Ciclo de vida das edificações ganha impulso no Brasil
País agora é que começa a criar uma base de dados sobre o desempenho de componentes, a fim de que ambientes construídos causem menos impacto ambiental.
País agora é que começa a criar uma base de dados sobre o desempenho de componentes, a fim de que ambientes construídos causem menos impacto ambiental
Por: Altair Santos
Planejar o ciclo de vida de uma edificação era uma preocupação que, até bem pouco tempo, não se priorizava ao projetar um empreendimento. Trata-se de uma avaliação relativamente recente. Ganhou corpo a partir da definição da Agenda 21, que apesar de ter sido lançada na Eco-92 veio consolidar-se apenas em 2002, na Cúpula de Johannesburgo, quando foi assinada por 179 países. A partir do documento, se impôs um novo paradigma à sociedade industrial. Neste cenário, questões como sustentabilidade e impacto ambiental passaram a ter influência relevante na cadeia produtiva da construção civil.
No Brasil, ainda inexiste uma base de dados abrangente e capaz de caracterizar o desempenho típico de componentes do ambiente construído, seja na etapa de projeto, construção ou uso e operação. Mas o cenário está mudando. “Há um trabalho intenso para se recuperar o tempo perdido. Já existem diversas iniciativas no país, procurando desenvolver informações para que possam ser feitas avaliações do ciclo de vida”, explica Cássia Maria Lie Ugaya, que é membro do Conselho Internacional do Ciclo de Vida, consultora da ONU (Organização das Nações Unidas) e diretora da Associação Brasileira do Ciclo de Vida.
Na Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) o local onde será erguida uma obra tem peso relevante, em função do terreno, das condições climáticas a que estará exposta e do impacto que irá causar no entorno. Via de regra, o empreendimento deve ser projetado para ter longo tempo de uso – mais de 50 anos -, mas, ao término de sua vida útil, permitir que boa parte de seu material seja reciclado ou reutilizado. Por isso, o projeto, o bom emprego dos materiais e a manutenção da edificação também são relevantes para uma boa ACV. “Até o transporte dos materiais pode influenciar no ciclo de vida”, explica Cássia Maria Lie Ugaya.
Os inventários de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) das edificações seguem as normas ISO 14000 (14040, 14041, 14042 e 14043). Também há, atualmente, softwares que ajudam a definir com mais precisão o ciclo de vida de um empreendimento. Como o Bees 1.0 (Building for Environmental and Economic Sustainability). Ele permite implantar uma metodologia sistemática para selecionar produtos de construção que apresentem boa relação entre performance ambiental e econômica. Nem sempre, porém, a aplicação de tecnologia é garantia de que uma construção irá causar mais ou menos impacto ambiental.
Um exemplo é um estudo comparativo entre os materiais empregados na construção do estádio Allianz Arena, em Munique (Alemanha), e o João Havelange, no Rio de Janeiro, que foram erguidos na mesma época. A megaobra para a Copa de 2006 foi inovadora, ao apostar em uma cobertura à base de polímeros (tetrafluoretileno), enquanto o estádio brasileiro, construído para o Pan de 2007, investiu na construção convencional, com consumo de 80 mil m³ de concreto. Levando em consideração o ambiente das construções, o estudo concluiu que a edificação erguida na Alemanha é mais danosa para o meio ambiente em termos de emissão de CO2.
Numa Avaliação do Ciclo de Vida, se leva em consideração três tipos de análise:
Inventário
Nesta etapa, são coletados os dados a cerca das entradas e saídas de cada um dos processos, como de materiais, consumo de energia, emissões de poluentes no ar, na água e no solo e geração de resíduos.
Avaliação social
Tem como objetivo identificar os pontos positivos e negativos ao longo do ciclo de vida do produto, no que se refere às questões da mão de obra envolvida no empreendimento e na contribuição, negativa ou positiva, que ele trará para a comunidade local, à sociedade civil e aos trabalhadores.
Avaliação do impacto
Nesta etapa ocorre a conversão dos dados de consumo de materiais, de energia e das emissões em categorias de impacto, levando-se em conta as mudanças climáticas, a sedificação, a entropização, a toxicidade humana e a perda de biodiversidade.
Segundo a especialista Cássia Maria Lie Ugaya, a Avaliação do Ciclo de Vida serve para qualquer produto. De embalagem a automóvel; de alimentos à construção civil. “Ela é uma técnica que pode ser utilizada para qualquer coisa, para qualquer produto, inclusive serviços”, diz. A diretora da Associação Brasileira do Ciclo de Vida ressalta ainda que a ONU, através do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) tem sido parceira para disseminar a importância deste tipo de avaliação em vários países, inclusive o Brasil. “Eles estão trabalhando bastante, tanto em capacitação quanto em desenvolvimento de workshop, para que as empresas comecem a inserir isso cada vez mais no seu dia a dia.
O objetivo é aplicar a ACV no tripé da sustentabilidade: o ambiental, o social e o econômico”, resume.
Entrevistada
Cássia Maria Lie Ugaya, membro do Conselho Internacional do Ciclo de Vida, da Iniciativa do Ciclo de Vida do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e Diretora da Associação Brasileira do Ciclo de Vida
Currículo
– Doutora em Engenharia Mecânica (2001), mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos (1996) e graduada em Engenharia Mecânica (1991) pela Universidade Estadual de Campinas
– Atualmente é professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
– Desde o doutorado realiza pesquisa em Avaliação do Ciclo de Vida, mais especificamente em: análise de inventário do ciclo de vida, avaliação social do ciclo de vida, avaliação do impacto do ciclo de vida e projeto para o ciclo de vida.
– É membro do Conselho Internacional do Ciclo de Vida, da Iniciativa do Ciclo de Vida do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e da SETAC, membro do Conselho Internacional e Conselho Editorial do ecoinvent, co-chair da Rede Latino Americana de Ciclo de Vida e Diretora da Associação Brasileira do Ciclo de Vida.
Contato: cassiaugaya@utfpr.edu.br
Créditos Fotos: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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