Arquitetura penal obedece diretrizes específicas
Para atuar nessa área, profissional precisa buscar especialização fora do país ou atuar em escritórios que trabalham com esse tipo de projeto
Para atuar nessa área, profissional precisa buscar especialização fora do país ou atuar em escritórios que trabalham com esse tipo de projeto
Por: Altair Santos
A alta complexidade de um projeto para construir presídios requer formação específica para esse tipo de obra, tanto para engenheiros civis quanto para arquitetos. O problema é que no Brasil há poucas referências e sequer disciplinas sobre como projetar e erguer um empreendimento deste tipo. Nas graduações e nas pós-graduações, revela a arquiteta Suzann Cordeiro, há escolas que, inclusive, discriminam esse tipo de obra.
Fora do país, segue-se um caminho contrário. Existem até escritórios de engenharia e arquitetura que trabalham unicamente para projetar e construir presídios. Trata-se de obras em que grande investimento em tecnologia, principalmente na do concreto. É o que revela Suzann Cordeiro, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e consultora na área de arquitetura penal. Confira a entrevista:
Um projeto de unidades destinadas ao custodiamento de pessoas possui diversas características especiais. Quais são as principais?
O principal desafio de um projeto de unidade penal é o equilíbrio entre segurança e a dita “ressocialização”. Por ser um espaço com alta complexidade programática, já que demanda serviços de saúde, educação, trabalho, custodiamento, alojamento, serviços industriais e grande aglomeração de pessoas, a preocupação com cruzamento de fluxos, dimensionamento adequado, ventilação e iluminação suficientes, além de minimização do potencial violento da população atendida, são complicadores para a solução espacial. Também é preciso cuidar para que a própria estrutura construída não possibilite a subversão, com a produção de armas com as ferragens, que são transformadas em ‘espetos’. As especificações técnicas necessitam ser específicas para características de alta resistência antivandálica, entendendo-se que esta resistência não se resume à resistência a impactos ou fogo.
Em termos de normas, quais as internacionais de segurança construtiva e acessibilidade que precisam ser cumpridas?
Não existem normas internacionais específicas para a segurança construtiva ou para a acessibilidade em edifícios de custodiamento. Em parte, isto se explica pela necessidade de entender o sistema penal específico de cada país e, consequentemente, a gestão prisional. Além disso, cada unidade, a depender do perfil de atendimento (masculino/feminino; regimes fechado/semiaberto/aberto; público provisório/condenado), apresenta especificidades de funcionamento, de fluxos e de usuários. Existem as regras mínimas da ONU, assim como alguns tratados internacionais (Tratado de Bangkok e Pacto de San Jose, entre outros) que exigem condições mínimas de atendimento, impactando em características espaciais. Mas não há nada específico.
E no Brasil, segue-se uma normativa?
No Brasil, em 1994 foram criadas as diretrizes básicas para os projetos de estabelecimentos penais (Resolução nº 16, de 12 de dezembro de 1994) pelo Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária (CNPCP) na tentativa de normatização da Arquitetura Penitenciária, revisada em 2005, e revogada pela Resolução nº 3, de 18 de fevereiro de 2005. Ambas, traziam discussões sobre zoneamento, programa de necessidades e funcionamento dos edifícios destinados à aplicação da pena. No entanto, ainda não incorporavam o conceito de vaga de forma mais abrangente, considerando demandas e não apenas celas, ou mesmo questões de adequação ambiental, eficiência energética, sustentabilidade etc. Apesar dos avanços contidos nesta resolução, continuavam imperando espaços voltados à segregação e segurança, com dimensões dos ambientes fixas, sem considerar a quantidade de usuários, ou seja, não havia reflexões de racionalização dos espaços, das dimensões e das especificações necessárias a cada ambiente. Em 2011, houve uma nova revisão da normatização acerca da Arquitetura Penitenciária, através das Diretrizes para Arquitetura Penal (Resolução nº 9, publicada em 18 de novembro de 2011) da qual eu participei como conselheira do CNPCP. Acredito que, a partir da nova resolução e seus desdobramentos, surge uma perspectiva mais inovadora e integrada dos aspectos de segurança, inclusão social, direitos humanos e sustentabilidade (econômica, social e ambiental) de maneira a exigir, dos projetistas, reflexões mais integradas e mais aprofundadas na concepção dos estabelecimentos penais, o que considero ser uma contribuição importante do Brasil para os demais países.
Quanto às normas da ABNT, quais as que um projeto desta natureza precisa atender?
Não existem normas específicas para a construção de estabelecimentos penais. Porém, a Res.9/2011 especifica, nas suas referências bibliográficas, a seguinte relação de normas a serem consideradas:
1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220/2003: zonas bioclimáticas do Brasil.
2. NBR 9050/2004: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
3. NBR 6492/1994: representação de projetos de arquitetura.
4. NBR13532/1995: elaboração de projetos de edificações.
5. NBR 5626/1998: instalações prediais de água fria.
6. NBR 5648/1999: sistemas prediais de água fria – tubos, conexões de PVC 6,3, PN 750 kPa, com junta soldável – Requisitos.
