Falta consenso sobre patologias do concreto
Doutor em engenharia civil, Paulo Roberto do Lago Helene alerta que estruturas precisam ter programas de manutenção bem definidos.
Doutor em engenharia civil, Paulo Roberto do Lago Helene alerta que estruturas precisam ter programas de manutenção bem definidos
Por: Altair Santos
Sumidade em patologias do concreto, o doutor em engenharia civil Paulo Roberto Lago Helene usa o exemplo do que aconteceu recentemente com a ponte dos Remédios, em São Paulo, para fazer uma avaliação de como o poder público trata obras que deveriam receber manutenção periódica, mas muitas vezes são abandonadas à própria sorte.
Além disso, ele faz uma avaliação crítica das falhas que ocorrem nos projetos e no uso dos materiais, apesar de hoje em dia existir muito mais diversidade e qualidade do que havia há 20 anos. O especialista também chama a atenção para a falta de consenso sobre as patologias que afetam a durabilidade do concreto, alertando que o material não é eterno. Confira a entrevista:
No final de novembro de 2011, ruiu parte da mureta de proteção da ponte dos Remédios, em São Paulo. A falta de manutenção em estruturas de concreto é o principal motivo para casos de patologias em obras, como esse exemplo?
Sem dúvida. Falta de manutenção no sentido estrito, de fazer algo, e falta de manutenção no sentido amplo, ou seja, falta um plano de inspeção periódica, falta um critério de avaliação, falta massa crítica para elaborar um diagnóstico correto e falta conhecimento e honestidade para elaborar um projeto de intervenção corretiva que seja factível, econômico e durável.
Por que os setores públicos têm tanta carência neste tipo de intervenção? Seria falta de recursos?
O setor técnico responsável tem falta de recursos (material, técnico e humano) porque depende de uma atitude e decisão política, que, infelizmente, privilegia outras necessidades.
Ainda hoje, as estruturas são executadas sem a devida atenção para a questão da durabilidade?
A questão da durabilidade é bastante complexa. As normas NBR 6118 (Projeto de estruturas de concreto) e NBR 12655 (Preparo, controle e recebimento do concreto) deram um grande passo, mas ainda são formas indiretas e aproximadas de tratar o problema. Na verdade não há nenhum critério claro e consensual de definir estados limites de serviço para durabilidade nem critérios para definir estados limites últimos (ELU). Veja, por exemplo o caso de AAR (alcali aggregate reaction): qual a abertura da fissura para se considerar o ELS (estados limites de serviço) ou ELU por conta de AAR ou RAA? No caso de fissuras de retração, qual a abertura limite? E quanto à corrosão? O ELS é quando a frente de carbonatação chega à armadura, quando chega no meio da armadura ou quando envolve toda a armadura? Não existe ainda um sequer estado limite bem definido. Então, como cobrar isso do serviço público? Teríamos de contar com o bom senso deles, o que politicamente falando é muito complicado.
Faltam projetos adequados ou as falhas são na execução?
A maioria das falhas mais graves são sempre de projeto. No caso do exemplo citado na primeira pergunta, foi corrosão de armadura da laje da calçada de pedestres. Porém houve, em 1977, a intervenção corretiva dessa ponte e o projeto não previu a correção da calçada.
Fenômenos climáticos e poluição estão exigindo mais das estruturas em concreto?
Sem dúvida, mas essa ponte citada tem hoje quase 50 anos, ou seja, estaria chegando no limite da vida útil de projeto atualmente consensual. Essa é mais uma razão muito forte para que a PMSP (Prefeitura Municipal de São Paulo) se preocupasse mais com uma manutenção e certamente intervenção corretiva capaz de estender essa vida de 50 anos para mais outros 50 anos.
As edificações que usam concreto estão mais expostas a quais patologias mais frequentemente?
As estruturas de concreto são as mais duráveis. Resistem melhor a diversos meios agressivos e permitem construir reservatórios de água, estações de tratamento de esgotos, fábricas de celulose e papel, siderúrgicas e muitas outras obras impensáveis com outros materiais estruturais, como madeira, aço, cerâmica, etc. Houve um grande período da humanidade que essas estruturas de concreto eram consideradas eternas. Hoje sabemos que isso não é verdade e, mesmo muito resistentes, devem ser objeto de um programa de manutenção.
