Fiscalização eficiente faria bem ao concreto

Especialista avalia riscos de se cortar custos comprometendo a qualidade do material e faz alerta sobre “concreteiras temporárias” existentes no mercado

Especialista avalia riscos de se cortar custos comprometendo a qualidade do material e faz alerta sobre “concreteiras temporárias” existentes no mercado

Por: Altair Santos

Especialista em estruturas pela UFMG, especialista em tecnologia dos materiais pela ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) e associado da ABECE (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural) o engenheiro civil Flávio Renato Pereira Capuruço é um defensor intransigente da qualidade do concreto na obra. Palestrante sempre presente em eventos da construção civil, alerta constantemente que nenhuma construtora deveria querer cortar custos a partir do concreto. Segundo ele, por questões legais e normativas, como Código do Consumidor e Norma de Desempenho (ABNT NBR 15575) é imprescindível zelar pelas estruturas de uma edificação. Capuruço reconhece, no entanto, que falta fiscalização. Por isso, complementa, há muitas “concreteiras temporárias” operando no país. Segundo ele, são empresas que se estabelecem para explorar um nicho que está aquecido e, depois que o mercado esfria, fecham as portas. Na entrevista a seguir, o engenheiro esmiúça seus conceitos a favor da qualidade do concreto. Confira:

Flávio Renato Pereira Capuruço: a qualidade tem um preço que não é valorizado

Em uma das Minascon, que recentemente teve sua 11ª edição, o senhor palestrou sobre direitos e deveres do controle tecnológico do concreto. Ainda há muito concreto de qualidade duvidosa sendo vendido no país?
Quando falamos em qualidade do concreto, temos que abranger toda a cadeia construtiva. Considero que a qualidade do concreto inicia-se na sua especificação, que considere as características dos materiais constituintes do concreto da região onde se localiza a obra, que informe o desempenho mínimo deste concreto em cada etapa construtiva e que seja devidamente analisado por um tecnologista do concreto. Além disso, a qualidade do concreto depende da competência da concreteira em fornecer um concreto que atenda àquelas especificações, e dos laboratórios, na correta execução dos ensaios normativos para a garantia de seu desempenho. Como não temos este ciclo totalmente implementado na maioria de nossas obras, infelizmente ainda temos muito concreto de qualidade duvidosa no país.

Tentar cortar custo descuidando da qualidade do concreto é um erro?
Existem inúmeras formas de se reduzir o custo do concreto, seja na escolha de melhores materiais constituintes, seja na otimização operacional e logística das centrais dosadoras de concreto ou mesmo na implementação de concretos especiais, como o concreto autoadensável. Porém, toda a tecnologia e conhecimento utilizados numa possível redução de custos do concreto, em nenhum momento poderá comprometer sua qualidade, pois isto irá impactar na durabilidade e segurança das obras.

O consumidor final, normalmente, desconhece o concreto aplicado na obra. Muitas vezes lhe interessa mais a marca do porcelanato. As construtoras que se valem desta desinformação para “economizar” no concreto correm quais riscos?
Diz o ditado que “quem vê cara, não vê coração”. Não adianta, simplesmente, maquiar um problema. Atualmente, temos leis severas que protegem o consumidor final contra vícios construtivos. Existem normas técnicas, como a Norma de Desempenho das Edificações, que especificam os critérios mínimos de qualidade de todo o sistema construtivo, inclusive com relação à estrutura, ou seja, o consumidor final pode até não dar a devida importância à qualidade do concreto num primeiro momento – até porque pode ser leigo neste assunto -, mas seus direitos estão amplamente resguardados pela legislação brasileira e, em casos de sinistros, as construtoras que não prezam pela qualidade do concreto, dentre outros, serão penalizadas.

Os setores ligados à qualidade do concreto, assim como entidades de classe, não deveriam tentar chegar ao consumidor final para que ele ficasse informado sobre a importância de um concreto de qualidade na obra que ele está comprando?
Infelizmente, se dá valor à qualidade do concreto somente após algum tipo de acidente ou sinistro. Existem poucas iniciativas no sentido de se levar estas informações ao consumidor final. No máximo, buscam conscientizar os membros da comunidade técnica sobre a importância do assunto.

Equipamentos descalibrados, adição indevida de água, excesso de ar aprisionado no concreto e falta de manutenção da betoneira estão entre alguns dos problemas que resultam na má qualidade do concreto ou há outros?
Como disse anteriormente, a qualidade do concreto abrange toda uma cadeia construtiva, cada componente com suas variáveis e responsabilidades. A principal causa, para mim, é a substituição de valores, ou seja, enquanto critérios econômicos e políticos forem mais importantes do que os técnicos, vamos continuar com este cenário de descrença na construção civil. Além disso, como a mão de obra está cada dia pior, não existe uma cobrança e valorização pela qualidade. Aceita-se de tudo, desde que seja viável economicamente, o que é um grande erro.