7. NBR 8160/1999: instalações prediais de esgoto sanitário.
8. NBR 5410/2004: instalações elétricas de baixa tensão.
9. NBR 5413/1992: iluminância de interiores.
10. NBR 5473/1986: instalações elétricas prediais.
11. NBR 7198/1993: projeto e execução de instalações de água quente.
12. NBR 13.932/1997: instalações internas de gás liquefeito de petróleo (GLP) – projeto e execução.
13. NBR 13.933/1997: instalações internas de gás natural (GN) – projeto e execução.
14. NBR 9575/2010: impermeabilização – seleção e projeto.
15. NBR 6023/2000: informação e documentação: referência – elaboração.
Ainda assim, cabe aos projetistas atentarem para as especificidades deste tipo de construção, pois muitas das sugestões das normas não podem ser utilizadas neste uso específico, por questões de segurança, como por exemplo, a colocação de extintores dentro de módulos de alojamentos, pois os mesmos podem ser utilizados como arma pelos detentos.
Para quem quer atuar nesta área, seja arquiteto ou engenheiro, as universidades brasileiras têm disciplinas voltadas a isso?
Não. Inclusive, tenho recebido diversos e-mails de alunos, pedindo ajuda para convencer os professores sobre a elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), porque alguns consideram que isto não é arquitetura. A este respeito, gostaria de enfatizar a gigantesca necessidade de soluções técnicas para o atendimento da população que vivencia o espaço prisional, que não se restringe apenas a criminosos. Temos agentes penais, profissionais de saúde, educação, psicologia, religiosos, visitantes, os quais não deveriam cumprir penas de reclusão, pois estão a serviço do estado, mas que, por estarem vivenciando ambientes insalubres, inadequados, fechados, opressores, também desenvolvem problemas de saúde. Além disso, a população presa tem uma maior propensão de contágio de tuberculose e hanseníase (conforme dados da coordenação de saúde prisional MS) e que precisa de ambientes que minimizem este contágio. É preciso ficar claro que o ambiente prisional impacta na saúde de milhares de pessoas, ainda que não estejam presas. Deste ponto de vista, defendo a necessidade e a urgência de pesquisa e ensino voltados para a compreensão deste espaço, pois ele precisa ser adequadamente projetado.
Sobre especialização, existem cursos na área de arquitetura prisional?
Não existe. Temos tentado implantar uma especialização a distância, com o corpo docente já preparado para tal desafio, porém a burocracia para a contratação dos professores e recursos para o curso têm dificultado enormemente esta capacitação de profissionais. Vale destacar que a realidade prisional não é facilmente compreendida e depende de aspectos sociais, culturais e psicológicos inerentes a cada lugar. Portanto, se faz necessária a realização de pesquisas e de transparência, para que consigamos transpor o obstáculo da opacidade prisional para projetarmos melhores espaços.
Em outros países, o profissional que quer se especializar nesta área pode optar por quais caminhos?
Existem escritórios cujo foco é, exclusivamente, projetar prisões. Porém, não há especializações em nível de pós-graduação. O que há, é a experiência adquirida com os projetos realizados.
O concreto predomina nestas construções?
Sim. Acredita-se que seja a especificação técnica que garante maior segurança. Porém, como eu disse anteriormente, a própria sustentação do concreto já propicia subversões, tais como fabricação de armas. As pesquisas relacionadas ao concreto têm avançado no sentido de maior resistência (temos concretos que chegam a apresentar 120 MPa de resistência) mas esta resistência a impacto não anula a capacidade criativa deste usuário, em especial. Além disso, dependendo das condições bioclimáticas locais, este não é um material adequado à manutenção do conforto bioclimático dos ambientes, o que pode impactar no aumento do estresse do usuário e, consequentemente, da violência no interior da cadeia.
Um presídio de segurança máxima, por exemplo, requer quantos m3 de concreto, pegando os modelos brasileiros?
Isto depende do projeto arquitetônico, mas eu não tenho dados suficientes. Não consigo responder a esta pergunta, porque não se consegue, facilmente, acesso aos projetos ou especificações técnicas dos projetos de unidades penais. O argumento – no meu entendimento bastante equivocado – é a segurança. Os gestores acreditam que a publicidade dos projetos prejudica a segurança das unidades. Infelizmente, este argumento é utilizado para inviabilizar pesquisas e avanços técnicos e tecnológicos nesta área.
A industrialização, através de pré-fabricados e pré-moldados, também está presente neste tipo de obra?
Está sim, e em curva ascendente. Temos um déficit gigantesco de vagas e a industrialização consegue diminuir o tempo de execução das obras, atendendo a urgência. Concretos de Alto Desempenho, autoadensáveis e impermeáveis têm sido utilizados para a pré-fabricação de celas, que são transportadas para as obras já montadas. Mas ainda temos no Brasil poucas empresas com este tipo de serviço. Nesse sentido, as universidades poderiam trabalhar para difundir esta tecnologia, bem como outras pesquisas relacionadas a esta área específica, dada a complexidade do tema, que considera ainda soluções técnicas e tecnológicas para demandas de respostas interdisciplinares. De uma maneira geral, a necessidade de compreensão do comportamento de materiais com maior grau de complexidade, dadas as demandas especiais deste tipo de construção, refletidas no desenvolvimento de novas técnicas de materiais construtivos, se configura como claro exemplo de necessidade de investimento tecnológico neste setor.
Entrevistada
Arquiteta Suzann Cordeiro, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Projetos Especiais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e consultora na área de arquitetura penal, além de doutora em psicologia
Contatos
secfau.ufal@gmail.com
coordenacao.aurb@fau.ufal.br
www.suzanncordeiro.com
Crédito Foto: Divulgação/Construtora Porto Belo
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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