Os materiais disponíveis atualmente no mercado são adequados para se construir com qualidade?
Sem dúvida. Nos últimos 20 anos houve uma evolução fantástica e positiva na qualidade e diversidade de materiais, mais resistentes do ponto de vista mecânico e muito mais duráveis. Aditivos redutores de água, aditivos redutores de retração, adições ativas de metacaulim e sílica ativa e cinza de casca de arroz, cinzas volantes, escórias de alto forno, calcário moído, fibras de aço e de polipropileno – enfim, só para citar algumas – não havia há 20 anos e hoje conduzem a concretos muito duráveis. Só precisa saber usar. O cimento hoje é muito melhor e mais homogêneo que há 20 anos. O problema é que ficou tão bom que os desavisados não perceberam que em lugar de especificar, projetar e construir com um concreto de 20 MPa, que tem no traço 250 kg de cimento e fator água/cimento de 0,75, mas não vai ser durável, o correto seria especificar um concreto de fck 35 MPa, pois teríamos 300 kg de cimento e um fator a/c menor que 0,55. Novamente é uma falha com origem no projeto, que especifica um concreto inadequado para as altas qualidades e desempenho dos cimentos atuais. Na verdade, todo projetista estrutural deveria saber que os concretos mais sustentáveis são os de alta resistência, acima de 40 MPa. Não só muito mais duráveis como também mais sustentáveis, pois apresentam melhor rendimento, ou seja, melhor índice de MPa/kg de cimento, reforçando a máxima da sustentabilidade, que é fazer mais com menos.
Na questão da qualificação profissional, os engenheiros atuantes no mercado da construção civil estão preparados para enfrentar esses desafios, principalmente as questões de patologias colocadas pelo senhor?
Infelizmente não. Hoje não há como imaginar a profissão do engenheiro se não como uma profissão em crescimento permanente e dinâmica, que requer uma educação continuada por toda a vida. A universidade, na graduação, fornece os instrumentos e ferramentas básicas, conceituais, mas a atualidade deve ser obtida ao longo da carreira através de cursos, eventos, congressos, revistas técnicas, livros, workshops, feiras, cursos de especialização, MBAs, pós stricto sensu, latu sensu, etc. Ser autodidata hoje é imprescindível.
E quanto aos cursos de engenharia civil no Brasil: eles formam profissionais preparados para enfrentar esses problemas ou boa parte dos graduados precisa buscar aperfeiçoamentos posteriores para saber entender sobre patologias do concreto?
Qualquer engenheiro hoje, bem formado, tem muitas vezes mais conhecimentos que eu quando me formei há 40 anos. Naquela época da década de 1970 mal tinha concreto usinado, mal tinha concreto bombeado, mal tinha concreto projetado. Não tinha grua, não tinha ISO 9000, não tinha concreto com fibras, nem autoadensável, nem de alta resistência, nem translúcido, nem fotogravado, nem colorido, nem ISO 14000, nem ISO de vida útil, nem ISO de ciclo de vida, nem ISO de responsabilidade social, nem NR 18, nem NBR 15575, etc. O problema é administrar todo esse conhecimento. Precisa fazer parte de um grupo, de uma boa equipe e saber trabalhar em grupo, ou seja, ser flexível, querer aprender sempre, a vida toda.
Entrevistado
Paulo Roberto do Lago Helene, mestre e doutor em engenharia civil, palestrante especialista em patologias do concreto
Currículo
– Engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1972) e especialista em Patología de las Construcciones pelo Instituto Eduardo Torroja em Madri, Espanha
– É também doutor em engenharia, com pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley.
– Atualmente é pesquisador e consultor de empresas privadas e entidades.
– Orientou 27 dissertações de mestrado e 13 teses de doutoramento, já concluídas, sendo que a maioria desses titulados são atualmente pesquisadores e professores de reconhecidas instituições de ensino e pesquisa.
Contato:paulo.helene@concretophd.com.br
Créditos foto: Divulgação
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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