Gineceu arquitetônico
Dominique Perrault faz homenagem à emancipação das mulheres coreanas em edifício cuja arquitetura funde-se ao tecido urbano e à topografia feminina.
Dominique Perrault faz homenagem à emancipação das mulheres coreanas em edifício cuja arquitetura funde-se ao tecido urbano e à topografia feminina
Créditos: Engª. Naguisa Tokudome – Assessora Técnico Comercial Itambé
Uma década depois de ter afundado uma praça-jardim no centro da Biblioteca Nacional da França, em Paris, e desconstruir o significado de piso térreo, Dominique Perrault enterrou no parque central do campus da Universidade de Mulheres Ewha, em Seul, um volume de 350 mil m³ para abrigar 22 mil estudantes.
Muito na Coréia mudou desde que, em 1886, a missionária metodista norte-americana Mary Scranton fundou em sua casa a Ewha Haktang (Academia Botão de Pêra), primeira instituição educacional para mulheres do país, criada para que mulheres coreanas se libertassem da servidão doméstica. Somente em 1935 ela se mudaria de seu terreno repleto de pereiras no norte da cidade para o campus no bairro de Shinchon-dong.
Desde 1960, a renda per capita do país cresceu 200 vezes, e com ela emergiu uma classe média disposta a investir na educação dos filhos – e das filhas. Na virada do milênio, as construções neogóticas do missionário norte-americano William Merrell Vories já não comportavam mais as estudantes daquela que se tornou a maior universidade feminina do mundo. Faltava não apenas espaço para estudar, como também equipamentos que tornassem a vida estudantil uma experiência agradável.
Aumentar a área construída não poderia significar a perda dos gramados, flores e árvores que dão o histórico caráter pastoral do campus. A solução foi construir em uma área de 19 mil m² um volume subterrâneo. Enquanto sua cobertura vegetal reconstrói a topografia do lugar tal como um discreto monte de Vênus, um vale de 250 m de comprimento e 25 m de largura recorta o prédio ao meio, iluminando e ventilando naturalmente suas encostas de vidro encaixilhado em alumínio. Com sua vastidão e claridade, o vale, que faz a circulação do prédio, elimina o mal-estar que se pode sentir ao entrar numa construção subterrânea.
Perrault descreve esse vale como uma nova Champs Elysées, uma via que convida o público a fruir o campus. Serve ao mesmo tempo de acesso aos quatros andares do edifício, encruzilhada de trajetórias, espaço para troca de ideias após aulas, teatro ao ar livre, praça e área de exposições. Como uma rampa, ele desce suavemente do sul até se encerrar ao norte numa monumental escadaria que serve de bancada informal para as jovens se encontrarem.
A Universidade precisava não apenas de uma intervenção arquitetônica para aumentar sua capacidade, mas também de uma integração entre o campus e o tecido urbano. O bairro de Shinchon-dong tem quatro universidades. Em torno delas surgiram cinemas, shopping centers, cafés, karaokês, discotecas e lan houses que fazem dele uma das áreas mais jovens e movimentadas de Seul. Não haveria por que uma instituição pioneira na valorização profissional das coreanas manter suas estudantes encasteladas num campus voltado para si. Nos anos de 1950, a Ewha ofereceu-lhes pela primeira vez a oportunidade de estudar disciplinas então consideradas desapropriadas para mulheres, como medicina, direito, ciências e jornalismo. Entre suas ex-alunas estão Han Myung-sook, a primeira mulher a ocupar o cargo de premiê do país, entre 2006 e 2007, e a artista plástica Song Sanghee que, na Bienal de São Paulo de 2006, expôs “máquinas” semelhantes a instrumentos de tortura destinadas a moldar as mulheres à etiqueta social.
Programa
As salas de aula e a biblioteca da universidade estão instaladas em seus três primeiros andares, de cima para baixo. São os mais iluminados. Quando possível, paredes dos dois lados das salas são fechadas em vidro, para que a luz atravesse o prédio.
A circulação vertical pode ser feita não só pela rampa externa, como também por meio de um sistema de escadas e corredores internos, adjacente às cortinas de vidro. Ao descer até o nível mais baixo da rampa, o usuário encontra um programa comercial completo. O objetivo é que as atividades urbanas invadam o campus.
Ao chegar por uma das oito portas do fundo do vale o visitante é recebido por lojas; seguindo ao norte, sob as escadarias do vale, encontra um teatro e uma área de exibições; ao sul, uma academia, duas salas de cinema e um teatro estudantil. Tanto a menor necessidade de iluminação natural quanto o ruído produzido por um maior fluxo de usuários em movimento justificam a escolha desse andar inferior para o programa comercial. Abaixo desse nível, há dois andares subterrâneos de estacionamentos, que economizam a escassa área do terreno.
Enquanto em Paris Perrault fez tributo à leitura com suas quatro torres abertas como livros em ângulos retos nas esquinas de um terreno retangular, em Seul criou, com a suave elevação do volume subterrâneo e seu brutal rompimento tal como uma falha geológica, uma homenagem às mulheres coreanas que, por meio dos estudos, lutam para vencer a marginalização.
Fonte: PiniWEB
Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330 Tempestade Comunicação.
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