Como funcionará o mercado de carbono para a indústria cimentícia?
Palestra no Congresso Brasileiro do Concreto discutiu caminhos e desafios para a redução de emissões de CO₂
Entre os dias 22 e 25 de outubro, ocorreu o 65º Congresso Brasileiro do Concreto em Maceió (AL). O evento deste ano teve como tema “Inovações Tecnológicas nas Construções de Concreto” e uma das palestras apresentadas foi “Regulamentação do mercado de carbono”, ministrada por Edna Possan, professora associada Nível 4 na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e coordenadora do LADEMA (Laboratório de Desempenho, Estruturas e Materiais).
De acordo com Edna, o mercado de carbono foi idealizado na Eco-92, foi formalizado no Protocolo de Kyoto e ganhou força com o Acordo de Paris, que estabeleceu regras para emissões e créditos de carbono, onde quem reduz ou remove emissões pode vender créditos e quem emite além do limite máximo dado pelas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, do inglês, Nationally Determined Contribution) pode comprá-los.
“Para que o setor cimentício atinja carbono negativo ou net zero até 2050, é essencial considerar as especificidades deste material. O cimento enfrenta limitações quanto à descarbonização, pois uma parte de suas emissões está ligada à descarbonatação de rochas calcárias. Deste modo, a indústria de cimento precise precisará recorrer à remoção, compensação ou captura de carbono para alcançar o net zero. Atualmente, as estratégias em curso pelo setor incluem a substituição do clínquer, a alteração de alguns combustíveis e melhoria da eficiência energética e o coprocessamento. Em conjunto com a recarbonatação (ainda em discussão para futuras considerações no balanço das emissões), essas ações possibilitam uma redução considerável das emissões associadas ao cimento. Em torno de 36 a 40% das emissões dependerão de outros processos de redução ou remoção”, explica a professora.
O grande desafio para as indústrias ligadas à construção está em reduzir suas emissões a baixo custo. “Com a implementação de um preço para o carbono, produtos que comercializamos, como cimento, aço e outros materiais de construção de alta emissão de carbono, terão seu custo impactado. E, com isso, fica difícil manter a competitividade”, aponta Edna.
O mercado de créditos de carbono é regulado conforme as metas climáticas estabelecidas pelo Acordo de Paris e as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) brasileiras. “Cada setor produtivo possui uma meta de emissões. No caso do cimento, segundo a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) a média global de emissão do cimento é de cerca de 630 kg de CO₂ por tonelada, enquanto no Brasil a média é de 560 kg, o que gera um ‘crédito’ de aproximadamente 70 kg por tonelada por emitirmos menos que a média global”, comenta a professora.
De acordo com Edna, as compensações também são feitas por meio de projetos de captura de carbono, com destaque para reflorestamento e manejo de florestas, que representam as maiores capturas. “As empresas do setor de cimento podem contabilizar áreas de preservação como créditos, mas certamente terão que adquirir créditos adicionais de outros projetos de crédito de carbono”, indica.
A professora alerta que essa transição é urgente e já vem sendo tratada pelo setor já que a indústria do cimento tem metas para reduzir as emissões de CO₂ até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Iniciativas e tecnologias de captura de carbono
No ciclo de vida dos materiais à base de cimento, é possível capturar uma pequena quantidade de carbono por meio da recarbonatação. “Podemos também empregar CO₂ no processo de cura carbônica de materiais a base de cimento, ou no tratamento de partículas de agregado. Contudo, esse é um ganho modesto, incapaz de reduzir drasticamente as emissões do setor cimenteiro. O desafio é desenvolver tecnologias acessíveis para potencializar essas soluções”, afirma Edna.
Algumas tecnologias de captura direta de carbono do ar ou dos processos industriais já existem, mas são caras e ainda pouco eficazes. “ Uma opção é o armazenamento geológico, onde o CO₂ é injetado em rochas porosas no subsolo, embora isso envolva custos altos para transporte e injeção, além de incertezas quanto aos impactos ambientais a longo prazo”, sugere a professora.
Outra estratégia é converter o CO₂ em produtos úteis. “Um exemplo promissor é a tecnologia desenvolvida pela USP, que transforma o dióxido de carbono em metanol, e o desejo dos pesquisadores é avançar para a pesquisa para a produção etanol, onde se poderia viabilizar o uso de CO₂ como fonte de combustível. Estes processos requererem muita energia, tecnologia e inovação, e se conseguirmos desenvolver essa promissora tecnologia com uma matriz energética limpa, podemos tornar viável a produção de etanol diretamente do CO₂, evitando a necessidade de uso da cana-de-açúcar e aproveitando a infraestrutura de transporte já existente para etanol. Essas tecnologias ainda estão em desenvolvimento, mas acredito que, com avanços contínuos, será possível tornar o CO₂ uma fonte viável de recursos”, constata Edna.
Desafios na regulamentação do mercado de carbono no Brasil
No Brasil, há o Projeto de Lei 182 para instituir o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Atualmente, ele está em tramitação, e um dos desafios é tentar equilibrar um preço que incentive a redução sem inviabilizar o uso de materiais essenciais.
“Hoje, no mercado global, o preço do carbono varia de 0 a 167 dólares por tonelada – sendo que 167 dólares é um outlier, aplicado no Uruguai. Em média, o valor gira em torno de 10 dólares. Países em desenvolvimento tendem a adotar uma taxação mais baixa, mas acredito que a taxação no Brasil precisa ser ajustada com um valor que incentive as indústrias a reduzir emissões, sem encarecer o produto a ponto de inviabilizar sua comercialização. Esse é o equilíbrio delicado: uma taxação que motive as empresas a se adaptarem, sem ser tão baixa que ninguém sinta o impacto, nem tão alta que encareça o concreto e os materiais cimentícios a ponto de comprometer o setor da construção”, expõe Edna.
Entrevistada
Edna Possan é doutora em Engenharia Civil (2010) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com mestrado (2004) pela mesma universidade. Graduada em Engenharia Civil (2003) pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professora Associada Nível 4 na Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) e coordenadora do LADEMA (Laboratório de Desempenho, Estruturas e Materiais). Diretora do Centro Interdisciplinar de Tecnologia e Infraestrutura (ILATIT-UNILA) de 2013 a 2015 e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGECI) de 2020 a 2024. Presidente da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (ANTAC) ciclo 2024-2026, da qual já foi diretora de relação interinstitucionais (2018-2020) e vice-presidente (2020-2022). É membro fundador da Associação Latino-Americana de Patologia da Construção (ALCONPAT Brasil). Socia do Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON), da Asociación Latinoamericana de Control de Calidad, Patología y Recuperación de la Construcción (ALCONPAT Internacional). É membro do comitê técnico da ABNT – CE 18:300.06 – Comissão de Estudo de Durabilidade do Concreto, deste 2009. Conselheira do CREA-PR (2020 a 2025). Recebeu diversos prêmios, dentre eles Embaixador do Iguaçu Iguassu Convention, Joven Investigador Destacado o Productivo – ALCONPAT Internacional e Educador do ano – CREAPR. Atua na área de patologia das construções, materiais de construção e meio ambiente. Tem experiência na área de Engenharia, com ênfase em durabilidade, previsão de vida útil probabilística e determinística, emissões e captura de CO2, aproveitamento de resíduos sólidos, sustentabilidade da construção economia circular e ecoeficiência (ODS 11 e 12). Também atua na temática de women in science (ODS 5).
Contato: epossan@gmail.com
Jornalista responsável:
Marina Pastore – DRT 48378/SP
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