O bom momento da construção civil, entre 2008 e 2012, fez com que muitas concreteiras entrassem no mercado, algumas sem o devido conhecimento técnico. Por que esse tipo de empresa prolifera?
Porque a fiscalização é deficiente e os principais clientes, as construtoras, preocupam-se, principalmente, com o preço do concreto. Como essas concreteiras atuam de forma temporária, muito delas já fecharam, elas entram no mercado com produtos e serviços de baixo custo e qualidade discutível apenas para aproveitar o momento de euforia da construção. Elas utilizam os inúmeros programas de crédito para aquisição de equipamentos, com condições de financiamento extremamente vantajosas, e contratam engenheiros de aluguel como responsáveis técnicos para atuar no mercado. Ou seja, o cenário é bastante favorável à criação deste tipo de empresa. As construtoras deveriam visitar as instalações da concreteira para verificar as condições de preparo e fornecimento do concreto, e não, somente, valorizar o preço.

Muitos construtores tentam economizar no custo do concreto para investir no acabamento, que é o que acaba impressionando o consumidor final. A que tipos de patologias uma obra deste tipo está sujeita?
Imagine um concreto aparente de qualidade duvidosa e aplicado nos pavimentos de garagem, onde temos maior concentração de gás carbônico. Com o tempo, vamos ter a carbonatação do concreto que, aliada à umidade presente no ar, provoca a corrosão das armaduras e, consequentemente, a redução da durabilidade da estrutura. Caso não sejam feitas as manutenções preventivas e corretivas, podemos ter o colapso desta estrutura. Outro cenário: um concreto com baixo módulo de elasticidade aplicado numa viga que vence um grande vão, sobre uma alvenaria, no interior de um apartamento. Devido à fluência do concreto (deformação lenta causada por carregamento permanente) haverá o esmagamento desta alvenaria que, por ser rígida, sofrerá tensões que provocarão trincas ou, em casos mais graves, rupturas. Estas são algumas manifestações patológicas que podemos ter em nossas edificações, devido à má qualidade do concreto, e que, infelizmente, são muito comuns e graves.

O setor da construção civil é um dos mais normatizados. Mesmo assim, ainda há muitas obras sem controle de qualidade. Por que isso?
Porque não existe fiscalização quanto ao cumprimento desta normatização. Além disso, a desinformação é muito grande e a qualidade tem um preço que não é valorizado. Mesmo com um bom número de normas técnicas, elas não são devidamente estudadas nas universidades e divulgadas na comunidade. Inúmeras construtoras acham que controle de qualidade do concreto significa ensaiar alguns corpos de prova. Executam estes ensaios apenas para desencargo de consciência e não como critério de garantia de desempenho. Existem procedimentos construtivos que ficam apenas no papel. Muita teoria e pouca prática, infelizmente.

Pequenos construtores ainda optam por produzir o concreto na própria obra, abdicando de contratar uma concreteira. Isso barateia ou encarece os custos?
Não só em pequenas construtoras, mas isso é realidade também em construtoras de médio e grande portes, principalmente onde se tem pequenos volumes de concreto, como, por exemplo, nas concretagens de pilares. Estas peças, os pilares, são as que mais necessitam de um concreto de boa qualidade devido sua característica de resistência à compressão. Na grande maioria das vezes, um concreto virado em obra não possui um controle de qualidade eficiente e, para tanto, aplica-se uma dosagem conservadora de concreto, com maior consumo de cimento, resultando num concreto mais caro. Levando-se em consideração os aspectos de produtividade nas concretagens, custo com materiais, mão de obra e equipamentos destinados à produção do concreto, aliados à garantia de qualidade e responsabilidade, acredito que não seja viável, nos dias de hoje, a produção de concreto na própria obra. No caso de pequenos volumes, como o supracitado, é uma questão de negociação com a concreteira e planejamento no método construtivo.

O projetista é decisivo no controle de qualidade do concreto aplicado em uma obra?
Sim, dentro de suas atribuições e responsabilidades. Um bom projeto deve conter todas as especificações técnicas do concreto e que foram levadas em consideração no momento da concepção estrutural da edificação. Além disso, como em casos de não-conformidade no desempenho do concreto, compete ao projetista estrutural a análise e elaboração de procedimentos e projetos corretivos. Este profissional torna-se referência na indicação das melhores empresas para fornecimento e controle de qualidade do concreto.

Entrevistado
Engenheiro civil Flávio Renato Pereira Capuruço, especialista em Estruturas pela UFMG, especialista em tecnologia dos materiais pela ABCP e associado da ABECE (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural).
Contatos
flavio.renato@beton.eng.br
flaviorenato@msn.com
www.beton.eng.br

Crédito Foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330


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