Burocracia atrapalha boas práticas de engenharia
Legislação faz com que construtoras invistam mais em seus departamentos jurídicos do que na área técnica, alerta setor da construção civil.
Legislação faz com que construtoras invistam mais em seus departamentos jurídicos do que na área técnica, alerta setor da construção civil
Por: Altair Santos
A tradição da engenharia civil brasileira, de construir obras púbicas reconhecidas internacionalmente, como Brasília, Itaipu e a ponte Rio-Niterói, está ameaçada. O motivo: as exigências impostas às construtoras do país quando elas se envolvem com empreendimentos que têm origem no poder público. O tempo e a energia dispensados aos trâmites burocráticos têm comprometido as boas práticas de engenharia. Chega até a existir um consenso entre as empresas de que, atualmente, para se ganhar licitações, vale mais a atuação dos departamentos comerciais e jurídicos do que das áreas técnicas propriamente dita.
Essa é a síntese do discurso do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão no seminário “Os Novos Paradigmas da Engenharia Brasileira”, ocorrido em julho de 2012, em Brasília. O evento teve a participação dos principais agentes da construção civil brasileira. Houve uma cobrança ativa para que o governo federal resolva os gargalos que atrapalham as obras de infraestrutura no país e impedem a engenharia de exercer sua função primordial, que é construir. “Precisamos de um melhor ambiente de negócios. Esses gargalos representam um prejuízo que custa ao Brasil mais de 80 bilhões de dólares, por ano, segundo estudo da Fundação Dom Cabral. Isso equivale a 4% do Produto Interno Bruto brasileiro”, destacou Safady.
Organismos como CBIC e ANEOR (Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias) defendem que os processos de licitações precisam ser revistos para estimular a inovação entre os construtores. Para o setor, o foco na melhor qualidade dos projetos, e não no preço, deveria ser o ponto de partida de qualquer processo licitatório. “As tabelas de custo deveriam ser referência e não teto de preços. Nesse contexto, seria fundamental que as novas técnicas e processos construtivos fossem analisados dentro de uma visão muito mais ampla, que considerasse todos os benefícios que a inovação agrega para a sociedade, inclusive no aspecto da sustentabilidade”, cita Paulo Safady Simão.
O governo não se mostrou refratário. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que participou do seminário, assumiu o compromisso de levar o apelo da construção civil ao Executivo e prometeu que, ainda em 2012, serão lançadas novas concessões na área de infraestrutura, para obras voltadas às rodovias, ferrovias e aeroportos. “A parceria com o setor privado é uma parceria importante na realização dessa estratégia”, disse, sinalizando que as parcerias público-privadas tendem a ser fortalecidas a partir de agora.
Mesmo com o discurso otimista da ministra, o setor mostrou preocupação com o novo modelo de licitações que o governo pretende imprimir, através do Regime Diferenciado de Contratação (RDC). O sistema foi criado para resolver problemas de urgência na execução das obras da Copa, mas passou a ser adotado em algumas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “A medida pode ser um grande equívoco. É uma legislação que substitui a lei 8.666, que regula as licitações, e que só precisa de algumas mudanças de aperfeiçoamento. A RDC exclui 90% das pequenas e médias construtoras do mercado. De um total de 500 construtoras, só dez podem se beneficiar dessa nova legislação”, alerta José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da ANEOR.
A preocupação dos organismos ligados à construção civil é que a dificuldade de acesso às obras públicas inviabilize a aplicação de novas tecnologias no setor. “Se a indústria da construção não tiver condições de investir em tecnologia, capacitação e inovação não conseguiremos responder aos desafios do país. Isso representa um enorme desestímulo ao setor. Se não rompermos com essa lógica, não alcançaremos o estágio de evolução de outros países. Vamos continuar construindo empreendimentos da mesma forma de sempre, sem incorporar novas tecnologias e gerando prejuízo ao erário público em médio ou longo prazos, além de ficarmos sem condições de voltar a praticar o que fazemos melhor: engenharia”, completou o presidente da CBIC.
Entrevistados
– Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
– José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (ANEOR)
Currículos
– Paulo Safady Simão é graduado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1971
– Especializou-se em Administração de Empresas na Fundação João Pinheiro, em conjunto com a Graduate School of Business da Columbia University de New York
– Foi presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (SindusCon-MG) no período de 1986 a 1992
– Vice-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) de 1989 a 1995
– Preside a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) desde 2003
– Também integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)
– É vice-presidente da Federação Interamericana da Indústria da Construção (FIIC) e da Confederação das Associações Internacionais de Empreiteiras de Construção (CICA)
– Ocupa o cargo de diretor-presidente da Wady Simão-Construções e Incorporações LTDA
– José Alberto Pereira Ribeiro é graduado em engenharia civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
– É presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (ANOER) há 18 anos
– É vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e membro do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria e do Conselho Consultivo da Presidência da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo)
– Também preside a Sulbras Construtora
Contatos: www.cbic.org.br / jornalista@cbic.org.br / aneor@aneor.org.br
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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