Empresa precisa manter agenda positiva na crise

Consultor Marcelo Ortega aponta medidas que ajudam a fazer uma leitura diferente do momento atual que a economia do Brasil atravessa

Consultor Marcelo Ortega aponta medidas que ajudam a fazer uma leitura diferente do momento atual que a economia do Brasil atravessa

Por: Altair Santos

A palavra crise se tornou um mantra no Brasil. Seus efeitos já estão além do impacto econômico. Começam a interferir diretamente no desempenho de profissionais – principalmente os que continuam empregados. Para evitar um clima que afete a produtividade, a empresa precisa se blindar e criar uma agenda positiva, alerta o consultor Marcelo Ortega.

Marcelo Ortega: é preciso redesenhar a agenda e criar mecanismos de encantamento do cliente
Marcelo Ortega: é preciso redesenhar a agenda e criar mecanismos de encantamento do cliente

Segundo o especialista, nestas horas existe uma espécie de “Dez mandamentos positivos” que devem nortear as companhias. O foco deve ser na melhoria de métodos de produção, estratégias inovadoras de venda e visão otimista do futuro. Além disso, Ortega recomenda a busca de um ambiente de trabalho que procure retirar a pressão, trocando-a pela eficácia. Confira a entrevista:

Em seu artigo, “Dez maneiras de blindar sua empresa contra a crise”, o senhor prega que as empresas tenham uma agenda positiva na crise. Das dez maneiras, qual seria a primeira medida a ser tomada?
A melhor maneira de enfrentar crises é investir nela. Investir no treinamento de sua equipe, na consolidação de processos de vendas mais eficazes, fazendo com que seu negócio seja percebido pelos diferenciais de atendimento, consultoria ao cliente, esforço extra no pós-venda, enfim, fazer mais com menos. Empresas inteligentes retêm seus talentos nessa hora, e isso se dá com desafios e responsabilidades. Treinar é apostar na pessoa e dar a ela competências que permitam fazer até mais do que aquilo que se é pago para fazer. Sem dúvida, fico com a frase: é melhor investir no conhecimento, do que pagar o preço da ignorância.

Existem setores mais vulneráveis ao impacto psicológico da crise do que outros?
Todos os setores são percebidos ou se posicionam como commodities, pois não têm valor percebido, valor agregado. Portanto, só podem ser diferenciados por preço e prazo. O varejo sofre muito, em especial setores de alimentação. Restaurantes fast foods acusam queda de mais de 40% no faturamento nos últimos 12 meses. Foi o que me revelou uma importante rede de franquias no segmento. Vemos o mercado imobiliário também em queda, pelo simples fato de que as pessoas tiveram seu poder de compra afetado, com alta de juros e com redução das vantagens no financiamento imobiliário. O corretor de hoje tem que ser muito mais criativo que em outros tempos. Em geral, tirando agronegócio e alguns setores ligados ao mercado externo, comércio exterior, os demais foram prejudicados com a desconfiança do mercado, a queda no consumo e as perspectivas terríveis que estão traçando os especialistas em macroeconomia. O caminho é criar novos produtos, adequar preços, estratégias inovadoras que mesclem produtos e serviços no mix de solução, para criar o sentimento de urgência, de vantagem em comprar agora. Irá se diferenciar quem resistir ao turbulento voo que iremos alçar neste ano. Sem criatividade, inspiração e transpiração, não há blindagem.

A construção civil é um setor que tem sido bem impactado pelo cenário econômico, sobretudo os engenheiros. Esses profissionais precisam de uma injeção de ânimo maior?
Não são os engenheiros que precisam de mais motivação. São todos que participam da cadeia produtiva no setor da construção civil. Devemos entender que a crise é uma espécie de filtro. Iremos agora ver quem é quem e, em qualquer setor afetado, ver aqueles que estão dispostos a pagar o preço do mercado desaquecido, que inspira mudanças. O conceito agora é fazer vendas. Todos somos vendedores, e se pensarmos assim, engenheiros, arquitetos, serralheiros, vidraceiros, mestres de obras, enfim, todos, precisam se inspirar na onda da mudança de hábito, da remodelagem de seus modus operandi. Não dá pra ficar atrás da mesa. É preciso redesenhar a agenda, criar mecanismos de encantamento do cliente, fazendo pesquisas de mercado, criando empreendimentos que satisfaçam muito mais necessidades de seus consumidores. Canso de ver empresas que pensam de forma exata, pouco humana e, assim, não visam oferecer soluções criativas, desejáveis, customizáveis a necessidades e momento do mercado.

As iniciativas de mudar o clima na empresa devem partir de quem, a princípio?
Sem dúvida, depende da liderança. Líderes criam comportamentos e o clima favorável à motivação. Tem chefe que não vê o quanto mina a energia de sua equipe, praticando apenas a arte da pressão, de dar ordens e cobrar. Ser cognitivo, atuar junto com seus liderados e promover eventos de relacionamento, de aprendizagem, de reciclagem ajudam muito nessa hora.

