Crescimento da construção civil carece de cuidados com qualidade das obras
Pujança do setor deve vir acompanhada de melhor qualificação profissional, adoção de sistemas construtivos inovadores e confiáveis e boa gestão nos canteiros.
Pujança do setor deve vir acompanhada de melhor qualificação profissional, adoção de sistemas construtivos inovadores e confiáveis e boa gestão nos canteiros
Por: Altair Santos
No 1.º semestre de 2011, o setor da construção civil foi o segundo que mais gerou empregos formais no país. Foram abertos 186.224 novos postos de trabalho, perdendo apenas para a agricultura, que absorveu 235.381 trabalhadores no mesmo período. São números que deixam explícito o quanto se mantém aquecido o mercado no Brasil, e revelam que há sinais de que o segmento caminha para um crescimento sustentável. No entanto, existem gargalos a serem superados, como bem lembrou o recente editorial da revista Téchne, da Editora PINI, que, ao analisar as consequências do crescimento da construção civil, expôs os entraves que ameaçam a consolidação desses avanços.
A Téchne cita, por exemplo, a evasão de engenheiros para o mercado financeiro entre as décadas de 1980 e 2000. “Tal fenômeno criou uma lacuna de profissionais atuantes que, após a retomada dos negócios, começou a ser fortemente notada. Onde estão, afinal, os engenheiros civis, com boa experiência profissional, que possuem entre 30 e 45 anos de idade? Poucos são vistos nos canteiros de obras”, questiona a revista, que se atém, sobretudo, à qualidade da mão de obra que hoje atua nas construções pelo país afora. Segundo o artigo, essa falta de qualificação tem gerado “aparecimento precoce de patologias, crescimento do número de acidentes de trabalho, atraso no cronograma das obras e queda da qualidade do produto final”.
Especialistas e profissionais ligados às entidades de classe da construção civil concordam com o alerta dado pela revista. No entanto, se mostram confiantes de que o Brasil conseguirá superar esses gargalos, principalmente porque já há empenho dos organismos do setor para que isso ocorra. “Os gargalos viraram desafios. Para superá-los, as construtoras precisam investir em tecnologia e formação de profissionais para aumentar o número de unidades e obras realizadas com o mesmo custo. Se não tivermos um salto importante na produtividade, vai ser difícil mantermos os mesmos patamares de crescimento experimentados nos anos anteriores”, diz Eduardo Zaidan, diretor de Economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP).
“Jeitinho brasileiro”
Já a presidente do IBAPE-PR (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do Paraná) Vera Lúcia de Campos Corrêa Shebalj, avalia que os problemas apontados pelo editorial da Téchne têm um pouco a ver com o chamado “jeitinho brasileiro”. “O Brasil é um dos países com as melhores normas específicas na área da construção civil. Talvez só a Alemanha tenha regras tão rigorosas. Então, o problema nosso não é a lei nem o desconhecimento, mas talvez o descaso. É o problema do jeitinho brasileiro, de querer levar vantagem em tudo. Aliado a isso tem a mão de obra com pouca qualificação. Recordo que, quando me formei, e isso faz 33 anos, havia mestres de obras que eram verdadeiras sumidades. Hoje não existe mais esse profissional no mercado”, ressalta.
Para o presidente da ANAMACO (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção) Cláudio Elias Conz, o momento é de se pensar no consumidor. “A sustentabilidade precisa sair do discurso. Para isso, a cadeia produtiva da construção civil tem que pensar mais no produto e no consumidor”, avalia. A opinião é compartilhada pelo presidente da ABRAMAT (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção) Melvyn Fox, para quem o desafio é suprir a demanda sem deixar cair a qualidade. Segundo ele, isso passa pela melhoria da mão de obra. “O profissional tem que enxergar a construção civil como uma carreira. Por isso, incentivamos a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) a produzir normas que qualifiquem melhor o armador, o eletricista, o pintor, o pedreiro, o assentador cerâmico, entre outros, para que eles tenham definido quais são os saberes, os conhecimentos e as práticas necessárias para poder exercer a profissão”, analisa.
Mais professores
De acordo com Renato José Giusti, presidente da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) as universidades têm papel relevante para ajudar a qualificar a construção civil, principalmente na formação de professores. “Eu pergunto: temos professores suficientemente capacitados nas escolas de engenharia civil? Antes de pensar em sistemas construtivos maravilhosos, precisamos ter quem ensine, por exemplo, a aplicação dos produtos cimentícios. Uma obra só é bem acabada se os produtos cimentícios foram bem empregados. É isso que é preciso ensinar”, diz.
Mas há quem enxergue que os problemas não estão apenas relacionados à qualificação da mão de obra ou à qualidade dos produtos empregados. A essência destes entraves talvez esteja nos projetos. “Tudo é resultado da antiga mania de querer fazer uma obra sem elaborar projetos de qualidade. Esse é o X do problema”, avalia o presidente da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), Luciano Amadio Filho. O diretor da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Newton Azevedo, reforça que esse é um problema principalmente em empreendimentos públicos. “Com projetos ruins, o processo licitatório na maioria dos casos não vai para frente ou é embargado por decisões judiciais”, relata.
Por isso, o vice-presidente da Ademi (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário) Paulo Henrique Fabbriani entende que a indústria da construção civil precisa de reordenamento, no sentido de que não pode eliminar etapas para chegar ao objetivo final. “Temos que começar pelo princípio, entendendo que a indústria está distribuída por processos, projeto, planejamento, engenharia e produção. Essas etapas estão intimamente ligadas e são sequenciais. Melhorar processos, qualificando cada etapa trará como resultado a produção qualificada de nossos produtos. Mas a mudança acontece sempre pelo início: o projeto”, reforça.
Fique atento
Preocupada com a qualidade da construção civil brasileira, a 83ª edição do Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic), que acontece na segunda semana de agosto de 2011, em São Paulo, vai debater temas relacionados ao assunto. Entre eles:
– Programas de Construção Sustentável (PCS)
– Programas de Inovação Tecnológica (PIT)
– Programa Minha Casa, Minha Vida
– Avanço dos financiamentos imobiliários
– Contexto atual e a perspectivas das obras públicas e de infraestrutura
– Esforços da indústria para a capacitação de mão de obra
– Ações de responsabilidade social
– Importância das normas de segurança
Entrevistados
– Eduardo Zaidan, diretor de Economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP)
– Vera Lúcia de Campos Corrêa Shebalj, presidente do IBAPE-PR (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do Paraná)
– Cláudio Elias Conz, presidente da ANAMACO (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção)
– Melvyn Fox, presidente da ABRAMAT (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção)
– Renato José Giusti, presidente da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland)
– Luciano Amadio Filho, presidente da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop)
– Newton Azevedo, diretor da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib)
– Paulo Henrique Fabbriani, vice-presidente da Ademi (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário)
Créditos Fotos: Divulgação/ABCP/Ademi/SMCS/
Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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