Na arquitetura hospitalar, cada caso é um caso
Projetos têm especificidades muito particulares, ensina Siegbert Zanettini, com quase 60 anos de experiência neste tipo de edificação
Projetos têm especificidades muito particulares, ensina Siegbert Zanettini, com quase 60 anos de experiência neste tipo de edificação
Por: Altair Santos
Professor titular da FAU USP, e especialista em arquitetura hospitalar, Siegbert Zanettini afirma que projetos arquitetônicos para hospitais estão entre os mais complexos. “Cada caso é um caso”, diz. Para elaborá-los, é preciso considerar condicionantes, como vocação da unidade (regional, alta complexidade, geral), especialidade (maternidade, neurologia, doenças do coração, gastroenterologia) e a localização em que o prédio será construído. Siegbert é responsável por projetos como os do hospital Municipal Ermelino Matarazzo, Albert Einstein Morumbi, São Camilo Pompéia, São Luiz Anália Franco, Bandeirantes, Mater Dei Contorno e Betim, Moriah SP e Hospital Universitário da USP. O arquiteto acumula em seu currículo mais de 12 premiações com projetos de saúde. Na entrevista a seguir, ele detalha o que é arquitetura hospitalar. Confira:
Em arquitetura hospitalar é correto dizer que cada caso é um caso?
Sim. Pode-se dizer que cada projeto de hospital tem suas especificidades. Primeiro, existe uma hierarquia por nível de complexidade de ocorrências médicas, que é a seguinte:
– Hospitais de referência de alta complexidade são aqueles que atendem pacientes de urgência em alto risco, além de ambulatorial, e tem instalações, equipamentos e espaços destinados a todas e quaisquer tipos de enfermidade. Possuem equipes médicas e de enfermagem especializadas em qualquer tipo de ocorrência médica;
– Hospitais universitários são destinados a atendimentos diversos e conectados à instituição de ensino e pesquisa;
– Hospitais regionais destinam-se a dar suporte a uma rede de hospitais locais de municípios, na área de abrangência de seu entorno;
– Hospitais locais de menor complexidade atendem a uma faixa de enfermidades mais recorrentes e que, em determinados casos, são especializados: maternidade, infantil, coração, ortopédico, etc;
Segundo, é preciso observar as necessidades funcionais de um hospital, que exige circulação diferenciada de público externo, assim como de pessoal de trabalho. Além disso, é conveniente separar os fluxos limpos e sujos de materiais e descartes. Também é recomendável separar no zoneamento interno os setores de pacientes internos e externos: pronto socorro, pronto atendimento e seus ambientes complementares, como os de atendimento de urgência, consultórios ambulatoriais e setores afins.
Terceiro, todos os acessos em desnível devem conter rampas e elevadores acessíveis a deficientes físicos e pacientes com dificuldade motora e idosos. As instalações também devem possuir espaços bloqueados para evitar infecções cruzadas, como centros cirúrgicos e obstétricos, berçários, laboratórios, setor de imagens (ressonância magnética, tomografia, câmara hiperbárica), lavanderias e cozinhas. Essas e outras condicionantes, por si só, justificam ao hospital um tratamento arquitetônico específico.
Até que ponto a especialidade do hospital influencia em sua arquitetura?
Um dos conceitos relevantes que defendo em meus artigos publicados e em palestras proferidas é que o projeto de arquitetura está holística e sistematicamente integrado a todos os projetos de engenharia e, em algumas situações, a outras ciências do conhecimento, como é o caso das biológicas, nos projetos de um hospital. A importância e a complexidade dos sistemas hidráulicos e elétricos, de ar-condicionado e de oxigênio, entre outros, junto com estrutura, fundações e conforto acústico, obriga a resolvê-los integradamente e com controle por automação. Tudo isso, pois é importante uma durabilidade sem reformas indesejáveis, seja por omissão de projetos específicos ou por mau funcionamento. Elas resultam em custo e em interferências e paralisações problemáticas para uma tipologia de edifício que funciona 24 horas, em feriados e em fins de semana.
A arquitetura dos hospitais antigos é verticalizada, com rampas e elevadores. Hoje, a arquitetura hospitalar privilegia os projetos horizontais?
A verticalização ou não do hospital não caracteriza em si uma posição privilegiada ligada às funções de um hospital. Normalmente são condições locais que pesam mais, como área disponível de 120 m² por leito, áreas extensas para estacionamento, exiguidade de áreas disponíveis ou declividades acentuadas para implantação, situação em áreas urbanas adensadas ou com acessos limitados pela condição do terreno ou pela valorização vizinha, como também o zoneamento estipulado por posturas municipais.
A Norma de Desempenho se enquadra na construção de hospitais, em função de suas exigências termoacústicas?
As exigências termoacústicas devem atender a Normas de Desempenho como qualquer outra edificação, pois abriga não só pacientes, já com condições fragilizadas ao frio ou ao calor, assim como a ruídos indesejáveis, mas também os profissionais-médicos, enfermagem e pessoal de manutenção, que devem permanecer horas ou, às vezes, plantões seguidos.
Dos hospitais que o senhor já projetou, algum requereu uma inovação construtiva?
Quase todos os projetos envolvem inovações de sistemas, materiais, técnicas construtivas e atendimento. Só para citar: o Hospital Mater Dei Contorno, em Belo Horizonte, com 70.000 m² de construção, teve toda a tecnologia estrutural metálica. Menos as paredes de diafragmas e as fundações. Quase toda a obra não ocorreu no canteiro, como normalmente é, mas constituiu uma sequência de montagens de lajes em “steel deck”, paredes em “drywall”, fachadas unitizadas e acabamentos internos industrializados, assim como a ocupação de ambientes realizados em tempo recorde. Outro exemplo: a colocação de banheiros prontos montados em uma semana no bloco 2 do hospital São Camilo Pompéia, assim como todas as fachadas em painéis pré-moldados de concreto leve. Há ainda, a construção do Hospital Leforte, um retrofit de uma antiga escola que recebeu vários pavimentos, transformando-se em um hospital-geral.
O que é mais comum na construção de hospitais: alvenaria convencional, alvenaria estrutural, estruturas pré-fabricadas de concreto ou estruturas mistas?
Já utilizamos praticamente todos os sistemas construtivos existentes, além dos que criamos em mais de cinquenta hospitais novos ou retrofits.
Nas universidades, há disciplinas que tratem do tema arquitetura hospitalar ou o currículo é carente neste aspecto?
A área é carente em profissionais que nela trabalhem, assim como na sua formação.
Há quantos anos o senhor atua nesta área e o que o fez se especializar em arquitetura hospitalar?
São cerca de 60 anos atuando como profissional em todas as áreas da arquitetura. Para exemplificar, realizei, como recém-formado em 1961, o hospital de Osasco e o hospital-piloto da usina hidroelétrica de Jupiá, na cidade de Urubupungá-SP. Em 1968, a maternidade de Vila Nova Cachoeirinha para a Prefeitura de São Paulo. Em 40 anos como professor da FAU, da Universidade de São Paulo, dei cursos para profissionais, arquitetos, engenheiros, médicos e enfermeiros, junto com a Faculdade de Higiene e com os médicos do Hospital das Clínicas.
Entrevistado
Arquiteto Siegbert Zanettini, professor-titular da FAU USP e especialista em arquitetura hospitalar. Titular da Zanettini Arquitetura, com mais de 53 anos de atuação profissional e 1.200 projetos
Contato
zanettini@zanettini.com.br
Crédito Fotos: Divulgação/Zanettini Arquitetura
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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