As dez maneiras de blindar a empresa mudam conceitualmente de uma startup, por exemplo, para uma fábrica?
Uma startup ou uma grande indústria têm diferenças, é claro. No entanto, as dez maneiras de blindar-se contra a crise, não se relaciona ao tamanho, porte ou ramo de atividade. É um olhar profundo para as pessoas, para o desenvolvimento de estratégias, táticas e operações que podem reduzir gastos, eliminar retrabalhos, aumentar a eficiência e prover soluções para a empresa ter mais lucro. Máquinas não sentem a crise, as pessoas sim. O emocional é muito importante na superação dos fatos negativos, que são muitos. Ocupar o espaço de seu concorrente dependerá de fazer mais que ele, com mais qualidade. No entanto, as empresas estão ficando muito parecidas do ponto de vista técnico. O lado comercial, do relacionamento com o bem mais valioso de qualquer negócio – ou seja, o cliente -, fica um pouco esquecido na crise. O primeiro a sentir cortes é o RH; segundo, o Marketing. Sem pessoas treinadas, sem estratégias de conquista de clientes, sem reter os principais contratos ou carteira de clientes estratégica, sua empresa ou negócio fracassará.

A crise tende a gerar melhores procedimentos nas empresas? Quais, por exemplo?
Há três exemplos que quero citar. Nesta empresa que mencionei na entrevista, ligada à área de alimentação (rede de franquias fast food), eles inovaram realizando parcerias com cinemas dos principais shoppings e fazendo o cliente ter vantagens na compra casada do ingresso e de seus pratos mais acessíveis, criados para aumentar a demanda em crise. Perceberam que o cliente, mesmo em tempos difíceis, continua buscando entretenimento e, portanto, indo ao cinema, pelo menos. No setor de concreteiras, em uma grande empresa que atendi com palestras em fevereiro de 2016, a inovação se deu pela intensa carga de treinamento que fizeram. Aumentaram a convenção de vendas em um dia, para explorar não só a parte técnica de produtos, mas detalhamento de metas e números obtidos no ano anterior. Começaram o ano investindo mais tempo na reciclagem de equipe, para que não estejam reféns de um mercado tão “comoditizado”, em que o valor agregado é perto de zero. A solução foi vender tecnologia do concreto, com a criação de laboratórios e centros de suporte específicos para cada tipo de obra, e do material a ser empregado. A equipe de vendas, em especial, conheceu os diferenciais a fundo e simulou situações de negociação em que a concorrência era desleal, e mesmo assim, conseguiu contra-argumentar e convencer o cliente. Clientes especiais e fornecedores participaram dos eventos. Isso aumentou o nível de relacionamento deles com o mercado em que atuam. Por fim, quero citar o Uber. Esse é o grande case. Uma empresa que conheço de perto há muitos anos, e que chega no Brasil com força total, gerando uma polêmica gigantesca pela concorrência que promove com taxistas. O Uber é uma opção, uma evolução, uma contradição à crise. Outro dia fui à praia de Uber e recebi um kit contendo protetor solar, água de coco na caixinha e outros apetrechos para praia. Carros de qualidade, motoristas educados e um conforto que faz você pagar até um pouco mais, porque recebe muito mais. Surpreender o cliente no final com esse kit foi sensacional.

Produtividade, competitividade e transparência podem ser elementos novos a serem acrescidos nas empresas?
São três valores fundamentais. Produtividade depende de disciplina, de dizer não a algumas coisas. Falta foco a muita gente, por isso tanta improdutividade. Competição e cooperação são duas palavrinhas que deviam andar juntas, pois advêm do latim: competir significa partir junto (dar a largada) e cooperar significa querer chegar junto. O mundo anda muito competitivo e pouco cooperativo. O grande competidor treina e ajuda seus principais adversários, aprende com eles, mira os melhores. Para estar entre os melhores é preciso andar com eles, trocar algo, buscar cooperação como arma de competição, de melhoria contínua. E transparência é uma questão ética, outro ponto escasso no meio corporativo. As pessoas optam pela ilusão de esconder fatos, defeitos, limitações, informações relevantes ao bom desempenho. O país vive uma crise de ética por isso, pelo jeitinho brasileiro, de empurrar para debaixo do tapete aquilo que não lhe é conveniente. É um cessar imediato desta atitude que permitirá nas organizações muito mais aderência e preferência de seus clientes.

Empresas que, por conta da crise, já demitiram bastante, e ainda podem demitir mais, têm ambiente para gerar uma agenda positiva?
É melhor um fim trágico que uma tragédia sem fim. Tem outra frase, esta de Dale Carnegie, que diz: coopere com o inevitável. Simples assim. Eu não entendo que uma pessoa possa ter uma agenda negativa se está engajada com metas e com os objetivos da empresa. Engajamento não se compra, é algo pessoal. A maioria das demissões ocorre por incompetência dos demitidos, e claro, motivos de força maior. A crise é um filtro, como eu disse. É boa para ver quem está disposto a mudar, a pensar de forma diferente, a se engajar com os novos desafios e metas maiores. Fatalmente alguns serão injustiçados, mas faz parte. A disrupção é um conceito interessante. Quando vivemos o caos, temos que ser capazes de transcender, de inovar, de superar. Aqueles que permanecem na empresa devem se sentir prestigiados, convidados ao sucesso, a fazer mais do que aquilo que são pagos para fazer. Os que se vão, paciência e persistência. Cooperem com o inevitável e enxerguem isso como uma oportunidade de renovar suas competências, e partir para novos desafios. Entropia é um conceito a ser aprendido por todos nós. Significa entrar para sair do caos. Quem aprende com a crise, melhora, e muito. Isso é muito positivo.

Entrevistado
Marcelo Ortega é especialista no desenvolvimento de técnicas e atitudes que determinam crescimento, lucratividade e aumento de produtividade. É autor dos livros “Sucesso em Vendas” e “Inteligência em Vendas”.

Contatos
vendas@marceloortega.com.br
www.marceloortega.com.br

Créditos Fotos: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330


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