Riscos e fraudes existem. Saiba como se proteger

Ambiente da construção civil brasileira, por causa da informalidade e da falta de cultura no controle de obras, é mais suscetível a esses problemas.

Ambiente da construção civil brasileira, por causa da informalidade e da falta de cultura no controle de obras, é mais suscetível a esses problemas

Por: Altair Santos

O setor da construção civil profissionaliza-se rapidamente no Brasil, mas ainda existem gargalos que oferecem riscos e possibilidades de fraudes. Por esse motivo, os investidores, sejam eles do segmento imobiliário, comercial ou de infraestrutura, têm buscado cada vez mais informações sobre as obras em que decidem colocar dinheiro. Isso faz aumentar a demanda por consultores como Felipe Gutiérrez – especialista em mapear empreendimentos, sob o ponto de vista do retorno financeiro e da segurança da obra. Seu papel é disponibilizar ferramentas que identifiquem eventuais riscos. Na entrevista a seguir, ele revela como é possível detectar quais projetos são bons ou não para se investir. Confira: 

Felipe Gutiérrez: se o empreendimento é novidade para a construtora, o risco de haver problemas é maior.

Atualmente, quais são as principais ferramentas para identificar e mensurar riscos em obras?
Esta questão é bem ampla, existem vários riscos quando se trata de uma obra. Tem os riscos de engenharia, propriamente dito, tem os riscos de execução durante a obra, riscos de gestão, riscos ambientais, enfim, existe uma série de riscos e o ideal é determinar quais tipos de riscos estão envolvidos para daí fazer um trabalho de identificação e mensuração desses riscos. Por exemplo, entregar uma obra com atraso ou gastando mais do que o inicialmente orçado pode ser mensurado de várias formas. Uma delas, mais subjetiva, é consultar uma pessoa com muita experiência em obras similares. Porém, a abordagem é relativamente leve em termos de sustentação e pode ser facilmente questionada. Por isso, existem outros procedimentos que são mais detalhados e permitem regressões estatísticas, como a técnica de Monte Carlo. Há também o uso de softwares especializados. Mas o mais importante é fazer sempre a avaliação qualitativa do risco e levar em consideração a experiência das pessoas que conhecem os contratos.

Quais são os principais riscos em obras para os investidores?
Para o investidor vai estar sempre relacionado com o objetivo dele, que é colocar dinheiro e ter um retorno x num prazo y. Qualquer obstáculo que impacte a obra no prazo ou no custo vai impactar o investidor também. Além disso, para fazer investimento numa obra x, ele quer saber quem vai fazer a obra, se a empreiteira é renomada e se existe um freework de gestão adequado para a construção. Enfim, o que interessa é saber como o custo, o prazo e o escopo da obra vai impactar diretamente no resultado que o investidor está buscando naquele investimento.

Em termos de metodologias para verificar riscos de fraude em projetos de construção, quais se destacam?
Existe uma ferramenta muito importante que é o canal de denúncia, que é largamente utilizada, principalmente em grandes obras, grandes projetos. Muitas vezes as empresas já têm o seu próprio procedimento, a sua própria política para lidar com esta questão da denúncia anônima. Esta é uma ferramenta importante para identificar possíveis fraudes em obras. De forma mais ampla, o próprio ambiente de controle nas obras é uma forma muito importante para se verificar se o pessoal é bem treinado e se os procedimentos, processos e políticas estão bem definidas. Ter um sistema que dê apoio na gestão das obras também é uma ferramenta importante para esta identificação.

Quando se fala em fraude em projetos, como elas se manifestam e como detectá-las?
Isso pode acontecer de diversas formas. Mas a grande maioria passa por movimentação de estoques e de equipamentos. Muitas vezes uma obra não é bem controlada, o que permite, por exemplo, que o encarregado compre dois caminhões de brita, mas na verdade a construção precisa de um só. Ele assina o recebimento de dois caminhões de brita, mas só um chega na obra e o outro é desviado para outro lugar. Este tipo de descontrole sobre gestão e estoque de materiais é uma fonte grande de fraudes. Outro ponto são as fraudes contábeis, financeiras e de aprovação de contratações. Às vezes muda-se de nível. Passa-se para um nível de tomada de decisão corporativa, definindo a contratação de um fornecedor sem que seja feito o processo adequado de cotação.

Comparativamente a outros setores econômicos, o mercado imobiliário apresenta um volume maior ou menor de riscos de fraudes?
Mais, por que o ambiente no Brasil ainda tem muita informalidade. Além disso, não há tanta cultura de controle de obras. A fiscalização é maior em obras públicas, porque estão mais à vista. Se ocorrer uma fraude numa obra de um aeroporto ela chama mais a atenção, pois está sendo gasto dinheiro público. Porém, se esse tipo de fraude estiver acontecendo no departamento de compras de uma indústria alimentícia, por exemplo, enquanto isso não for muito grande e não impactar administrativamente nas demonstrações financeiras da empresa, dificilmente vai ser fiscalizado. O que evita as fraudes é ter um ambiente devidamente planejado e implementado.

Quanto ao cumprimento de normas legais (compliance) que regulamentam a realização de obras, hoje os construtores e incorporadores estão mais atentos a isso?
Sim, mas ainda há muito a ser feito. Principalmente em termos de se conhecer o que está em conformidade. Tem muitos clientes e empresas que nem sempre conhecem 100% as leis, principalmente aqueles que estão crescendo ou estavam em atividade informal. É preciso ter conhecimento de ações que até então não faziam parte do dia a dia. Como muitas construtoras estão crescendo – empresas que eram pequenas, estão se tornando médias e grandes -, é importante que elas se informem das normas legais do negócio.

O mercado imobiliário brasileiro, comparativamente ao que se faz em outros países, tem maior ou menor incidência de riscos e fraudes em projetos de construção?
No Brasil tem mais, por que no mundo anglo saxão esta cultura de ambiente de controle é mais difundida, está mais arraigada. E não só de ambiente de controle como também de planejamento e gestão na execução.

Entre obras de infraestrutura, imobiliárias e comerciais, como shopping centers, quais são mais suscetíveis a riscos e fraudes em projetos de construção?
Depende muito da empresa que está fazendo a obra. Se o empreendimento é novo para a construtora, localizado numa região que ela não tem conhecimento dos aspectos culturais, legais e tributários, assim como da mão de obra, tudo indica que haverá problemas. Agora, se a empresa já detém todo o tipo de informação, ela estará menos suscetível. Lugar novo e condições novas aumentam a probabilidade de haver problemas.

Entrevistado
Felipe Gutiérrez, sócio-diretor da KPMG Brasil, empresa especializada em auditorias e consultoria no setor da construção civil
Currículo
– Tem 12 anos de experiência no segmento de consultoria
– Iniciou sua carreira em 1998, na KPMG, onde hoje é o sócio-diretor responsável pela linha de serviços “Major Projects Advisory” (MPA) no Brasil
– É Mestre em Economia; PMP (Project Management Professional) pelo PMI (Project
– Management Institute); CIA (Certified Internal Auditor) e CRMA (Certified in Risk Management Assurance) pelo IIA (The Institute of Internal Auditors)
– É membro de diversos institutos, integra a equipe global da KPMG International e apoia clientes em obras de grande porte, em diversos segmentos, como mineração, metalurgia/siderurgia, real estate, oil&gas, infraestrutura&governo
Contato: fagutierrez@kpmg.com.br
Créditos foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330


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