalizando 8.792 m3. Para lançar o concreto nos blocos de fundação das duas torres do empreendimento, foram mais de nove etapas de planejamento – este processo demandou dois meses de pesquisa. “Como a resistência do concreto especificada no projeto era o fck 50,0 MPa, foram elaboradas simulações matemáticas do comportamento térmico da estrutura com diversas combinações de dosagem. Uma das conclusões dos estudos teóricos foi a necessidade do uso da incorporação de gelo na mistura do concreto, para a redução da temperatura de lançamento. Isso acontece, pois, as reações de hidratação do cimento são exotérmicas, ou seja, liberam calor nessa fase. Conforme as dimensões das peças concretadas, o calor gerado poderia atingir valores acima de 65 °C, o que em determinadas condições pode gerar produtos secundários na hidratação, e que comprometem a durabilidade e a vida útil da estrutura. Foram realizados ensaios de dosagem experimental em laboratório, simulações teóricas de modelagem do comportamento térmico da estrutura, ensaios de comportamento reológico de concreto, resistências à compressão aos 7, 28 e 63 dias, módulo de elasticidade, além dos ensaios de caracterização de todos os materiais utilizados”, explica Christófolli.

Entrevistado
Jorge Luiz Christófolli é engenheiro e gerente de desenvolvimento técnico da Concrebras.

Contato
jorge@concrebras.com.br 

Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP



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