Bairro planejado é solução para bom urbanismo
Brasil já tem bons exemplos, como o Pedra Branca, em Santa Catarina, e o Riviera, em São Paulo, que contrastam com a falta de planejamento do MCMV.
Brasil já tem bons exemplos, como o Pedra Branca, em Santa Catarina, e o Riviera, em São Paulo, que contrastam com falta de planejamento do MCMV
Por: Altair Santos
Enquanto a iniciativa privada investe em bairros planejados, onde residências ou apartamentos são construídos acoplados a complexos urbanísticos, no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) estão surgindo comunidades sem qualquer infraestrutura. No Paraná há dois exemplos emblemáticos. Em Londrina, no conjunto Bela Vista, foram construídas 2.700 habitações para alojar 12 mil pessoas. Esqueceu-se, no entanto, de suprir a comunidade de escolas, creches, centros comerciais, hospitais e postos médicos, que encontram-se a uma distância mínima de dois quilômetros de distância.
Em Curitiba, no bairro Ganchinho, até 2013 serão entregues 2.800 unidades do MCMV. A população da localidade dará um salto de 11 mil para 21 mil habitantes e quem já mora na região prevê um cenário caótico, haja vista que não haverá escolas, creches, postos de saúde e outros serviços para atender a demanda. Na opinião do especialista em estruturação de projetos imobiliários, Ricardo Valls, o desordenamento urbano tem sido uma das principais falhas do programa habitacional federal. Bem diferente do que ocorre com iniciativas que têm criado bairros planejados no país.
Eles ainda são poucos, mas o sucesso estimula o surgimento de novos empreendimentos, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Os melhores exemplos são os bairros Pedra Branca, em Santa Catarina, e o Riviera de São Lourenço, em São Paulo. Na entrevista a seguir, Ricardo Valls explica o que os diferencia dos bairros que têm surgido a partir de aglomerados urbanos gerados pelo Minha Casa, Minha Vida. Confira:
A construção de bairros planejados é uma tendência no Brasil ou ainda há apenas projetos-pilotos em andamento?
É uma tendência mundial, com maior ênfase nos Estados Unidos, mas com boa consistência no Brasil. Não só é uma discussão constante nas pautas das incorporadoras e desenvolvedores urbanos, mas também dos órgãos de governo em todas as esferas, visto que tem relação íntima com questões urbanas muito atuais, em especial a mobilidade urbana e a segurança pública. Naturalmente, o Brasil ainda precisará aprender a fazer o bom urbanismo, fruto da conjugação de esforços públicos e privados, com rigoroso planejamento de longo prazo. Precisaremos de uma mudança de mentalidade, que, acredito, já estar em curso. Mas já há bons exemplos nacionais de bairros planejados e grande quantidade de projetos-piloto.
Como o senhor define o conceito do Alphaville. Ele pode ser caracterizado como um bairro planejado ou os novos empreendimentos têm características diferenciadas?
Não considero o Alphaville um bom exemplo de bairro planejado. É um condomínio residencial unifamiliar bem feito, com alguma estrutura comercial de conveniência, mas que não atende aos principais preceitos do bom urbanismo, como a grande diversidade de usos, a presença de diferentes tipologias, a menor dependência de carros, a prevalência de espaços públicos bem distribuídos e planejados, uma boa conectividade e caminhabilidade acentuada, permitindo que as necessidades cotidianas do morador sejam atendidas com caminhadas de, no máximo, 5 minutos. Além disso, o bom urbanismo não segrega públicos, não é dirigido para esta ou aquela classe. A segregação favorece a formação de ilhas sociais, com grandes prejuízos para a cidade. Uma comunidade bem formada é diversa, possui jovens e velhos, ricos e pobres, trabalho e residência, escola e lazer. Acredito que os novos empreendimentos serão bem sucedidos se obedecerem estes preceitos – e atrairão todas as classes.
Quanto tempo leva para se maturar um projeto de bairro planejado?
Segundo a experiência já consumada no Brasil e fora do país, um projeto de bairro planejado leva cerca de 20 a 30 anos para ficar maduro, com plena integração e presença de todos os usos propostos inicialmente e com a densidade populacional que o justifica e valoriza. Naturalmente, diferentes estratégias dos incorporadores podem aumentar ou diminuir este prazo, com maior ou menor risco de insucesso.
E da concepção do projeto até a entrega das chaves, quanto tempo leva para que um bairro planejado comece a ser habitado?
Vai depender do tamanho e de qual entrega de chaves estamos falando – da primeira ou da última? Porque a última vai demorar uns 30 anos, como disse. Isso em um empreendimento grande. Mas a primeira chave, caso o empreendimento não sofra muitos problemas de licenciamento e tenha uma concepção adequada, além de planejamento integrado com o poder público, poderá ser entregue em 5 anos ou até menos. Cada caso guarda as suas peculiaridades, acredito que não há um padrão.
