Obras ágeis e com qualidade
É função do engenheiro fazer uma análise consistente dos sistemas disponíveis com o objetivo de otimizar o trinômio prazo x qualidade x custo final
É função do engenheiro fazer uma análise consistente dos sistemas disponíveis com o objetivo de otimizar o trinômio prazo x qualidade x custo final
Executar empreendimentos com agilidade sem perder a qualidade é um dos atuais desafios da construção civil brasileira. Além de encarar prazos apertados e falta de profissionais capacitados, o setor ainda se depara com a necessidade de se adaptar a novos processos e tecnologias. O resultado é uma corrida contra o tempo em busca de soluções rápidas e viáveis para atender a demanda.
No caso da Copa de 2014, as cidades-sede dos jogos têm até 31 de dezembro de 2012 para apresentar as obras de estádios e infraestrutura, que já deverão estar prontas para receber a Copa das Confederações em 2013. Desburocratização e menos rigidez na fiscalização são algumas medidas previstas pelo governo para facilitar o cumprimento dos prazos estipulados. Já no caso das obras do programa Minha Casa, Minha Vida a questão será conciliar agilidade e qualidade a um orçamento reduzido.
Para falar sobre o assunto, o Massa Cinzenta entrevistou o presidente da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (ABECE), engenheiro Marcos Monteiro. Confira a entrevista:
Os prazos para a construção de obras públicas e privadas para atender a demanda da Copa do Mundo e das Olimpíadas são suficientes? O que o setor da construção civil deverá fazer para que as obras fiquem prontas em tempo hábil, sem perder a qualidade?
Os prazos, principalmente, no que diz respeito à Copa do Mundo, já começaram a ficar apertados; especialmente, se levarmos em consideração que o primeiro evento da Copa de 2014 é a Copa das Confederações, realizada um ano antes. Esse evento, que deveria ser um teste para a Copa, com certeza já está prejudicado. Temos que considerar que obras de instalações esportivas, infraestrutura e as demais que cercam eventos dessa envergadura, implicam em tempos de execução entre três e quatro anos. Quanto ao que deve ser feito para que as obras sejam executadas em tempo hábil, sem perder a qualidade, existe um tripé que deve servir de apoio para qualquer obra de engenharia: Projetos, Planejamento e Fiscalização. Se qualquer uma dessas pernas for deficiente, seja qual for o motivo, teremos problemas na execução.
Os maiores desafios serão burocráticos ou a fase de execução das obras é a que mais preocupa?
O que mais preocupa, sem dúvida, é a burocracia. Teríamos que já ter o planejamento global de todas as obras a serem licitadas. Temos as mais diversas demandas: água, esgoto, iluminação pública, instalações esportivas, estacionamentos, hospitais, transporte (urbano, aeroportuário, marítimo, etc.), entre outras obras que se inter-relacionam em função das demandas dos eventos e dos cadernos de encargos. Esse planejamento das cidades sede começa agora, de maneira lenta, a ser conhecido. Daí, teremos o grande problema que afeta as obras: como os prazos ficam apertados demais, os projetos são feitos de maneira atabalhoada e o planejamento da execução acontece junto com a obra. Essa situação leva aos problemas já conhecidos: projetos inadequados, licitações mal feitas, planejamento inexistente, obras sendo feitas sem orçamento adequado, retrabalhos, aditivos contratuais, serviços mal executados pela falta de fiscalização, etc.
Atualmente, existem diversas opções de sistemas construtivos que permitem a realização de obras com mais agilidade e qualidade. Portanto, em relação à parte técnica, há alguma coisa que ainda impeça a realização de obras dentro destes requisitos?
Talvez, o principal entrave na utilização de sistemas industrializados (sistemas pré-moldados ou estruturas metálicas), seja a falta de conhecimento, por parte dos executores, sobre as possibilidades que cada sistema oferece e os custos e prazos do processo completo. Como os sistemas convencionais têm um histórico conhecido acabam sendo a primeira opção considerada. Mas, hoje temos grande facilidade para obter informações e fazer análises adequadas de diferentes sistemas estruturais. Essa é uma das principais funções do engenheiro: fazer uma análise consistente dos sistemas disponíveis, objetivando otimizar o trinômio prazo x qualidade x custo final.
Como o setor está lidando com a escassez de mão de obra? Essa falta, sobretudo de profissionais qualificados, pode interferir no atraso e até mesmo na qualidade das obras?