Qual região do país está apostando mais nesse conceito de bairro planejado?
De forma geral, a tendência é nacional. Mas há mais projetos consolidados nas regiões Sudeste e Sul. Os indutores do surgimento de novos projetos com estas características serão, principalmente, os governantes e legisladores municipais. Assim, poderemos assistir ao surgimento de bairros planejados em qualquer região, sem necessário condicionamento geográfico. É mais uma consequência de uma estratégia política de bom desenvolvimento urbano, com foco no crescimento econômico. Os governos que primeiro reconhecerem as vantagens econômicas do bom urbanismo o adotarão, acredito.
Os condomínios horizontais predominam ou já há projetos que procuram mesclar casas com apartamentos?
Predominam condomínios horizontais, com certeza, mas, reforço, isto não é bairro planejado. Um condomínio fechado não é um bairro planejado. É apenas um condomínio que tem cotistas e serviços somente para eles, conveniências apenas para eles, lazer apenas para eles. No bairro planejado, a mescla de casas, apartamentos, lojas, comércios, escritórios, prédios cívicos e áreas de convivência social ou lazer é muito bem-vinda. Um ótimo exemplo é a Pedra Branca, em Santa Catarina. Outro caso é o do Riviera de São Lourenço, em São Paulo.
Qual é a área ideal para se desenvolver um bairro planejado?
Qualquer escala pode ser admitida para o planejamento urbano bem feito. Eventualmente, podemos falar da revitalização de bairros já existentes, intervenções pontuais que revigoram uma área decadente e, com isto, contaminam positivamente o entorno, alcançando maior escala de forma espontânea – como Puerto Madero, na Argentina. Mas para ter viabilidade econômica para o empreendedor, áreas um pouco maiores, acima de 15 hectares, são mais adequadas ao bairro planejado que sai do zero. Em áreas muito grandes, o faseamento inteligente é determinante para a valorização de cada nova etapa e aumento da margem de lucro.
Como esses empreendimentos privados conversam com o poder público (prefeituras) para organizar a infraestrutura dos bairros planejados?
Este ainda é um diálogo bastante travado aqui no Brasil. O que observamos, geralmente, são os governantes tentando empurrar suas responsabilidades infraestruturantes para os empreendedores e estes tentando obter benesses descabidas em troca. Se cada um fizer seu papel, a viabilidade da expansão urbana organizada aumentará significativamente. Para isso, é necessário que tenhamos maior sensibilidade e respeito com o bem comum, com o compromisso de longo prazo, que deve transcender interesses políticos, partidários ou econômicos. O futuro da cidade, que é um patrimônio de todos os que nela vivem, precisa estar à frente de todo e qualquer outro interesse particular. Caso contrário, a infraestrutura acompanhará os melhores acordos e não necessariamente o melhor planejamento urbano.
O programa Minha Casa, Minha Vida tentou em algumas regiões erguer novos bairros, mas esqueceu de suprir as novas residências de infraestrutura. O que faltou neste caso?
Uma análise rápida pode demonstrar que o governo federal, ao incentivar o crédito de forma exacerbada, gerou uma demanda difícil de controlar – tanto de consumidores quanto de produtores. A própria Caixa Econômica Federal, órgão central do governo neste programa, tem sido protagonista dos maiores problemas relacionados ao programa. Assim, avalio que alguns municípios podem ter sido pegos de surpresa quando foram invadidos por empreendedores interessados. Não estavam preparados para recebê-los. Houve também muita mudança de regras ao longo da implantação – por exemplo, os acessos viários não eram obrigatoriamente por vias asfaltadas. Depois, passaram a ser. Não há empreendedor que aguente tanta surpresa: crédito em colapso, custos imprevistos. Tem que ser mágico para lucrar neste cenário.
Um empreendimento como um bairro planejado é construído por um pool de construtoras ou há construtoras que abraçam empreendimentos deste porte sozinhas?
Há vários modelos de negócios com sucesso e podem ser com vários ou um único construtor/incorporador. É comum, cada vez mais, a associação do incorporador com o mercado financeiro, que começa a ter produtos estruturados especificamente para o desenvolvimento urbano. Desta forma, o risco e as competências são divididas, o que traz enormes benefícios para o empreendimento.
Entrevistado
Ricardo Valls, especialista em estruturação de projetos imobiliários
Currículo
– Graduado e pós-graduado em administração de empresas pela PUC-RJ
– É sócio da Imobisul, empresa com atuação na estruturação de projetos imobiliários para a captação de investimentos financeiros
– Também é representante no sul do Brasil da empresa americana DPZ (www.dpz.com) um dos ícones do novo urbanismo e planejadora/desenhista de mais de 300 cidades ou bairros planejados em todo o mundo
Contato: ricardo@valls.com.br
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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