Esse é um fator que já nos trouxe preocupação há dois anos e, sem dúvida, voltará a trazer. É verdade que várias ações vêm sendo conduzidas para formar profissionais para a construção civil, em especial, pelo SENAI. Mas, ainda assim, acredito que teremos problemas com a escassez de mão de obra, o que trará para a construção pessoas sem a formação adequada, o que compromete a qualidade do produto final. Daí, a importância da fiscalização. Se a fiscalização, seja em obras públicas ou privadas, não for eficiente, teremos problemas não só com os custos dos empreendimentos, mas também com os resultados obtidos.
Qual a importância do planejamento para a execução de uma obra com agilidade e qualidade?
O planejamento é o roteiro para execução de uma obra. Um planejamento bem feito irá prever não só o cronograma de execução, mas também a ordenação dos serviços e como eles se inter-relacionam, o dimensionamento das equipes para execução desses serviços, os quantitativos de materiais a serem empregados e o momento em que deverão estar disponíveis, as datas chave de entregas parciais de serviços, além dos desembolsos necessários em cada uma dessas fases. Portanto, um bom planejamento fornece informações importantíssimas para que se tomem ações corretivas caso os prazos não estejam sendo cumpridos, bem como fornece à fiscalização instrumentos para atuar de forma adequada. Por outro lado, é importante observar que um planejamento adequado pode ser efetuado a partir de projetos executivos bem elaborados, compatibilizados e detalhados.
As construtoras precisarão mudar a forma de gerenciar a obra? O que ainda pode ser melhorado na gestão?
Na verdade, o que precisa ser mudada é a cultura do improviso, do jeitinho brasileiro. Todo curso de graduação ou pós-graduação enfatiza a importância do planejamento e da utilização de ferramentas de gestão. O grande problema é o choque de realidade que o profissional vive ao chegar em uma obra. Pressões com relação a prazos e custos, projetos e planejamento inconsistentes, empreiteiros com grande rotatividade e outros problemas que dificultam, se não inviabilizam, a implantação do discurso de transformar a obra em uma linha de montagem.
Em um evento realizado no início do ano, em Brasília, o presidente Lula pediu “menos rigor” ao Tribunal de Contas da União e aos órgãos ambientais na fiscalização dos projetos e obras da Copa de 2014. O objetivo seria o de agilizar o andamento dos preparativos para o Mundial. Se, por um lado, a fiscalização menos dura pode contribuir para agilizar os processos, por outro, a falta de uma fiscalização mais rígida poderá fazer com que as obras percam qualidade, sejam mais caras e tragam danos ao ambiente. Como equilibrar isso?
A premissa da pergunta, a meu ver, é totalmente verdadeira. Afrouxar a fiscalização implica em obras mais caras, com menos qualidade e com maiores danos ao meio ambiente. E já vimos na história recente o quanto é perigoso o discurso que os fins justificam os meios. O que temos é que repensar os sistemas de fiscalização e licenciamento ambiental. É de conhecimento público inúmeras estórias de rigor excessivo nessas ações, muito além das exigências da legislação, em função da preocupação dos funcionários públicos em serem acusados de conivência ou leniência. Já passou do momento de se realizar um trabalho conjunto entre os três poderes para que estabeleçam critérios inteligentes e eficientes para fiscalização e licenciamentos, simplificando a legislação, tornando as regras claras ao fiscalizador e ao fiscalizado, removendo os entraves à produção e ao crescimento sustentável.
Em algumas regiões que receberão a Copa, o Ministério Público criou um grupo especial para acompanhar o planejamento e a execução das obras, como é o caso de Cuiabá. Porém, em relação à qualidade, quem fará este acompanhamento?
Creio que esse é um importante papel do Ministério Público. Mas, para que esse acompanhamento alcance os objetivos desejados, é de extrema importância que o órgão se estruture com a criação de um grupo técnico, formado por profissionais experientes, que se preocupe não só com os aspectos formais do contrato, mas sim com a adequação dos serviços executados. Esse acompanhamento deve ser anterior ao início da execução, avaliando os projetos desenvolvidos, as exigências da licitação e as informações prestadas aos participantes, e os compromissos assumidos pelo vencedor. Daí percebe-se a importância de que os órgãos públicos forneçam, na fase de licitação, não apenas os projetos básicos, mas os projetos executivos completos. Apenas dessa forma, a licitação fornecerá todas as informações necessárias a todos os participantes, uniformizando o nível de informações e dando ao Ministério Público e ao grupo técnico de apoio ferramentas para realizar uma fiscalização adequada.
E-mail de contato: Assessoria de imprensa da ABECE: jornalista Rosana Córnea, da Prefixo Comunicação: prefixocom@terra.com.br
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